- Author, Paula Rosas
- Role, Da BBC News Mundo
- Twitter, @melibea20
Ucrânia, Mali, Sudão, Síria, República Centro-Africana, Líbia… Os tentáculos do grupo Wagner se estendem muito além das fronteiras da Rússia, onde as consequências de sua revolta contra o Kremlin são difíceis de prever.
Esta “companhia militar privada” tinha sido, até agora, muito útil aos interesses de Moscou.
A companhia mercenária liderada por Yevgeny Prigozhin serviu como uma espécie de exército paralelo russo, fazendo grande parte do trabalho sujo em locais onde o Kremlin tem interesses, mas não quis enviar seus próprios soldados para evitar repercussões legais ou diplomáticas.
Em troca, o grupo Wagner, uma rede de empresas que vai além do exército privado, obteve influência política e uma porta de entrada para explorar os ricos recursos naturais de muitos desses países, o que lhe permite se financiar.
No entanto, após a revolta frustrada da última semana, o futuro do grupo está incerto.
Na Ucrânia, onde desempenhou um papel de destaque desde a tomada da Crimeia em 2014 até a captura de Bakhmut no mês passado, Moscou abriu as portas para que mercenários que lutam na linha de frente pelo Wagner se juntem às fileiras do Exército regular, algo que deve acontecer até 1º de julho.
Mas e as tropas do grupo Wagner que atuam em regiões mais distantes da Rússia? O que deve acontecer com elas?
“Em muitos desses países, o grupo Wagner trabalha de forma semi-autônoma e só está lá pelo dinheiro. E o Exército russo não tem intenção nem recursos para se envolver nesses conflitos ou tentar deter o Wagner por lá”, disse à BBC Mundo o professor Rasmus Nilsson, da Escola de Estudos Eslavos e do Leste Europeu da University College London (UCL).
Na opinião do especialista, o grupo vai continuar a ser procurado para prestar serviços nos países onde já opera e, por isso, é possível que o “Wagner acabe por se dividir em diferentes grupos, dependendo de quem os paga”.
Onde estão presentes
A guerra civil na Síria foi uma das primeiras incursões do grupo Wagner fora da Europa.
O presidente russo, Vladimir Putin, declarou apoio a Bashar al-Assad em 2015, depois que o Exército sírio foi dominado pela luta contra a oposição que se tornou insurgente e contra as forças jihadistas do Estado Islâmico. Um mês depois, os soldados do Exército russo se juntaram aos mercenários de Prigozhin, totalizando mais de 5.000 homens.
A Síria também é um dos poucos lugares onde as tropas ocidentais entraram em confronto com integrantes do grupo Wagner.
Em 2018, o exército de Al-Assad, apoiado por mercenários russos, atacou um posto militar dos EUA de onde as forças americanas combatiam o Estado Islâmico.
Os EUA responderam com uma ofensiva que teria matado entre 200 e 300 combatentes, incluindo muitos membros do grupo Wagner.
O conflito sírio está atualmente congelado, e acredita-se que muitos dos mercenários tenham deixado a região para se juntar aos combates na Ucrânia, embora empresas ligadas à companhia militar russa tenham conquistado contratos lucrativos em áreas antes controladas pelo Estado Islâmico.
Menos documentada é a possível presença do grupo na Venezuela.
Em 2019, a agência Reuters reportou que mercenários de Wagner voaram para Caracas para reforçar a segurança do presidente Nicolás Maduro diante das manifestações antigovernamentais planejadas no início daquele ano.
O grupo Wagner também já foi acusado de estar ligado ao garimpo ilegal na Venezuela — questão que chegou até ao parlamento britânico em 2022.
Questionado por um legislador, o governo do Reino Unido garantiu estar acompanhando de perto as informações sobre a presença de mercenários russos no país latino-americano e as atividades de “empresas militares privadas russas” na região do Arco Mineiro, onde é realizada a mineração ilegal de ouro.
No entanto, diante da rebelião do último sábado (24/6), o governo Maduro foi rápido em condenar a “ameaça terrorista” do grupo mercenário e declarar seu “apoio absoluto” ao presidente russo, Vladimir Putin.
Presença na África
O grupo de mercenários liderados por Yevgeny Prigozhin tem uma presença significativa na África, onde eles oferecem serviços de segurança, consultoria política e até realização de campanhas de desinformação.
Da Líbia, no norte, à África do Sul, no sul, a atuação do grupo Wagner vem crescendo nos últimos anos, alimentando-se da instabilidade política e até, em algumas ocasiões, fomentando-a, segundo especialistas da região.
Na Líbia, os mercenários do Wagner fizeram sua primeira aparição pública em 2019, quando apoiaram o general rebelde Khalifa Haftar em seu ataque ao governo apoiado pela ONU em Trípoli.
Acredita-se, no entanto, que o grupo esteja no país desde 2014, quando a Líbia se dividiu de fato em duas, com governos opostos no leste e no oeste do país.
Prigozhin já teve cerca de 2.000 soldados na Líbia, embora não se saiba quantos soldados ainda estão lá.
