- Author, Felipe Souza
- Role, BBC News Brasil em São Paulo
- Twitter, @felipe_dess
Sempre que chega o mês de novembro, o bancário Paulo (nome fictício), de 27 anos, avisa sua psicóloga que vai precisar de mais sessões de terapia e que pode ter de acioná-la fora do horário de consulta.
O motivo? A Black Friday e a ansiedade que a avalanche de ofertas causa nele.
A data foi importada dos Estados Unidos para o Brasil em 2010 e é sempre realizada na sexta-feira após o feriado americano do Dia de Ação de Graças. Em 2023, a versão brasileira ocorre no dia 24 de novembro.
Mas as promoções começam a se multiplicar nas lojas vários dias ou mesmo semanas antes.
Para um comprador compulsivo em tratamento como Paulo, isso deixa seu vício ainda mais aflorado. “Fico ansioso o mês inteiro”, diz.
“As lojas mandam ofertas e abordam (os clientes) de todas as formas. Até silenciei as notificações de novos e-mails no celular. Só vou ao shopping acompanhado de alguém que sabe desse meu problema e pode me dar uma freada.”
Ele conta que fazer compras, necessárias ou não, causa nele uma satisfação e sensação de bem-estar. Depois, vem a culpa por ter feito isso, o que o leva a comprar mais, para voltar a se sentir bem, em um ciclo difícil de interromper.
“Se compro um tênis porque achei bonito, depois preciso comprar uma roupa para combinar e vou sempre arrumando desculpa para gastar.”
A psicóloga Tatiana Filomensky explica que cerca de 5% da população mundial apresenta alguma forma transtorno de compra compulsiva.
A maioria dos que procuram ajuda são mulheres, segundo Filomensky, que coordena o Programa para Compradores Compulsivos do Hospital das Clínicas em São Paulo, afirma.
“O isolamento causado pela pandemia fez o número de pessoas que nos procuram para esse tipo de tratamento triplicar. Inclusive, disponibilizamos um canal para dar dicas e atender essas pessoas”, diz.
Temporadas de descontos, como a Black Friday, e outras datas comemorativas podem estimular essas compras descontroladas.
“A Black Friday gera um impacto emocional. As pessoas são levadas a crer que têm permissão para comprar porque está barato”, explica.
“Nosso cérebro quer ganhar uma vantagem, e aí vem a vontade de comprar.”
As principais associações comerciais brasileiras projetam alta nas vendas deste ano. A Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm) é a mais confiante, com uma estimativa de crescimento de 17% em relação a 2022.
Já a Confederação Nacional do Comércio (CNC) espera um aumento de 4,3% nas vendas. A estimativa da Neotrust é que as vendas sejam 12,6% maiores em relação ao ano anterior.
Paulo conta que há um ano e meio passou a colocar em uma lista o que tem vontade de comprar em vez de gastar por impulso.
Mas, na última semana, precisou pedir ajuda à sua psicóloga. “Vi que um fone que estava R$ 50 mais barato e quis comprar. Foi um gatilho, mesmo tendo um igual e ainda novo”, diz.
Mas ele não precisava de um fone novo, e a consulta emergencial com a terapeuta o ajudou a frear sua compulsão.
“A Black Friday não é a causa, mas potencializa aquele desejo de compra que está na pessoa”, diz a psicóloga do Hospital das Clínicas.
A origem da compulsão por compras
O bancário conta que o vício em compras começou quando ele ainda era adolescente.
“Sou de uma família religiosa e, com o tempo, passei a ser reprimido por ser gay”, diz.
“Então, eu comprava roupa nova todas as semanas para impressionar as pessoas para receber um carinho que não recebia da minha família.”
Paulo diz que já precisou comprar um guarda-roupa maior três vezes para acomodar o número cada vez maior de peças.
Ele conta que tem mais de 60 pares de tênis, muitos deles repetidos e alguns que nunca tirou da caixa para usar.
“Eu me apego às minhas coisas, não vendo e vou acumulando”, diz.
Ele diz que, depois que passou a fazer terapia, “tudo mudou”.
Paulo faz duas sessões por semana para lidar com seu vício e, nos momentos mais difíceis, liga para a psicóloga para pedir sua opinião sobre uma compra.
