- Marcia Carmo
- De Buenos Aires para a BBC News Brasil
A inflação argentina de março foi a maior dos últimos vinte anos, alimentando expectativas de que o índice poderia chegar a 60% ou ficar até acima de 70% anualmente.
O resultado de março (6,7%) contribuiu para acelerar as comparações com a Venezuela, até então líder absoluta e com ampla margem nos rankings de inflação na América Latina.
Um dia depois que o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) divulgou a inflação oficial, a diretora de Estratégias do Fundo Monetário Internacional (FMI), Ceyla Pazarbasioglu, disse, na quinta-feira (14/4), que “a inflação precisa ser domesticada” porque ela “paralisa” a economia e afeta os mais pobres.
Mas por que a inflação argentina passou a ser apontada, em alguns setores, como a mais alta da região ou, pelo menos, caminhando para isso? E o que dizem venezuelanos que moram na Venezuela e que moram na Argentina?
A BBC News Brasil entrevistou economistas e moradores da Argentina e da Venezuela, onde a queda nos preços, dizem, é notória, mas a qualidade de vida ainda é complicadíssima.
A Argentina entrou neste ano com a escalada nos preços, iniciada antes mesmo da invasão da Rússia na Ucrânia, que gerou efeitos para a economia global, pressionando a inflação em vários países.
Em janeiro, a inflação argentina foi de 3,9%, em fevereiro, de 4,7% e em março de 6,7%, de acordo com dados oficiais.
Nos três primeiros meses deste ano, o índice chegou a 16,1%.
Para efeitos de comparação: na Venezuela, a inflação de janeiro foi superior a da Argentina (6,7%). Mas em fevereiro (2,9%) e em março (1,4%), o índice venezuelano foi inferior ao argentino, segundo o Banco Central da Venezuela (BCV).
No primeiro trimestre deste ano, a alta nos preços no país caribenho está em torno de 11%. Ou seja, menor que o da Argentina.
Sobram números e análises que indicam que a Venezuela teria saído de quatro anos seguidos de hiperinflação, a partir de 2017, superando os quatro dígitos anuais ou mais de inflação para entrar nos três dígitos ou até nos dois dígitos.
E a partir de setembro passado, o país registra inflação mensal de um digito, segundo o BCV. Este quadro levou o banco Credit Suisse a reduzir, no início deste mês de abril sua previsão de inflação para a Venezuela de 150% para 70%, influenciada também pela expectativa de maior crescimento com suas vendas de petróleo em tempos de guerra na Ucrânia, segundo informou a agência de notícias Bloomberg.
Se a previsão de 70% anual de inflação for confirmada para a economia venezuelana e se as estimativas mais pessimistas para a Argentina também virarem realidade, o pódio da inflação estaria, no mínimo, empatado.
Por que a inflação na Venezuela estaria caindo?
“A Venezuela fez uma série de mudanças em sua política monetária incluindo o uso do dólar para pagamentos internos. A inflação na Venezuela está caindo e, paradoxalmente, a da Argentina está subindo”, disse o economista argentino Marcelo Elizondo.
A consultoria econômica Ecoanalítica, de Caracas, estima que o dólar é usado em mais de 70% dos pagamentos gerais no país presidido por Nicolás Maduro.
Venezuelanos contaram à reportagem que o bolívar, a moeda local, está praticamente limitada ao uso nas transações digitais.
“Hoje, todos temos mais dólares do que bolívares no banco e quase ninguém tem bolívares na mão. Mas sim dólares e euros”, contou a professora de música Adriana Virguez Cruz, que mora na Venezuela.
O uso do dólar e a abertura do mercado teriam sido decisivos para esfriar a agressiva e recordista inflação venezuelana, de acordo com economistas.
“O governo, finalmente, reduziu o financiamento do déficit das empresas públicas através da emissão de dinheiro, sem respaldo. Reduziu o gasto público e antecipou uma política de abertura, com importações sem impostos e isso reduziu os custos”, disse o economista Victor Alvarez, ex-ministro da Indústria ao jornal espanhol El País.
