- Giulia Granchi
- Da BBC News Brasil em São Paulo
A cura definitiva para qualquer tipo de câncer ainda é um sonho para a Ciência. Mas já existem meios efetivos de prevenir — uma das ferramentas importantes para isso, a vacina contra o vírus HPV, que está disponível em todo o Brasil e contribui para a prevenção de ao menos seis tipos de câncer, tem pouca adesão no país.
Disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para as meninas desde janeiro de 2014 e para meninos desde 2017, a vacina vem sofrendo quedas na adesão desde o segundo ano de sua implantação no Plano Nacional de Imunizações (PNI).
Dados levantados pelo Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA) no DataSUS, do Ministério da Saúde, indicam que 72% menos meninas e 52% menos meninos foram imunizados, após o primeiro ano de vacinação no Brasil (entre 2015 e 2021 e 2018 e 2021, respectivamente).
A imunização de ambos os sexos é necessária para quebrar a cadeia de transmissão do Papilomavírus humano (HPV), que é fator de risco para desenvolvimento de câncer de pênis, vulva, vagina, reto e de cabeça e pescoço (orofaringe/garganta) e, principalmente, de colo do útero.
Com acesso à vacina contra HPV e ao Papanicolau, considerado o principal exame preventivo, o câncer de colo do útero pode ser erradicado do país, assim como caminham países como Canadá e Austrália.
“Dependendo do tipo de HPV, o vírus pode representar baixo ou alto risco de evolução para câncer. Hoje, a vacina é quadrivalente e protege contra os quatro tipos de vírus mais frequentes”, explica a oncologista clínica Andréa Gadêlha Guimarães, coordenadora de advocacy do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA) e médica titular do A.C.Camargo Cancer Center.
Além de meninos e meninas, o Ministério da Saúde ampliou a campanha de vacinação para homens e mulheres imunossuprimidos, de 9 a 45 anos, que vivem com HIV/Aids, transplantados de órgãos sólidos ou medula óssea e pacientes oncológicos.
Quem não faz parte do público alvo, mas sabe que não se imunizou na infância ou adolescência, pode receber a vacina na rede privada, a depender de avaliação médica que conclua que a pessoa pode ser beneficiada.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que haja de 9 a 10 milhões de infectados por esse vírus no Brasil e que, a cada ano, surjam 700 mil novos casos de infecção.
Mas se a vacinação é importante para doenças tão graves quanto o câncer, por que as famílias brasileiras não levam as crianças e adolescentes para receber as doses?
Os motivos da baixa adesão à vacina de HPV
Falta de percepção sobre a gravidade das doenças
Na avaliação de Guimarães, parte da população brasileira foi perdendo a percepção da importância das vacinas conforme o tempo, o que piorou durante a pandemia.
Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), complementa: “É uma frase clichê entre os médicos, mas falamos que as vacinas são vítimas de seu próprio sucesso. Conforme as doenças são erradicadas ou se tornam raras, a população perde a percepção de risco. O sarampo está aí para provar que surtos podem ocorrer graças à não adesão”.
“Também temos filas quilométricas quando há surtos muito fortes — gripe pandêmica de H1N1, covid-19… Já quando a situação é equilibrada, as pessoas esquecem da doença. Falta educação para que as pessoas entendam que, para evitar um surto, precisamos de coberturas vacinais altas.”
No caso da vacinação para meninas, iniciada em 2014, as doses eram dadas dentro do ambiente escolar, e a primeira dose teve adesão de 92% na época.
“Depois, na segunda dose, já caiu bastante, mas quando passou para o ambiente de postos de saúde, no ano seguinte, caiu ainda mais”, diz Guimarães, explicando que, para o público jovem, levar a imunização até eles é considerada uma boa estratégia para aumentar a adesão, mas que requer um planejamento forte de logística.
A estratégia já voltou a ser adotada em algumas partes do país. Na cidade de Campinas, no interior de São Paulo, por exemplo, a escola Tenista Maria Esther Andion Bueno, foi um ponto de vacinação para estudantes entre 9 e 14 anos em 7 de outubro.
