- Stephanie Hegarty
- BBC News
Agricultores ucranianos têm 20 milhões de toneladas de grãos que não conseguem fazer chegar aos mercados internacionais, e uma nova colheita está prestes a começar.
O que pode ser feito para levar os alimentos às pessoas que precisam desesperadamente deles, à medida que os preços sobem em todo o mundo?
No início de fevereiro, Nadiya Stetsiuk esperava um ano lucrativo. O clima estava bom em 2021, e as colheitas de milho, trigo e sementes de girassol haviam sido abundantes em sua pequena fazenda na região central de Cherkasy, na Ucrânia.
Os preços no mercado internacional estavam altos e subindo a cada dia, então ela estocou uma parte para vender mais tarde. Só que a Rússia invadiu a Ucrânia.
A região dela não testemunhou o pior dos combates — assim como 80% das terras agrícolas do país, ainda está sob controle ucraniano —, mas o impacto em sua fazenda foi profundo.
“Desde a invasão, não conseguimos vender nenhum grão. O preço aqui agora é metade do que era antes da guerra”, diz Stetsiuk.
“Pode haver uma crise alimentar na Europa e no mundo, mas há um gargalo aqui porque não conseguimos colocar essa comida para fora.”
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, descreveu como “chantagem” a oferta da Rússia para suspender o bloqueio aos portos ucranianos do Mar Negro, em troca da suspensão das sanções.
A Ucrânia surpreende como exportador de alimentos, contribuindo com 42% do óleo de girassol comercializado no mercado global, 16% do milho e 9% do trigo.
Alguns países dependem muito disso. O Líbano importa 80% de seu trigo da Ucrânia, e a Índia, 76% de seu óleo de girassol.
O Programa Mundial de Alimentos da ONU (PAM), que alimenta pessoas à beira da fome em países como Etiópia, Iêmen e Afeganistão, obtém 40% de seu trigo do país.
Mesmo antes da guerra, o abastecimento mundial de alimentos era precário. A seca afetou as colheitas de trigo e óleo vegetal no Canadá no ano passado, e a produção de milho e soja na América do Sul.
A pandemia de covid também teve um grande impacto. Na Indonésia e na Malásia, a escassez de mão de obra significou colheitas mais baixas de óleo de palma, o que elevou os preços do óleo vegetal em todo o mundo.
No início deste ano, o preço de muitos dos alimentos básicos no mundo estava atingindo níveis recordes. Muitos esperavam que as colheitas da Ucrânia pudessem ajudar a compensar o déficit global.
Mas a invasão da Rússia impediu isso. O Ministério da Agricultura ucraniano diz que 20 milhões de toneladas de grãos estão agora presos no país.
Antes da guerra, 90% das exportações da Ucrânia eram escoadas por portos profundos no Mar Negro, que podem carregar navios-tanque grandes o suficiente para viajar longas distâncias — para a China ou a Índia — e ainda obter lucro.
Mas agora todos estão fechados. A Rússia tomou a maior parte da costa da Ucrânia e bloqueou o resto com uma frota de pelo menos 20 navios, incluindo quatro submarinos.
O chefe do PMA, David Beasley, fez um apelo à comunidade internacional para organizar uma escolta para furar esse bloqueio.
“Sem a compreensão da Rússia, militarmente há muita coisa que pode dar errado”, diz Jonathan Bentham, analista de defesa marítima do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.
Uma escolta exigiria poder aéreo, terrestre e marítimo significativo, diz ele, e seria politicamente complicado.
“Idealmente, para diminuir as tensões, você pediria aos países do Mar Negro, como Romênia e Bulgária, que fizessem isso. Mas eles provavelmente não têm capacidade. Então você teria que considerar trazer membros da Otan fora do Mar Negro.”
Isso colocaria a Turquia, que controla os estreitos do Mar Negro, em uma posição difícil. O país já disse que restringirá a entrada de navios de guerra.
A oferta da Rússia de abrir um corredor pelo Mar Negro para remessas de alimentos, em troca de um afrouxamento das sanções, aconteceu enquanto a União Europeia discutia um novo pacote de sanções e não mostrava sinais de mudança de rumo.
Mesmo que a guerra termine amanhã, pode levar meses ou anos para tornar o Mar Negro seguro, acrescenta Bentham, já que a Ucrânia defendeu seu litoral com minas e navios estrategicamente afundados.
