- Author, Brandon Drenon
- Role, Da BBC News na Carolina do Sul (EUA)
Os eleitores negros foram parte fundamental da coalizão que ajudou Joe Biden a conquistar a Casa Branca em 2020, e ele precisará desse importante apoio para conseguir a façanha novamente.
O Estado americano dá início às primárias do Partido Democrata para as eleições presidenciais de 2024 neste sábado (3/2).
A 40 minutos de carro do brilho e elegância da cidade de Columbia, na Carolina do Sul, fica o município de Winnsboro – que carece de ambos.
É o lugar que Nocola Hemphill chama de lar – um lar que, como ela descreve, parece estar a um mundo de distância da capital do Estado.
Ruas vazias, negócios abandonados e casas desocupadas. Desemprego. Desesperança.
Tem sido assim há anos, diz ela. “Não há ninguém tentando vir aqui e ajudar. Você se pergunta: alguém realmente se importa?”
A americana de 47 anos é presidente-executiva da Câmara de Comércio das Mulheres Negras dos EUA. A organização apoia o desenvolvimento de pequenos negócios de mulheres afrodescendentes em todo o país, um esforço que ela diz não ter sido apoiado de forma significativa pela gestão Biden.
“Votei em Joe Biden em 2020, mas ainda estou esperando”, diz Hemphill. “Ainda estou esperando uma mudança tangível para o meu voto – para o meu povo.”
Dias antes das primárias democratas no Estado – primeira disputa no processo para escolher formalmente o candidato presidencial do partido – ela não tinha certeza se ele ainda tinha seu voto.
E ela não está sozinha.
Uma pesquisa recente do jornal New York Times e do Sienna College descobriu que em seis estados decisivos, 71% dos eleitores negros devem apoiar Biden em 2024, uma queda acentuada em relação aos 92% em nível nacional que o ajudaram a chegar à Casa Branca nas últimas eleições.
Outras pesquisas sugerem que alguns eleitores negros estão sendo atraídos por Donald Trump, o atual líder nas primárias republicanas e provável oponente de Biden em novembro.
Esses são votos que o presidente americano não pode se dar ao luxo de perder.
Sua vitória em 2020 sobre Trump foi em parte impulsionada pelos eleitores negros. Eles o ajudaram a vencer em Estados decisivos, incluindo a Geórgia, onde uma histórica participação eleitoral negra fez de Biden o primeiro candidato democrata à presidência a vencer no Estado desde 1992.
Um ensaio para a disputa nacional
Todd Shaw, professor de ciências políticas na Universidade da Carolina do Sul, diz à BBC que, se Biden não conseguir uma forte participação dos eleitores negros do Estado nas primárias deste sábado, isso poderá significar problemas para sua campanha à reeleição.
“Os eleitores negros da Carolina do Sul refletem as tendências entre os eleitores negros em todo o país. Portanto, o que acontece aqui pode ser um indicador do que está por vir”, afirma.
Biden pressionou fortemente para mudar as regras de seu partido para que a Carolina do Sul fosse o primeiro Estado a votar no processo de escolha interna democrata.
Um conselheiro de campanha de Biden disse à BBC que a manobra teve como objetivo “garantir que o processo refletisse a diversidade do partido”.
Mais de um quarto da população da Carolina do Sul é negra. E foram os eleitores negros da Carolina do Sul que salvaram a candidatura sem brilho de Biden à nomeação democrata em 2020, dando a ele sua primeira vitória.
“Vocês são a razão de eu ser presidente”, disse Biden a uma multidão majoritariamente negra no Estado em uma noite de janeiro.
“Vocês são a razão pela qual Donald Trump é um perdedor e são a razão pela qual vamos vencê-lo e derrotá-lo novamente.”
Aquela foi uma das várias paradas que Biden e seus apoiadores fizeram na Carolina do Sul este ano, sorrindo para as câmeras em universidades historicamente negras, e apertando mãos em barbearias.
E o tempo todo, lembrando aos eleitores das “conquistas recordes” que seu governo teria promovido naquelas comunidades.
A BBC conversou com muitos eleitores do Estado que apoiam o presidente – e espera-se que ele vença as primárias confortavelmente.
Investimento recorde?
Mas para muitos eleitores negros da Carolina do Sul, no entanto, as palavras do presidente parecem desconectadas de suas realidades.
Kenard Holmes, estudante do terceiro ano da Universidade Estadual da Carolina do Sul (SCSU, na sigla em inglês), disse à BBC que não estava entusiasmado com a campanha de Biden.
“Eu sei que vou votar. Só não tenho certeza em quem vou votar.”
O jovem de 20 anos não está convencido dos investimentos históricos que a Casa Branca diz ter feito em faculdades majoritariamente negras como a sua.
No prédio da universidade onde Holmes se reúne semanalmente com seu coral gospel, ele diz que as condições são “vergonhosas”.
“Se está frio lá fora, está frio lá dentro. Se está quente lá fora, está quente lá dentro”, diz Holmes. “Tem sido assim há anos.”
Os dados mostram que outros eleitores negros na Carolina do Sul têm razões semelhantes para estarem desencantados.
