São muitas as lendas para explicar a origem do panetone. Aliás, lendas é o que não faltam na história dos alimentos. Diz-se, por exemplo, que as massas surgiram na China; trazidas por Marco Polo para Veneza. Que o melão veio de Nápoles para a França por Carlos VIII. Que o patê de foie gras foi inventado pelo marechal de Contades (governador da Alsácia). Histórias que são contadas há séculos, pouco importando os documentos disponíveis. Mais provável, sabemos hoje, é que as massas tenham surgido na região do Mezzogiorno (sul da Itália) muito antes da viagem de Marco Polo ao Oriente. Que os melões já eram cultivados em Avignon (França) antes de Carlos VIII nascer. E que já se fazia o patê de fois gras na região do Périgord séculos antes do tal marechal de Contades.
Voltando ao panetone, a primeira lenda nos remete a uma freira que se chamaria Ughetta e vivia num convento. Sem recursos para celebrar o Natal, teria inventado um pão grande (pan grande ou panatton), quase um bolo, recheado de frutas naturais e secas. Ou seria, não Ughetta, mas Ughetto – filho de Giacometto degli Atellani, famoso escudeiro do duque de Milão. Segundo essa outra versão, Ughetto teria se apaixonado por Adalgisa, filha de um padeiro que trabalhava na padaria Della Grazia (em Milão). Só que, por ser pobre essa moça, a família do rapaz proibiu o casamento. Até quando Ughetto resolveu ajudar o sogro a ganhar dinheiro, inventando (junto com ele) um pão a partir de massa, usada pelo padeiro, chamada panett. E logo o futuro sogro se tornou rico. Sem mais motivos, então, para que não houvesse casamento. O pão ajudando o amor, se non è vero… è ben trovato.
Mais conhecidas são as versões que nos levam a um Toni, ajudante de cozinha de Ludovico Sforza, Il Moro, (1452-1508), duque de Milão. Segundo uns, sem dinheiro para fazer o bolo do casamento da própria filha, teria criado o tal pão. Para outros, queimou a sobremesa que seria servida num banquete oferecido pelo duque. E deu-se que, de última hora, improvisou, oferecendo um delicioso pão doce preparado com as sobras (que pretendia levar para casa) dos ingredientes. Sforza, nos dois casos, tanto gostou do resultado que acabou batizando a novidade de pan de Toni. Daí teria vindo o próprio nome, panettone. Apenas lenda. Sobretudo porque o responsável pela cozinha de Ludovico Sforza, à época, era outro, o grande Leonardo da Vinci (1452–1519). Tudo começou quando, certo dia, foi pedir emprego a Sforza. E escreveu carta se apresentando assim: “A minha excelência em construir pontes, fortificações e catapultas não admite comparação, e o mesmo se pode dizer de muitos outros aparelhos secretos, que não ouso descrever nesta carta. A minha pintura e a minha escultura são superiores às de qualquer
outro artista. Sou superlativo a contar anedotas e a meter-me em sarilhos. E faço bolos verdadeiramente inigualáveis” (em Apontamentos de cozinha de Leonardo da Vinci). Foi contratado na hora. E viveu, na cidade, por 30 anos, como Mestre de banquetes e conselheiro de fortificações.
Panettone, “no dialeto milanês, é panattón, termo que nada tem a ver com o nome próprio Toni”, segundo Márcio Bueno (em A origem curiosa das palavras). Tinha, no início, a forma do Duomo de Milão, para explicitar seu lugar de origem. Passou, depois, a ser redondo, baixo e achatado. Até que, finalmente, recebeu a forma que tem hoje –redondo e alto. Lembrando o chapéu dos chefs (conhecido como toque blanche), inventado por Carême. Quanto mais alto o chapéu, mais importante o chef. Por fim, só dizer que o panetone chegou ao Brasil em 1948, trazido pelo italiano Carlo Bauducco. E por acaso. É que havia vendido suas máquinas de panificação a um amigo que morava no Brasil. Depois de muitos meses sem notícias do pagamento, nem do amigo, decidiu ver o que tinha acontecido. As máquinas ainda estavam no porto de Santos e o amigo havia desaparecido. Sem ter o que fazer diante do prejuízo, e sem poder levar as máquinas de volta à Itália, resolveu montar, ele mesmo, uma panificação. Deu certo. E, ainda hoje, Bauducco é a marca mais famosa do Natal. Por conta de um panetone.
Fonte: Folha PE
Autor: Letícia Cavalcante