Kateryna Halenda percebeu que era hora de fugir da Ucrânia quando seus filhos começaram a chorar todas as noites e perguntar se iam morrer. Não era uma decisão fácil deixar o país devastado por causa da invasão feita pela Rússia.
Mas o marido Oleh conseguiu convencer Kateryna a partir com seus dois filhos pequenos, já que a esposa não queria deixar o marido para trás — o governo Ucrânia proibiu a saída de homens adultos por causa da guerra.
Kateryna, uma professora de 32 anos, agora sabe que ela e seus filhos, de nove e de quatro anos, estão seguros.
Mas Kateryna ainda recebe no seu celular os alertas de bombardeio na cidade onde vivia na Ucrânia. E por isso, agora as preocupações estão voltadas para saber se o marido Oleh está bem.
Ela e seus filhos fazem parte dos mais de 5 milhões de refugiados que deixaram a Ucrânia enquanto se preocupavam com familiares que ficaram para trás. A população total da Ucrânia antes da guerra era de 44 milhões de habitantes.
Um centro que funciona ‘como uma família’
Mais de 60 mil ucranianos chegaram ao Reino Unido desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.
Kateryna e seus filhos não estão entre os refugiados que foram abrigados em casas de famílias britânicas. Atualmente, eles vivem com outras 60 famílias ucranianas a milhares de quilômetros de sua terra natal em um centro especializado, que oferece um lugar para ficar, comida, educação e suporte psicológico, em um santuário do País de Gales.
“É como uma grande família aqui. Estamos todos cuidando uns dos outros”, disse Kateryna. “Ficamos surpresos quando chegamos. É muito novo, mas agora eles estão completamente felizes, brincam com outras crianças todos os dias e vão à escola todos os dias. E eles se sentem seguros aqui. Isso é importante.”
Uma organização juvenil do País de Gales chamada Urdd Gobaith Cymru é responsável por administrar o centro com 222 refugiados ucranianos, entre eles mais de 100 crianças deslocadas de casa que agora podem brincar e aprender com segurança.
Muitos que vivem ali têm dificuldade para desfrutar desse refúgio porque não param de pensar em suas casas e em seus familiares. Esse é um dos motivos que explicam por que muitos deles não fugiram antes da Ucrânia.
“Esperamos 100 dias porque não queríamos ir embora, mas meu marido nos fez ir”, disse Kateryna. “Não era seguro. Estávamos com tanta frequência em nosso porão por causa daquelas sirenes de ataque aéreo o tempo todo, inclusive à noite, quando eu tinha que acordar meus filhos. Mas decidimos sair apenas para encontrar um lugar seguro para meus filhos.”
Kateryna não conhecia Olena Andrshchuk antes de chegarem ao centro no País de Gales há duas semanas. Mas agora elas se tornaram amigas e se apoiam enquanto seus maridos continuam ainda na Ucrânia.
O marido de Olena, Pavlo, também fez sua esposa deixar sua casa em Kyev, capital da Ucrânia, para a segurança dela e de seus dois filhos.
“Ainda não é seguro”, disse Olena, uma produtora de conteúdo online de 36 anos. “No mesmo dia em que estávamos saindo, bem perto de onde moramos, acordei no meio da noite por causa de um grande bombardeio. Ainda não foi uma decisão fácil sair porque eu ainda tinha que deixar minha cidade natal, meu marido, tudo o que tenho. Mas parti pelos meus filhos.”
Olena diz que “adora” o País de Gales e compara o centro a um “resort de férias”, com muitos novos amigos com experiências compartilhadas.
Mas muitos ucranianos refugiados ali contam que ainda lidam muitas vezes com lembranças da situação grave na Ucrânia.
“Tenho um aplicativo no meu telefone e ainda recebo o alerta das sirenes na Ucrânia. Eles são bastante frequentes”, disse Kateryna. O marido dela, Oleh, é voluntário em sua cidade natal de Ternopil, no oeste da Ucrânia.”Com os alertas eu sei quando ligar para o meu marido para perguntar como ele está.”
