- Yogita Limaye*
- Da BBC News em Kiev
Três semanas se passaram desde a libertação do ucraniano Volodymyr Khropun e ele está visivelmente abalado pelo trauma que sofreu. Voluntário da Cruz Vermelha, ele foi capturado por forças russas e levado para a Rússia.
Em 18 de março, Volodymyr estava dirigindo um ônibus escolar rumo ao vilarejo de Kozarovychi, cerca de 40 km a noroeste de Kiev, para evacuar alguns civis que estavam presos ali em meio aos combates. Quando tentou convencer os soldados russos a deixá-lo passar pelo posto de controle, acabou detido.
Nos primeiros dias, foi mantido no porão de uma fábrica de um vilarejo próximo, junto com outros civis — 40 pessoas em uma sala de 28 m².
“Fomos espancados com espingardas, socados e chutados. Eles me vendaram e amarraram minhas mãos com fita adesiva. Usaram armas de eletrochoque e continuaram pedindo informações sobre os militares”, diz Volodymyr.
“Um dos soldados era muito jovem, quase uma criança. Ele usava armas de eletrochoque no pescoço, rosto, joelhos das pessoas. Era como se ele estivesse se divertindo.”
Depois de quase uma semana detidos na Ucrânia, os detidos foram transportados para Belarus.
“Eles pensaram que não podíamos ver, mas eu vi as aldeias pelas quais estávamos passando, Ivankiv, Chernobyl e depois vi que cruzamos a fronteira”, conta.
Em Belarus, os detidos receberam um documento de identidade, emitido pelos militares da Federação Russa e que descrevia o local de nascimento de Volodymyr como a “República Socialista Soviética da Ucrânia”. Era esse o nome oficial da Ucrânia antes da dissolução da União Soviética em 1991, portanto, antes de se tornar um país independente — um sinal claro das ambições da Rússia na região.
De Belarus, diz Volodymyr, o grupo foi levado para uma prisão na Rússia.
“A tortura continuou. Eles nos humilharam, nos fizeram ajoelhar e nos forçaram a ficar em posições desconfortáveis. Se olhássemos nos olhos deles, éramos espancados. Se fizéssemos algo devagar, éramos espancados. Eles nos tratavam como animais”, diz ele.
Uma noite, Volodymyr contou 72 pessoas detidas, além dele. Mas podia ouvir que havia mais.
“Tentamos apoiar uns aos outros. Alguns dias não podíamos acreditar que tudo isso estava acontecendo. Parecia que tínhamos sido transportados do século 21 para o século 16”, conta.
Após duas semanas detido, em 7 de abril, Volodymyr deixou a prisão. Ele e três civis ucranianas de outro centro de detenção foram transportados por via aérea para a Crimeia, anexada pela Rússia da Ucrânia em 2014.
As mulheres disseram a Volodymyr que também haviam sido espancadas. O grupo não entendia para onde estava sendo transferido, mas frequentemente ouviam os soldados usarem a palavra “troca”.
Da Crimeia, eles foram levados por uma estrada para um ponto 32 km fora de Zaporizhzhia, e autorizados a atravessar uma ponte para o território controlado pela Ucrânia. A troca de prisioneiros de guerra militares de ambos os lados ocorreu antes que os civis ucranianos pudessem passar. Era 9 de abril. A viagem durou dois dias.
Volodymyr tem dificuldades para descrever como se sentiu, mas quer que o mundo ouça sua história.
“O fato de civis ucranianos estarem detidos lá [na Rússia] é 100% verdade.”
Na prisão, Volodymyr ouviu que pessoas da usina nuclear de Chernobyl estavam sendo mantidas em uma sala ao lado.
Não está claro quem eram exatamente os homens na prisão, mas 169 guardas nacionais ucranianos responsáveis por proteger Chernobyl estão desaparecidos. Eles foram detidos pela primeira vez no porão da central nuclear e permaneceram ali por semanas, quando a usina foi ocupada por tropas russas.
Valeriy Semonov, um dos engenheiros de Chernobyl, diz que quando as forças russas se retiraram no final de março, levaram consigo os guardas.
Em um vilarejo próximo vive a família de um dos homens desaparecidos. Suas identidades não serão reveladas para protegê-los.
Em serviço em Chernobyl, o militar ligou para a mulher no primeiro dia da invasão, quando a central nuclear foi tomada, para lhe pedir que deixasse o vilarejo onde a família mora.
Com os pais e o filho pequeno do casal, ela se deslocou para a cidade de Lviv, no oeste da Ucrânia, principal rota de fuga dos ucranianos rumo ao Ocidente.
De 24 de fevereiro a 9 de março, a mulher conseguiu falar com o marido pelo celular.
“Ele não dava muitos detalhes no telefone. Dizia apenas ‘estamos bem’. Falou-me para não se preocupar”, diz. “Então, houve um corte de energia e não consegui mais contato com ele”.
Ela diz que ainda conseguiu falar com o marido mais algumas vezes por um telefone fixo no local.
“A última vez que falei com meu marido foi em 31 de março, no dia em que foram retirados à força de Chernobyl. Ele me disse: ‘Estou bem fisicamente, mas emocionalmente é muito difícil.’ Pude perceber pela voz dele que ele estava muito preocupado.”
Seu filho pergunta sobre seu pai o tempo todo, conta.
“Digo-lhe que seu pai está no trabalho, mas ele está com muito medo. Ele está preocupado de que eu desapareça também e me segue por toda parte, para o trabalho, para as lojas”, diz. “É muito difícil para nós. Só quero que a Rússia liberte meu marido.”
O Ministério do Interior da Ucrânia informou para a família que o homem está detido na Rússia.
Casada há seis anos e meio, a mulher diz que seu marido sempre lhe deu todo o suporte necessário e que adorava seu trabalho.
A BBC conversou com as famílias de mais de uma dúzia de pessoas feitas reféns pelas tropas russas.
Apenas algumas retornaram. A maioria ainda está desaparecida, como Yuliia Payevska. Seu marido, Vadym, diz que ela foi capturada pelas forças russas em 14 de março, quando trabalhava como paramédica em Mariupol, ajudando a evacuar soldados e civis feridos.
Um vídeo de propaganda com ela foi veiculado por alguns canais de TV russos pró-Kremlin, e foi assim que ele descobriu que a mulher estava em cativeiro. Ele acredita que ela foi levada para a Rússia.
O Kremlin diz que os cidadãos ucranianos vão para a Rússia por livre escolha.
“Não quero responder a esses grandes mentirosos”, diz Iryna Venediktova, procuradora-geral da Ucrânia.
“Existem pelo menos 6 mil civis que podemos identificar que foram deportados, e de informações da grande imprensa na Rússia, 1 milhão de ucranianos teriam sido levadas.”
Venediktova diz que houve casos de crianças sendo separadas de seus pais, e que quase todos que retornaram em uma troca de prisioneiros disseram ter sido torturados e espancados.
À medida que a guerra continua no sul e no leste da Ucrânia, todos os dias há novos relatos de pessoas sendo deportadas à força para a Rússia.
*Reportagem adicional de Imogen Anderson, Daria Sipigina e Anastasiia Levchenko.
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