Por que inflação argentina disparou?
Ouvidos pela BBC News Brasil, os economistas Gustavo Perego, brasileiro da consultoria econômica Abeceb, de Buenos Aires, e Marcelo Elizondo, argentino e professor de mestrado do Instituto Tecnológico de Buenos Aires, entendem que a inflação argentina colocou o pé no acelerador a partir do segundo semestre do ano passado, quando o governo ampliou o gasto público após receber menos votos que a oposição nas eleições primárias de agosto e tentar vencer as eleições legislativas de outubro.
O cenário de pandemia e a guerra na Ucrânia acabaram complicando ainda mais a situação que já era difícil e gerando “desequilíbrios macroeconômicos”, segundo eles.
“Quando há aumento do gasto publico, principalmente através da emissão monetária, não há impacto imediato na inflação. Mas com o tempo se percebe o aumento da inflação pela quantidade de dinheiro que foi colocada no mercado. E é o que estamos vendo agora”, disse Perego.
Briga interna no centro do poder
O economista brasileiro observou que as disputas internas no centro do poder, com a vice-presidente e ex-presidente Cristina Kirchner criticando abertamente os rumos do governo do presidente Alberto Fernández, também contribuem para gerar expectativas negativas e as remarcações de preços.
“É cada vez é mais forte a briga dentro do governo entre a ala radicalizada do kirchnerismo e a ala mais moderada, digamos, do presidente.”
Para Perego, da Abeceb, a emissão monetária junto com as incertezas políticas são os “motivos graves” da aceleração inflacionária na Argentina.
“Quando se tenta pensar numa lógica de política econômica, que tenha pilares fortes, o que se observa é que não existe estrutura política (para um rumo econômico e combate à inflação)”, disse.
Ele lembrou que a Argentina acaba de assinar um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para resolver uma dívida de cerca de US$ 44 bilhões contraída durante o governo anterior, de Mauricio Macri, e que o entendimento prevê ajustes de tarifas dos serviços públicos.
Na visão de Elizondo, o economista argentino, os ajustes tarifários, com os quais o governo poderia reduzir os gastos com os subsídios tarifários, devem aumentar ainda mais a inflação.
Os dois entendem que o fato de a Argentina ser exportadora de trigo, afetado pela guerra na Ucrânia, e dependente da importação de gás, também influenciado pelo cenário bélico, turbinou os preços dos alimentos e de outros setores no país.
América Latina x Venezuela
A inflação está em alta em vários países, incluindo Chile e Colômbia que há anos não sofriam problemas com a alta nos preços.
E na Venezuela? “A situação melhorou, com certeza. Mas o desemprego ainda é enorme e visível aqui, assim também como a pobreza. Os salários e as aposentadorias continuam miseráveis. Como professora de música, sobrevivo graças às aulas privadas, porque não tenho mais salário como antes da crise. É possível conseguir medicamentos, alimentos, combustíveis. Mas tudo com preço internacional. Por isso muita gente ainda depende de ajuda de familiares e de amigos. Se compram remédio, não podem comprar comida”, contou Adriana Virguez Cruz.
Vida difícil na Venezuela x qualidade de vida
Na cidade de Buenos Aires, como em outras cidades da região, muitos taxistas são venezuelanos. Na noite de quinta-feira (14/4), um deles contou à reportagem que acabava de voltar do aeroporto, onde foi buscar um casal de venezuelanos que se mudava para a capital argentina.
“Minha família, que continua em Caracas, me conta que os preços realmente caíram. Mas a área de saúde e todos os serviços continuam uma catástrofe. E o dinheiro não é suficiente pra viver. Aqui na Argentina, meu medo é que tanto controle, como fizeram no meu país, acabe gerando cada vez mais inflação. Aqui controlam preços (de uma lista de alimentos) e dólar e a inflação não para de subir, mas existe uma qualidade de vida que lá não existe”, disse Bryan dos Santos.
“As pessoas continuam deixando meu país”, afirmou.
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