Entre eles estava a construção de uma base naval na cidade de Porto Sudão, no Mar Vermelho, além de concessões de mineração de ouro com a empresa M Invest, que, segundo os EUA, é uma empresa de fachada do grupo Wagner.
Desde então, embora o Sudão não tenha reconhecido a presença dos mercenários no país, diversas imagens publicadas em canais do Telegram ligados ao grupo — que não puderam ser verificadas pela BBC — mostram tropas do grupo Wagner treinando soldados sudaneses ou ajudando forças de segurança a romper manifestações.
No Mali, as tropas do grupo Wagner operam há mais de um ano e, embora as autoridades do país não o tenham confirmado oficialmente, o ministro das Relações Exteriores do Mali, Abdulayae Diop, deixou claro que não precisam se justificar: “A Rússia está aqui a pedido do Mali e responde de forma eficaz às nossas necessidades estratégicas”, disse ele no ano passado.
A França era até recentemente o principal parceiro estratégico de Mali. Parte dessa parceria incluía o envio de soldados gauleses para ajudar as tropas locais a combater a insurgência islâmica no norte do país.
Mas essa cooperação não deu frutos, a animosidade contra a França cresceu no país e Paris foi forçada a retirar suas tropas em 2022, que foram substituídas por mercenários do grupo Wagner.
Esse cenário se repete em Burkina Faso, onde o governo nega que os homens de Prigozhin estejam operando no país. Segundo a administração local, a cooperação com Moscou se limita ao treinamento de soldados no manuseio de armas compradas da Rússia.
No entanto, a inteligência dos EUA afirmou no início deste ano que o grupo de Prigozhin estava em negociações com o governo de Burkina Faso para enviar suas tropas e que eles haviam realizado operações de informação.
Soldados do grupo Wagner também podem estar se espalhando para o Chade, de acordo com várias fontes africanas, europeias e americanas.
O Chade ocupa uma posição estratégica no centro do Sahel, com fronteiras relativamente abertas com a República Centro-Africana, Líbia e Sudão, onde os mercenários atuam.
O grupo Wagner supostamente forneceu apoio material e operacional aos rebeldes locais que buscam desestabilizar e possivelmente derrubar o governo interino liderado por Mahamat Idriss Déby Itno.
Estão também muito presentes na República Centro-Africana, de onde a França retirou as suas tropas em 2017, após anos de intervenção que não ajudaram o governo local a fazer progressos significativos em termos de estabilidade, segurança e desenvolvimento econômico.
Desde então, o grupo Wagner assumiu o seu lugar e ajudou a consolidar o governo de Faustin-Archange Touadéra e a deter o avanço dos grupos rebeldes que iniciaram uma guerra civil em 2013.
O grupo de Prigozhin “é o representante mais importante da Rússia na República Centro-Africana, fornece segurança ao governo, facilita a influência política e diplomática russa e obteve acesso a recursos minerais lucrativos”, explica Paul Stronski, pesquisador sênior do Fundo Carnegie pela Paz Internacional.
Na Eritreia, o grupo Wagner está em negociações com o governo para fornecer treinamento e equipamento, e no Zimbábue para oferecer apoio em operações de informação, de acordo com material de inteligência dos EUA acessado pelo jornal The Washington Post.
O destino de Prigozhin
O grande número de serviços oferecidos pelo grupo Wagner nesses países provavelmente continuará sendo procurado.
Sua atividade tem sido muitas vezes acompanhada de graves denúncias de violação dos direitos humanos, e um relatório recente das Nações Unidas alertou sobre possíveis crimes de guerra cometidos por seus mercenários no Mali. Mas, como aponta Paul Stronski, isso não tem sido um grande problema para muitos dos países que contrataram os serviços.
Após o motim, o presidente bielorrusso Alexander Lukashenko negociou um acordo entre Progozhin e o Kremlin para permitir que o líder do grupo Wagner fosse para o exílio em Belarus.
“Lukashenko terá um grande interesse em mantê-lo seguro para manter esse trunfo com os russos. Mas, por outro lado, Moscou não vai querer depender de Belarus, então esse é um motivo claro para acabar com Prigozhin”, analisa Rasmus Nilsson.
A grande questão agora, diz o professor da UCL, é o que Yevgeny Prigozhin vai fazer: “Ele vai ficar quieto em Belarus ou, como alguns sugeriram, vai para a África para se tornar um senhor da guerra por lá?”.
Segundo o analista, faz sentido a possibilidade de o líder mercenário se mudar para o sul, já que “poderia se rodear de um grupo fiel e onde continuará a ter muitas pessoas interessadas em trabalhar com ele”.
Quanto aos seus soldados, Nilsson acredita que alguns deles destacados na Ucrânia e na Rússia acabarão por se juntar ao Exército russo, mas muitos não confiarão nas intenções ou capacidades de Moscou.
Salários, muito inferiores aos de Wagner, também podem ter um papel importante nessa decisão.
“Haverá quem decida ir para uma das filiais do Wagner na África, por exemplo, ou para outro grupo. Existem muitas organizações no mundo que procuram mercenários”, conclui o professor da UCL.
Fonte: BBC
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