A Rússia retirou tropas da região de Kiev e mudou grande parte do foco da guerra para o leste da Ucrânia, após uma série de derrotas perto da capital. Essa mudança para a região conhecida como Donbas pode significar o prolongamento do conflito.
Do que o presidente russo Vladimir Putin precisa para poder reivindicar seu objetivo de “liberar” o antigo coração industrial da Ucrânia? E será possível atingir esse objetivo?
As forças russas já causaram uma catástrofe humanitária no leste da Ucrânia, reduzindo a cidade de Mariupol a ruínas, mas não conseguiram infligir a derrota das forças armadas ucranianas.
Preparando-se para o fortalecimento da investida russa no leste do país, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky prometeu: “vamos lutar por cada metro da nossa terra”.
As forças mais bem treinadas da Ucrânia já estavam a postos no leste do país, devido a uma guerra travada desde 2014 contra os separatistas apoiados pela Rússia. Acredita-se que elas tenham sofrido fortes baixas, mas ainda representam um desafio significativo para o exército invasor russo.
O que é a região de Donbas?
Quando o presidente Putin fala em Donbas, ele se refere à antiga região produtora de carvão e aço da Ucrânia.
Ele quer indicar, na verdade, a totalidade de duas grandes regiões orientais, Luhansk e Donetsk, que cobrem desde a área próxima a Mariupol, no sul, até a fronteira com a Rússia no norte.
A Otan também espera que as forças russas tentem criar uma ponte por terra que desça pelo litoral sul da Ucrânia, a oeste de Donetsk, até a Crimeia, ocupada pelos russos desde 2014.
“A questão principal é que ela [a região] foi identificada pelo Kremlin como uma parte da Ucrânia onde se fala o idioma russo, que é mais Rússia que Ucrânia”, segundo Sam Cranny-Evans, do think tank (centro de pesquisa e debates) britânico Royal United Services Institute.
Estas são regiões onde o russo pode ser amplamente falado, mas não são mais pró-Rússia. “Mariupol era uma das cidades mais pró-russas da Ucrânia – e a um nível além da minha compreensão”, afirma o especialista em defesa Konrad Muzyka, presidente da consultoria especializada na região Rochan Consulting, com sede na Polônia.
Após um mês de guerra, a Rússia afirma que assumiu o controle de 93% da região de Luhansk e 54% de Donetsk. O presidente russo ainda está longe de dominar toda a região, mas, mesmo se ele vier a reivindicar vitória, trata-se de um território muito grande para ser controlado.
Por que Putin quer controlar Donbas
O líder russo vem repetindo a acusação não confirmada de que a Ucrânia é responsável por genocídio no leste do país.
Quando a guerra começou, dois terços dessas regiões orientais estavam nas mãos da Ucrânia. O restante era controlado pelos separatistas, que criaram pequenos Estados autônomos apoiados pela Rússia durante outra guerra, que começou oito anos atrás.
E, pouco antes da guerra atual, o presidente Putin reconheceu todo o território das duas regiões orientais como sendo independentes da Ucrânia.
Se a Rússia conquistasse essas duas grandes regiões, Vladimir Putin teria alcançado algum tipo de conquista com a guerra russa. A etapa seguinte seria anexar Donbas, da mesma forma que ocorreu com a Crimeia, após um referendo contestado em 2014.
E, se a conquista viesse antes de 9 de maio, ele ainda poderia exibi-la no Dia da Vitória, quando as forças armadas russas comemoram a vitória sobre a Alemanha nazista em 1945.
O líder controlado pela Rússia em Luhansk já falou em promover um referendo em “futuro próximo”, mas mesmo a ideia de uma votação imposta em uma zona de guerra parece absurda.
Qual é a estratégia de Putin?
As forças russas estão tentando cercar o exército ucraniano no leste do país, movendo-se a partir do norte, leste e do sul.
“É um grande território a ser controlado e acho que não devemos subestimar as complexidades geográficas da região”, afirma Tracey German, professora de conflitos e segurança do King’s College de Londres.
Depois de semanas de combates, as forças russas não conseguiram capturar a segunda maior cidade da Ucrânia, Kharkiv (ao sul da fronteira com a Rússia), mas acabaram por tomar o controle de Izyum, uma cidade estratégica mais ao sul pela rodovia principal que leva à região controlada pelos separatistas no leste.
“Se você observar o que eles estão fazendo em volta de Izyum, eles estão seguindo as linhas principais das rodovias – e isso faz sentido, já que eles estão movimentando a maior parte do seu equipamento pelas estradas e ferrovias”, segundo German.
As cidades que agora estão na mira da Rússia já sofreram anos de guerra desde que os separatistas apoiados pela Rússia tomaram grande parte de Donbas pela primeira vez.