Em 2022, oito dos 10 principais condados do Estado com as taxas de pobreza mais altas eram de maioria negra – com média superior a 27%. E em áreas mais agitadas como Charleston, os dados do Censo dos EUA mostram que as taxas de pobreza eram quase duas vezes mais altas num dos bairros majoritariamente negros da cidade, em comparação com o condado majoritariamente branco.
Embora o Estado seja governado por republicanos, há uma sensação de que o presidente poderia ter feito mais.
Matthew Guah, reitor da escola de negócios da SCSU, concorda que embora recursos tenham sido investidos nas comunidades negras, não foram substanciais o bastante para fazer a diferença.
“Investimento recorde significa apenas mais [investimento] do que antes. O investimento recorde não significa que essas comunidades tenham tudo o que necessitam”, diz ele.
Ronnie Bennett, coproprietária do Broughton Street Cafe no condado de Orangeburg, disse à BBC: “Se Biden colocou dinheiro nas comunidades negras, eu não vejo.”
Bennett planeja votar em Joe Biden novamente, mas principalmente por obrigação, sentindo que os democratas lhe oferecem mais esperança.
“Nossos antepassados lutaram pelo direito ao voto, por isso exercemos esse direito quer gostemos ou não de quem está concorrendo”, diz ela.
O negócio está localizado no centro histórico de Orangeburg, a menos de 2 km da SCSU. Calçadas desertas, janelas com tábuas e edifícios em ruínas tomam as ruas do centro da cidade, exceto por um pequeno número de novos empreendimentos como o de Bennett.
O exterior recém-pintado do café e o interior colorido com móveis em madeira injetaram energia no bairro quando o local foi inaugurado em 2022, mas pouco aconteceu desde então, diz Bennett.
‘Se ficarmos em casa, perderemos a eleição’
Outros estão ansiosos por apoiar Biden, alarmados com a possibilidade de Donald Trump voltar à Casa Branca.
Cecil Williams é proprietário do Museu dos Direitos Civis da Carolina do Sul, onde estão expostas relíquias de um dos capítulos mais sombrios da história americana.
No interior, uma cópia original de The Clansman (“Os Homens do Clã”, em tradução livre) – romance do início do século 20 que glamoriza a organização supremacista branca Ku Klux Klan – fica a poucos metros de distância de cartuchos de espingarda vazios usados pela polícia para matar estudantes negros desarmados em protestos no campus da SCSU.
Os artefatos do museu são relíquias de um passado racista que Williams teme que Donald Trump esteja reacendendo.
O ex-presidente enfrentou acusações de racismo – que ele nega – inclusive por divulgar a falsa alegação de que Barack Obama não teria nascido na América e por dizer a quatro congressistas mulheres de minorias raciais para “voltarem” para o lugar de onde vieram.
“Precisamos de alguém como Joe Biden na Casa Branca agora mais do que nunca. Basta olhar para a alternativa”, diz Williams.
“Se ficarmos em casa, perderemos esta eleição. Não podemos deixar que isso aconteça.”
Mas enquanto Trump tenta a presidência pela terceira vez, ele deve buscar tirar vantagem da influência cada vez menor dos democratas sobre os eleitores negros.
“Essa é uma oportunidade que seríamos negligentes se não explorássemos”, disse um conselheiro sênior da campanha de Trump, segundo a Associated Press.
O possível vice negro de Trump
Além de apoios de vários rappers famosos como Lil Wayne e Kodak Black, Trump tem aparecido cada vez mais diante das câmeras com seu oponente agora derrotado, Tim Scott.
Scott, o primeiro senador negro dos EUA pela Carolina do Sul, tem sido amplamente cogitado como uma possível escolha para vice-presidente de Trump.
É uma ideia que Scott parece estar cortejando.
“Eu simplesmente te amo”, disse ele a Trump no palco após a última vitória do ex-presidente nas primárias republicanas.
Em Winnsboro, onde a população mal ultrapassa os 3 mil habitantes e frango frito – alimento muito consumido nas comunidades afro-americanas – é servido nos postos de gasolina, a frustração dos eleitores não é difícil de encontrar.
Há uma barbearia na rua principal da cidade, um dos poucos estabelecimentos ali que não fechou permanentemente.
Clarence Pauling, o dono do negócio, tem uma resposta rápida para quem lhe pergunta o que ele pensa do presidente: “Nunca mais votarei em Biden.”
A afirmação causa um rebuliço na pequena empresa do proprietário negro.
“Sim, Senhor!”, um homem gritou, ouvindo enquanto cortava o cabelo.
Pauling, de 49 anos, já foi um apoiador aguerrido do Partido Democrata e diz que até usou sua barbearia para registar eleitores para apoiar Barack Obama nas eleições de 2008 e 2012.
Mas não este ano.
Ele está considerando seriamente votar em Donald Trump, uma mudança desejada em relação a Biden, que ele diz que “fala bem, mas não entrega”.
Outros na barbearia concordam e expressam frustração com o custo da gasolina e dos alimentos.
“Trump diz a verdade”, diz Pauling, rindo ao recordar quando o ex-presidente disse francamente a Hillary Clinton que ele usa o “sistema podre” em benefício próprio.
“Eu entendo isso. Estou cansado de todo mundo tentar ser politicamente correto”, diz ele. “Diga as coisas como elas são.”
Fonte: BBC
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