Todos os anos, o desfile militar na Praça Vermelha em Moscou, na Rússia, em 9 de maio, comemora a vitória sobre a Alemanha nazista em 1945.
Mas não foi sempre assim: a data era ocasionalmente comemorada com um desfile durante os anos da União Soviética e foi resgatada pelo então presidente Boris Yeltsin em 1995 para comemoração de 50 anos da vitória militar.
Mas foi sob o governo de Vladimir Putin, a partir de 2008, que o desfile passou a ser anual e se tornou uma demonstração de força das tropas e equipamentos militares, além de uma chance de lembrar os sacrifícios da Segunda Guerra Mundial.
Vinte e sete milhões de cidadãos soviéticos morreram, de longe a maior perda de qualquer país, no que os russos chamam de Grande Guerra Patriótica.
Este ano, o evento ganhou um significado diferente. Longe de libertar a Europa, como em 1945, a Rússia travou meses de guerra contra sua vizinha Ucrânia e ainda não conseguiu uma vitória militar real que possa comemorar.
Regimentos que desempenharam um papel fundamental na guerra vão desfilar diante do alto escalão do governo e do presidente, cujo discurso ecoará pela Praça Vermelha e será examinado pelo resto do mundo. O líder da Rússia costuma usar esse momento para enviar mensagens.
O Dia da Vitória hoje faz parte de identidade russa, com livros escolares e livros de história focando na Rússia como libertadora da Europa durante a guerra.
“Mesmo em um ano normal, é uma grande demonstração da força da Rússia, do controle de Putin e tudo o que ele representa”, diz o pesquisador Ammon Cheskin, da Universidade de Glasgow. “E neste isso isso está maior ainda.”
Rumores de que Putin vai declarar o fim da guerra foram negados, assim como os relatos de que o presidente pretendia anunciar uma declaração completa de guerra ou uma mobilização específica do exército.
Os militares russos não vão ajustar suas ações artificialmente para sincronizar com uma data específica, disse o ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov.
Em resposta às perdas da Rússia no campo de batalha, também seria possível que uma mobilização menor, não total, fosse anunciada.
Nas últimas semanas, dezenas de anúncios apareceram em sites de empregos procurando por “especialistas em trabalho de mobilização”. Mas um movimento como esse pode afetar a popularidade do presidente, e o dia 9 de maio pode não ser o momento certo para anunciá-lo.
Depois que a Rússia anexou a Crimeia em 2014, Vladimir Putin faz discursos no Dia da Vitória sobre derrotar o fascismo. Em seguida, ele viajou da Praça Vermelha para o porto de Sebastopol, no Mar Negro, para comemorar a vitória na Crimeia diante de milhares de espectadores.
“Este ano, o objetivo principal era anunciar a vitória que deveria ter acontecido em fevereiro”, diz Ernest Wyciszkiewicz, pesquisador do Centro para o Diálogo e Entendimento Polonês-Russo.
“Eles estão preparando um golpe de relações públicas para segunda-feira: é importante que os russos vejam que a operação militar especial sobre a qual ouviram falar levou a algo tangível”, afirma.
Cidade em ruínas
Em vez de comemorar a derrubada do governo da Ucrânia, o Kremlin terá que se contentar com a captura da maior parte de Mariupol. A cidade pode estar em ruínas, mas a Rússia tem falado repetidamente em “desnazificação e desmilitarização” da Ucrânia e pode reivindicar a derrota do batalhão Azov, um grupo de extrema-direita que a Rússia considera nazista. Isso teria um forte efeito em um dia que marca a Segunda Guerra Mundial.
“Nas cidades e capitais regionais russas podemos ver placas com o símbolo do Dia da Vitória”, diz Olga Irisova, cofundadora do grupo de análise Riddle Russia. “Geralmente as placas dizem 9 de maio de 1945, mas este ano elas dizem 1945/2022, então eles estão tentando dar às pessoas a ideia de que mais uma vez estão enfrentando os nazistas.”
Em Mariupol não haverá desfile do Dia da Vitória por causa de aparentes ameaças à segurança. O líder da Rússia na região, Denis Pushilin, disse que um desfile terá que esperar até que Mariupol se torne parte de sua chamada República Popular de Donetsk.
No período que antecedeu ao 9 de maio, a cidade recebeu visitas do diretor de TV do Kremlin, Vladimir Solovyov, e de uma delegação do Kremlin liderada pelo vice-chefe de gabinete do presidente, Sergei Kiryenko.
Estética militar
O desfile do Dia da Vitória na Praça Vermelha também tem a ver com a estética e com o equipamento militar. É uma chance para o Kremlin mostrar seu armamento mais recente.
Em 2015, foi o tanque Armata T-14 que chamou a atenção, mas ele não está sendo usado na guerra na Ucrânia, porque ainda não está pronto para o combate na linha de frente. A Ucrânia diz que destruiu mais de mil tanques russos menos modernos no campo de batalha.
O desfile terá menos armamento e menos tropas neste ano do que em 2021. Um dos mais novos tanques da Rússia, o T-80BVM, e o novo sistema de mísseis antiaéreos Pantsir-S1 não estarão presentes. Mas ainda haverá cerca de 10 mil soldados e 129 equipamentos militares, de acordo com uma análise do serviço russo da BBC.
A exibição aérea será tão grande quanto antes, com 77 aviões e helicópteros, e a Força Aérea vem ensaiando sobre a Praça Vermelha em forma de Z — o polêmico símbolo adotado pelas forças invasoras na Ucrânia.
Mas não haverá líderes estrangeiros este ano, o que o Kremlin atribui ao fato do 77º aniversário da data não ser um evento significativo em si.
De qualquer forma, a maioria das mensagens em torno do Dia da Vitória é dirigida à população russa, diz Olga Irisova. Ao aproveitar a narrativa de luta contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial, o Kremlin é capaz de despertar fortes sentimentos porque a maioria dos russos têm parentes que morreram ou lutaram na guerra.
Embora os eventos do Dia da Vitória ocorram em diversas cidades da Rússia, nos países vizinhos que também fizeram parte da União Soviética o dia 9 de maio tornou-se cada vez menos significativo.
A Ucrânia teve enormes perdas na Segunda Guerra e uma recente pesquisa de opinião sugeriu que a data deveria ser vista como um dia de lembrança e não de vitória.
Já o Cazaquistão cancelou seu desfile militar pelo terceiro ano consecutivo. E a Letônia declarou a data como um dia de lembrança — para as vítimas da guerra da Rússia na Ucrânia.
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