O próximo grande alvo ao longo da rodovia M03 é Slovyansk, uma cidade com 125 mil habitantes que foi tomada pelas forças apoiadas pela Rússia em 2014, antes de ser recapturada.
O Instituto de Estudos da Guerra (ISW, na sigla em inglês), com sede nos Estados Unidos, afirma que, se a Ucrânia mantiver o controle de Slovyansk, a campanha russa para capturar as duas regiões “provavelmente irá fracassar”.
As forças russas já estão bombardeando uma série de cidades mais a leste na região de Luhansk ainda sob controle ucraniano, incluindo Rubizhne, Lysychansk, Popasna e Severodonetsk. Blocos de apartamentos foram destruídos e civis foram mortos nas suas casas.
Essas cidades são importantes porque controlá-las permitiria à Rússia mover-se para o oeste e reunir-se às forças russas que planejam mover-se para o sudeste de Izyum, segundo o ISW.
Os russos não só estão tentando controlar as linhas de fornecimento pelas rodovias, mas também estão tentando bloquear o acesso da Ucrânia às vias ferroviárias do oeste do país. O trem é o meio de transporte mais eficaz para as tropas e a artilharia pesada da Ucrânia, além de ser o caminho de saída mais rápido para os civis em fuga.
Controlar parte da rede ferroviária também permitiria que as forças russas movimentassem suas tropas e suprimentos.
Os civis estão sendo retirados antes dos avanços russos. “Salve a você e à sua família enquanto ainda pode” foi o apelo do líder local Serhiy Haidai aos moradores, enquanto ônibus e trens se dirigiam ao oeste do país.
Na terça-feira (5 de abril), os trens ainda estavam saindo de Slovyansk, mas foram cortadas as linhas para Rubizhne e Izyum, no norte da Ucrânia, além de Mariupol e Melitopol, no sul.
Maryna Agafonova, de 27 anos, saiu da casa da família em Lysychansk, deixando seus pais para trás enquanto as bombas russas continuam a cair. “Eles atacaram hospitais e prédios residenciais. Não há aquecimento, nem eletricidade”, segundo ela.
Ela disse à BBC que as forças ucranianas ainda estão resistindo em grandes números: “eles não estão deixando que os russos ocupem a cidade”, segundo ela.
Vida ‘assustadora’ na região separatista de Luhansk
A vida sob o controle dos separatistas apoiados pela Rússia é mais calma, mas as autoridades separatistas acusaram as forças ucranianas de bombardear edifícios residenciais e matar civis. Autoridades do pequeno Estado autônomo de Donetsk afirmam que 72 civis morreram desde meados de fevereiro.
Uma mulher em Luhansk disse à BBC, sob anonimato, que havia visto muitos blindados russos na cidade e que a atmosfera agora era de medo e cautela. “Estou com medo – é simplesmente assustador”, disse ela.
Ela explicou que os homens com idade para alistar-se foram convocados para as milícias locais e quem fugisse do alistamento estava escondido. “Eles estão mobilizando [os homens] nas ruas e os prendendo. Não há homens nas lojas, na cidade, nas ruas.” E, com isso, segundo ela, todas as empresas controladas por homens estão fechadas.
“Nós já fazemos parte da Rússia, só que apenas informalmente. Todas as pessoas têm passaportes russos”, relata ela.
As forças ucranianas conseguirão resistir?
No início da guerra, as 10 brigadas que compõem a Operação de Forças Conjuntas no leste da Ucrânia reuniam os soldados considerados os mais bem treinados e equipados do país.
Mas, “na verdade, não sabemos qual é o poderio das forças ucranianas agora”, segundo Sam Cranny-Evans, que acredita que os números terão sido ampliados com o ingresso de voluntários nas últimas semanas.
As forças russas já sofreram grandes perdas depois de mais de cinco semanas de conflito e acredita-se que o ânimo das tropas esteja reduzido. Elas são formadas por homens recrutados das regiões separatistas locais e do próprio exército russo.
“O principal objetivo dos ucranianos é infligir o máximo de perdas possível para o lado russo, utilizando táticas assimétricas para evitar grandes batalhas”, segundo Konrad Muzyka.
Um homem chamado Mykyta, que conseguiu fugir do bombardeio russo de Mariupol, afirmou que estava confiante de que a reação do exército ucraniano seria bem sucedida.
“Algum dia, eles irão devolver nossas cidades. O batalhão Azov não entregará Mariupol”, disse ele à BBC. “O exército ucraniano é muito esperto. Eu não os vejo na minha cidade, mas ouço [seus movimentos] e eles se disfarçam muito bem.”
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