O centro da organização Urdd normalmente recebe alunos de escolas galesas, mas nos últimos dois meses são crianças ucranianas que vivem, aprendem e riem neste pequeno canto do País de Gales.
“Meus filhos não frequentaram a escola por até três meses porque não era seguro”, disse Kateryna. “Mas agora eles estão felizes porque vão à escola todos os dias e se sentem seguros.”
Olena conta que Leonard, seu filho caçula de quatro anos, enfrentou dificuldades de interação social com crianças de sua idade porque a maioria delas ficavam dentro de casa porque muitos na Ucrânia estavam “com muito medo” de deixar as crianças brincar do lado de fora. Naquela época, havia também muitas sirenes que alertavam o tempo inteiro da chegada de ataque aéreo da Rússia.
“Agora que chegamos aqui, as crianças podem socializar, se comunicar umas com as outras e estão abertas a todos os tipos de atividades. Elas sentiam muita falta disso e agora podem ser felizes. É claro que as crianças sentem falta dos pais e dos avós, mas essa é a realidade melhor do que a que tínhamos na Ucrânia”, disse Olena.
O que vem a seguir
Enquanto as crianças aproveitam as aulas diárias – em inglês e galês – e um mundo de atividades, seus pais podem se concentrar em encontrar trabalho, acessar benefícios e descobrir para onde vão em seguida.
Toda essa ajuda especializada para as famílias refugiadas é fornecida no local em um balcão único que também oferecia exames de saúde para todos que chegavam – para o deleite da avó Marta Burak.
“Fiquei muito feliz porque meu neto foi testado para uma doença aqui que não pudemos fazer em casa”, disse a professora aposentada de 64 anos.
“Agora ele está em três meses de medicação. Isso foi muito importante para mim.”
Enquanto sua filha Khrystyna recebe aulas intensivas de inglês fornecidas pela faculdade local, Marta, que está em sua quinta semana no centro, está recebendo ajuda e conselhos das autoridades locais para permanecer no Reino Unido.
“Enquanto estamos fazendo as coisas legais necessárias para permanecer no Reino Unido, adoraríamos ficar aqui para sempre”, disse ela. “Mas um dia, teremos que seguir em frente.”
No entanto, Marta diz que “enquanto metade do seu coração está no País de Gales, a outra metade está na Ucrânia”.
“Meu filho, minha nora e meu genro permanecem na Ucrânia e meus netos sentem falta do pai todos os dias.
“Eles não podem falar direito com ele porque começam a chorar, mas estamos seguros aqui, isso é o mais importante.”
“Ontem eu recebi uma notícia tão triste porque o único filho da família do meu amigo foi morto e ele tinha apenas 30 anos.”
“Era um jovem tão bonito. É triste que os jovens ainda estejam morrendo nesta guerra. Isso precisa acabar.”
Os refugiados ucranianos no País de Gales tem recebido suporte de entidades, autoridades e moradores da região.
Habitantes do País de Gales até agora arrecadaram milhões de libras para o fundo humanitário da Ucrânia. Além disso, o País de Gales abrigou mais de 2,5 mil refugiados.
O primeiro-ministro galês, Mark Drakeford, quer que o país seja uma “nação santuário” e ajude os refugiados ucranianos a “reestabelecer suas vidas”.
Drakeford reconhece que o “desafio para as próximas semanas” é ajudar mais pessoas a deixarem o centro provisório para morarem em locais mais permanentes. E assim mais refugiados possam ser abrigados e ajudados no centro.
“Nosso foco tem sido a chegada das pessoas vindas da Ucrânia. Atualmente temos 4 mil pessoas querendo vir para o País de Gales, e no início esperávamos 1 mil”, disse o primeiro-ministro em uma visita ao centro. “Temos que nos concentrar nas pessoas que estão saindo de nossos centros, para que haja perspectivas de longo prazo para todas essas pessoas.”
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