Falta de correlação do HPV com diferentes tipos de câncer
Muitas das vacinas acabam caindo sendo vistas como algo opcional por parte da população, sem um olhar cuidadoso sobre seus reais benefícios.
“Não é de conhecimento da população de forma geral que essa é uma vacina que pode ajudar a prevenir cânceres e de forma gratuita”, aponta Andréa Gadêlha Guimarães.
Fatores culturais e religiosos
“Algumas pessoas, sobretudo as que têm princípios religiosos mais conservadores, acreditam que dar a vacina pode ser um estímulo à atividade sexual precoce. É um grande engano. Apesar de o HPV ser um vírus sexualmente transmissível, essa correlação não existe. Hepatite B também pode ser transmitida pela via sexual e é dada na maternidade”, explica a oncologista.
Um estudo publicado no Jama Internal Medicine em 2015 corrobora com isso. Após a análise de dados de milhares de mulheres jovens, dentro da faixa etária recomendada para a imunização, os pesquisadores concluíram que a vacina contra o HPV não leva as adolescentes a adotar comportamentos sexuais precoces ou arriscados, nem eleva as taxas de doenças sexualmente transmissíveis.
“A recomendação de vacinar crianças e jovens é feita justamente porque, nessa idade, eles ainda não foram expostos ao vírus, o que torna a capacidade de criação de anticorpos maior. Vacinar na idade adulta, [depois do início da vida sexual], pode trazer um benefício menor”, aponta Mônica Levi.
Desinformação
“Supostos eventos adversos graves sobre as vacinas, não só a que combate o HPV, são espalhados com frequência. Mas as informações são falsas. Os efeitos adversos são leves, relacionados ao lugar da aplicação, como vermelhidão e dor local”, afirma Guimarães.
Os efeitos disso são uma população confusa e pouco confiante nas vacinas. “Para meninos, só 37% da população-alvo tomou duas doses. É muito pouco, um desperdício do investimento na saúde pública. Para uma mãe de um bebê que fica com pulga atrás da orelha por conta de notícias falsas, por exemplo, é mais fácil para ela correr o risco da doença, que ela acha que não vai chegar até seu filho, do que arriscar um suposto efeito colateral gravíssimo logo após a vacinação. O movimento antivacina ficou mais organizado pós-pandemia e tem sido efetivo em causar hesitação.”
As especialistas explicam que a vacina é feita com vírus inativado, ou seja, não contém o DNA do vírus, apenas proteínas do capsídeo viral (envoltório do vírus), que não é capaz de produzir a doença no corpo humano.
“A vigilância dessa vacina é uma das melhores que já foram feitas. Temos uma mídia poluída com informações falsas que colocam medo nas pessoas, e adolescentes, que não necessariamente entendem a importância, também são alvo dessas fake news”, diz a diretora da SBIm.
Na avaliação dela, as campanhas de comunicação do Ministério da Saúde são atualmente péssimas. “Já fomos exemplo mundial de como comunicar e agora estamos tão ruins quanto outros lugares com coberturas vacinais ruins. O próprio Ministério da Saúde reconhece a necessidade de combater notícias falsas.”
Dificuldades logísticas
Há também questões relacionadas a estratégias, como postos de saúde abertos apenas em horários comerciais, e pais, mães e outros familiares sem condições de levar a criança ou o jovem por conta de trabalho. “Isso já está sendo entendido pelo PNI como uma barreira, e é mais fácil de contornar. Alguns locais já começaram a oferecer horários aos sábados e domingos, por exemplo”, diz Levi.
Além disso, a especialista avalia que a alimentação de dados do Ministério da Saúde deixa a desejar, o que pode atrapalhar as campanhas e a atualização de números de imunizados.
“Alguns postos de saúde têm internet precária, um sistema manual ou digitalizado, mas antigo, além de ser possível acontecer erros humanos. Na pandemia, o consórcio de imprensa que fornecia dados era mais eficaz em comunicar atualizações para a população do que o próprio Ministério da Saúde.”
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