A Copa do Mundo não é uma época apenas para aprender sobre futebol. Alguns confrontos da primeira fase do torneio também poderiam figurar em aulas de geopolítica. Dois chamam a atenção. Com décadas de relações conturbadas fora do âmbito esportivo, Estados Unidos e Irã voltam a se encontrar dentro das quatro linhas, no duelo que acontece pelo Grupo B – as seleções também se enfrentaram em 1998, no mundial da França. Outro embate com histórico tenso envolve suíços e sérvios, no Grupo G.
“Nossa amizade é insubstituível”. Essa foi a frase do ex-presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, em 1977, dita ao xá da Pérsia, Mohamed Reza Pahlevi, durante brinde num jantar em Teerã, capital iraniana. Impossível de se imaginar no presente, as nações já foram parceiras no passado, principalmente após o país ajudar, junto com a Inglaterra, no golpe de Estado de 1953 no Irã, derrubando o governante iraniano eleito democraticamente, o primeiro-ministro Mohamed Mossadeq, e restaurando a monarquia, sob domínio de Pahlevi. Apoio que, décadas depois, alimentou o sentimento “antiamericano” nos mais radicais, culminando na Revolução Islâmica de 1979.
“O Irã é um país xiita e havia um movimento de religiosos descontentes com o modo ‘ocidental’ de governo. O líder dessa revolta, Ruhollah Musavi Khomeini, foi perseguido e forçado a se exilar no Iraque e na França. Quando veio a revolução, o xá deixou o Irã e o país virou uma ‘teocracia’, com uma visão de que os Estados Unidos seriam o ‘Grande Satã’ do Ocidente”, explicou a mestre em ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Deijenane Santos.
Fim da diplomacia
Após Khomeini tomar o poder, a relação diplomática entre os países foi rompida. Para piorar, os americanos ficaram ao lado do então presidente iraquiano, Saddam Hussein – aliado que virou inimigo posteriormente -, nos embates do Iraque contra o Irã, na década de 1980.
Há dois anos, o comandante da Força Quds iraniana, general Qassim Soleimani, foi morto num ataque com drones dos Estados Unidos, gerando um medo de que as nações pudessem entrar em confronto direto. Mesmo em um cenário tenso, Deijenane faz uma ressalva.
“A animosidade é mais entre os governos do que entre os povos. O ‘iraniano médio’ não odeia os Estados Unidos. Vimos uma amostra disso quando eles se enfrentaram na Copa de 1998. O Irã ofereceu flores aos americanos no chamado ‘jogo da paz’, vencido pelos iranianos por 2×1. Talvez, esse mesmo clima aconteça no Catar, mesmo com a guerra política fora do esporte”.
Símbolo da discórdia
Na Copa do Mundo de 2018, na Rússia, Xherdan Shaqiri e Granit Xhaka, da Suíça, marcaram gols na vitória do país por 2×1 perante os sérvios. Na comemoração, fizeram um gesto imitando uma ave. Imagem que rodou o planeta e reviveu uma animosidade histórica.
O símbolo remete à bandeira da Albânia. Ambos os atletas têm pais albaneses, da região de Kosovo, que vieram para a Suíça escapando da perseguição que sofriam de nacionalistas sérvios. Até hoje, os kosovares buscam a independência, algo que a Sérvia é contra.
Direitos Humanos
Holanda e Catar não são nações rivais, mas a Associação Holandesa de Futebol (KNVB) tem sido uma voz crítica aos cataris na Copa. Recentemente, o órgão anunciou que vai leiloar as camisas usadas pela seleção e usará o valor arrecadado “para melhorar a situação dos trabalhadores migrantes no Catar”. Anfitriões e visitantes se enfrentam pelo Grupo A.
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Fonte: Folha PE