Por enquanto, os alimentos só podem ser retirados da Ucrânia por terra ou em barcaças pelo rio Danúbio.
Na semana passada, a União Europeia anunciou planos para ajudar investindo bilhões de euros em infraestrutura. Mas o vizinho de Stetsiuk, Kees Huizinga — que possui e cultiva 15 mil hectares — diz que o bloco não está fazendo o suficiente.
Ele está tentando transportar mercadorias desde o início da guerra e está exasperado com a montanha de papelada exigida pela União Europeia, que, segundo ele, criou filas na fronteira de até 25 quilômetros de extensão.
“É só papel, não é como se eles estivessem realmente coletando amostras do milho. Você só precisa ter o papel”, diz ele.
Em 18 de maio, dois dias após o anúncio da União Europeia, as autoridades alfandegárias pediram aos seus motoristas dois formulários que nunca tinham visto antes.
“A fronteira não está ficando mais fácil, pelo contrário, está ficando mais burocrática”, diz ele.
Nas últimas três semanas, Huizinga exportou 150 toneladas de grãos. Ele poderia escoar a mesma quantidade pelo porto de Odessa em poucas horas.
“Abram as fronteiras”, ele implora à União Europeia, “apenas deixem as coisas passarem”.
A principal rota para fora do país agora é ferroviária. Mas o sistema de trilhos da Ucrânia é mais largo que o da União Europeia, o que significa que as cargas precisam ser transferidas para novos vagões na fronteira. O tempo médio de espera é de 16 dias, mas pode levar até 30.
Embora o debate global sobre a escassez de alimentos seja principalmente sobre trigo, a maior parte dos grãos que saem da Ucrânia no momento é de milho. E isso por dois motivos, segundo Elena Neroba, analista de grãos ucraniana da corretora Maxigrain.
Ela acredita que os agricultores ucranianos hesitam em vender trigo porque são assombrados pela memória do Holodomor, a crise de fome generalizada que atingiu a Ucrânia durante o regime soviético de Joseph Stalin, em 1932, na qual milhões de ucranianos morreram. O milho, por outro lado, não é tão consumido na Ucrânia.
O outro fator, segundo ela, é a demanda. A Europa não compra muito trigo ucraniano, é autossuficiente. E é difícil levar esse trigo para além da União Europeia, pois os portos da Polônia e da Romênia não estão equipados para exportar grandes volumes de grãos.
“Até julho, os países da União Europeia estarão ocupados exportando suas próprias colheitas de verão e terão ainda menos capacidade para lidar com os alimentos da Ucrânia”, observa Neroba.
O tempo está se esgotando para resolver o problema. As instalações de armazenamento estão cheias, e a colheita de verão de trigo, cevada e canola está a semanas de distância.
Stetsiuk ainda tem cerca de 40% da colheita do ano passado armazenada em sua fazenda e pouco espaço para a próxima estação.
“Não queremos desperdiçar. Sabemos o quanto é importante para o Ocidente, para a África, para a Ásia”, diz ela.
“Esse é o fruto do nosso trabalho, e as pessoas precisam dele.”
Se ela não consegue vender o estoque, não pode se dar ao luxo de plantar neste outono. Ela espera que a comunidade internacional possa ajudar a financiar os agricultores ucranianos, para armazenar grãos e plantar novamente.
Se não fizerem isso, diz ela, a escassez de grãos no próximo ano será ainda pior.
Muitas lavouras de trigo estão em situação particularmente ruim no momento. Na Europa Central, Estados Unidos, Índia, Paquistão e norte da África, o clima seco significa que a produção deve ser baixa. Na Ucrânia, por outro lado, o clima para o trigo tem sido bom.
Stetsiuk começou sua fazenda com o falecido marido há 30 anos, quando a Ucrânia estava emergindo das cinzas da URSS. Eles foram os primeiros em sua região a comprar terras agrícolas e se tornaram uma orgulhosa família de agricultores no processo. As duas filhas e o filho dela estão todos envolvidos.
“Queremos continuar fazendo isso. Queremos ajudar, fornecendo comida para as pessoas.”
Em questão de meses, diz ela, a Rússia tomou pelo menos 20 anos.
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