“Ela recomenda olhar o que tenho hoje, avaliar se são produtos parecidos e entender se é necessário”, conta.
Outra tática para aliviar o desejo por algum produto é fazer alguma atividade para se distrair, como sair para correr ou visitar um amigo.
Paulo diz que a culpa constante que ele sente causa outras compulsões, como comer doces além da conta. E ainda sente frustração por ter muitas roupas e não ter gastado com algo mais necessário.
“Agora, dei entrada em um apartamento para usar esse dinheiro de outra forma”, diz.
“Preciso parar com esse complexo de inferioridade que sempre tive de comprar coisas para impressionar outras pessoas”, diz.
Como evitar compras desnecessárias na Black Friday
A psicóloga Tatiana Filomensky diz que, em datas como a Black Friday, pessoas são impactadas involuntariamente pelas promoções, mesmo que não busquem por elas.
“Nós seres humanos temos uma sensação de pertencimento. Se não fizermos algo que todos estão fazendo, nos sentimos excluídos”, afirma a especialista.
“Então, fazemos de tudo para participar também. Isso cria um estímulo generalizado ao consumo.”
A psicóloga afirmou que, em ocasiões assim, mesmo quem não é comprador compulsivo pode acabar adquirindo, por impulso, produtos ou serviços desnecessários.
Ela dá algumas dicas para quem quer fazer compras de maneira mais consciente e evitar gastar mais do que deveria.
1. Faça uma lista do que você gostaria de comprar
Filomensky explica que mapear os desejos de compras ajuda a “não se perder mentalmente” em meio a tantas ofertas.
Isso é especialmente válido nas lojas digitais, que costumam apresentar aos consumidores sugestões de outros produtos além do que o levou até um site.
“Você clica para ver o fone que queria e é sugerido a comprar um celular, e isso leva ao descontrole”.
2. Pense em quanto pode gastar
Antes de ir às compras, uma pessoa deve entender quais são suas possibilidades financeiras, diz a psicóloga.
É uma forma de evitar que compras, por mais baratas que sejam, se tornem um problema futuro.
“A pessoa tem que pensar: ‘Posso comprar? Quanto posso gastar? Se for pagar parcelado, será em quantas vezes? Isso vai afetar meu orçamento a longo prazo?’.”
3. Evite as ciladas
Filomensky diz que, antes de fazer uma compra, é bom refletir para ter certeza de que é uma boa opção.
“Sempre que for comprar algo, coloque no carrinho e se permita pensar”, afirma.
É comum encontrar em sites de compras cronômetros que indicam que a oferta vai expirar logo ou que muitas pessoas estão vendo o mesmo produto.
“Esses são estímulos para você comprar sem refletir. Fazer uma pausa antes de concluir a compra é essencial para evitar ser pressionado.”
4. Peça ajuda a familiares e amigos
A psicóloga afirma que, principalmente nos casos de compradores compulsivos, o ideal é não fazer compras sozinho.
Ela afirma que muitas pessoas evitam fazer compras com pessoas próximas, porque sabem que provavelmente vão receber críticas.
“Divida com alguém próximo o que está comprando ou pesquisando na internet. Pergunte a opinião dela sobre essa compra também.”
5. Limite o acesso às redes sociais
Filomensky recomenda que o ideal é se afastar das redes sociais em períodos como os da Black Friday.
Limitar o uso de aplicativos e desligar as notificações ajuda a evitar estímulos desnecessários de consumo.
“O Instagram é um dos piores lugares, porque há uma enxurrada de conteúdos patrocinados e direcionados a você”, diz a psicóloga.
“Isso leva a crer que você precisa daquilo, mesmo sem nunca ter visto antes.”
6. Se não puder pagar, não compre
A especialista afirma que, ao sinal de que não vai conseguir arcar com a dívida, o ideal é não comprar.
Reduzir o limite do cartão ou tirar a possibilidade de entrar no cheque especial, por exemplo, é uma forma de controlar a si mesmo nesses momentos.
Isso confere uma margem de segurança para não comprar mais do que se pode pagar.
“As possibilidades de consumo são infinitas, mas o dinheiro não”, diz Filomensky.
“O mais importante é ter um ganho de consciência e não deixar a emoção tomar conta e usar sua razão.”
Fonte: BBC
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