Como a mensagem mudou.
Logo depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, os apresentadores de programas de TV aqui estavam prevendo com confiança que em poucos dias as tropas russas estariam marchando por Kiev.
Isso foi há quase nove meses.
Esta semana, os mesmos apresentadores anunciaram a “difícil decisão” do Exército de retirar as forças russas de Kherson – a única capital regional ucraniana que a Rússia conseguiu capturar e ocupar desde a invasão do país em 24 de fevereiro.
Apenas seis semanas atrás, o presidente Vladimir Putin afirmou ter anexado a região de Kherson, juntamente com outros três territórios ucranianos, insistindo que eles seriam parte da Rússia para sempre.
“Eu queria que nossa bandeira estivesse hasteada em Kiev em março”, disse o âncora Vladimir Solovyov aos telespectadores de seu programa.
“Foi doloroso quando nossas tropas se afastaram de Kiev e Chernihiv. Mas essas são as leis da guerra… estamos lutando contra a Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte].”
É exatamente assim que o Kremlin está tentando retratar tudo isso: culpando o Ocidente. A mensagem da mídia estatal russa é que, na Ucrânia, a Rússia está enfrentando o poder combinado dos Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia e Otan.
Em outras palavras, os contratempos no campo de batalha não são culpa do Kremlin, mas obra de inimigos externos.
Há outra mensagem também: não critique o Exército russo ou o presidente da Rússia pelo que deu errado na Ucrânia. Em vez disso, cumpra seu dever e junte-se à luta.
É um conselho que, por enquanto, vozes russas proeminentes e poderosas parecem estar seguindo.
O líder checheno, Ramzan Kadyrov, e Yevgeny Prigozhin, fundador do grupo mercenário Wagner, têm criticado abertamente a liderança militar russa. Mas sobre a retirada de Kherson, ambos postaram mensagens de apoio ao comandante russo na Ucrânia, o general Surovikin, que havia recomendado a retirada.
O mesmo não pode ser dito dos blogueiros militares russos pró-guerra. Eles estão escrevendo mensagens raivosas, como:
“Nunca esquecerei esse assassinato das esperanças da Rússia. Essa traição ficará gravada em meu coração por séculos.” – Zastavny.
“Esta é uma enorme derrota geopolítica para Putin e a Rússia… o Ministério da Defesa perdeu a confiança da sociedade há muito tempo… agora, a confiança no presidente vai desaparecer.” – Zloi Zhurnalist.
Não se o Kremlin puder evitar, porque tem se esforçado para distanciar o presidente Putin da retirada, sabendo que muitos na Rússia a verão como um revés militar e um golpe duro contra o prestígio russo.
No início desta semana, foram os generais que anunciaram que as forças russas seriam retiradas de parte da região de Kherson.
A TV russa mostrou o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, emitindo a ordem, após consultas com o general Surovikin. Putin não estava à vista em lugar algum.
“O ministro da Defesa tomou a decisão, não tenho nada a dizer sobre isso”, disse o porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, a jornalistas na sexta-feira (11/11). O Kremlin está deixando os militares assumirem a responsabilidade pela retirada. Ou pelo menos tentando.
Mas foi Putin que ordenou a invasão da Ucrânia. O que ele chama de “operação militar especial” foi ideia dele. Distanciar-se de qualquer aspecto ligado à invasão não será fácil.
Há um perigo aqui para Vladimir Putin, mas que antecede a retirada de Kherson. Os acontecimentos dos últimos nove meses correm o risco de mudar a forma como o presidente é visto em casa: não tanto pelo público russo, mas – crucialmente – pela elite russa, pelas pessoas ao seu redor, pelas pessoas no poder.
Durante anos, eles viram Putin como um mestre estrategista, como alguém que sempre consegue sair por cima… como um vencedor. Eles o viram como o eixo central do sistema do qual fazem parte e que foi construído em torno dele.
Vitórias, no entanto, estão em falta desde 24 de fevereiro. A invasão de Vladimir Putin não saiu conforme o planejado.
Não só resultou em morte e destruição na Ucrânia, mas perdas militares significativas para seu próprio exército. Ele havia prometido que apenas “soldados profissionais” lutariam, mas depois convocou centenas de milhares de cidadãos para as Forças Armadas para participar da guerra.
Os custos econômicos para a Rússia também foram consideráveis.
O Kremlin costumava retratar Vladimir Putin como o “sr. Estabilidade” na Rússia. Isso se tornou muito mais difícil de emplacar.
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