- Pablo Uchoa
- De Londres para a BBC News Brasil
Os institutos de pesquisa de opinião estão sendo alvo de pesadas críticas, e não apenas no Brasil. Também nos Estados Unidos e no Reino Unido, entre outros países, as mudanças de comportamento do eleitorado e o surgimento de um eleitor desconfiado do sistema criaram um desafio para capturar essa base demográfica.
Nos EUA, a Associação Americana de Pesquisa de Opinião Pública publicou em 2021 um relatório abrangente tentando entender as razões por que as pesquisas indicavam liderança da democrata Hillary Clinton na eleição de 2016, quando ela acabou perdendo no colégio eleitoral para Donald Trump.
Em 2020, os institutos erraram ainda mais feio ao mostrar o democrata Joe Biden confortavelmente à frente de Trump em alguns Estados-chave, que no fim se revelaram vantagens muito mais apertadas. As margens de erro nas duas semanas finais da corrida foram as mais altas em 40 anos, chegando a 5 pontos percentuais, em média, nas pesquisas presidenciais por Estado. Em geral, as sondagens subestimaram o voto no partido Republicano e superestimaram os Democratas.
Várias razões foram dadas para tentar explicar essa diferença, mas o relatório não encontrou evidência para comprovar nenhuma das mais citadas — por exemplo, um suposto “voto envergonhado” em Trump, uma suposta decisão tardia dos eleitores de votar no republicano, ou uma má representação do eleitorado em termos de idade, raça, etnia, orientação sexual ou nível educacional.
O que explicava, então, o erro das pesquisas?
Politização das sondagens
A hipótese mais plausível, segundo o relatório, trouxe pouco alívio para os pesquisadores: a de que certos grupos cruciais para a eleição de Trump simplesmente não estavam participando das pesquisas.
O fenômeno Trump havia criado uma nova forma de eleitor descontente com o sistema, crítico das instituições políticas e desconfiado das pesquisas eleitorais. “Trump indicou explicitamente aos seus apoiadores que as pesquisas eram “fake” e tinham como objetivo suprimir votos. Estas declarações de Trump podem ter transformado a participação nas sondagens em um gesto político, pelo qual seus apoiadores mais ferrenhos optariam por não responder às pesquisas,” disse o relatório.
O problema criava uma representação enviesada dos eleitores republicanos. “Não se sabe se os republicanos que responderam às pesquisas votaram de forma diferente daqueles que não responderam”, disse o relatório.
Assim, se os eleitores de Trump fossem menos propensos a participar das pesquisas, os republicanos que responderam aos institutos de pesquisa de opinião teriam opiniões mais moderadas, turvando a compreensão dos pesquisadores sobre este eleitorado. “Mesmo que a porcentagem correta de republicanos tenha sido respeitada, as diferenças entre os republicanos que responderam e não responderam às pesquisas poderiam produzir o erro de sondagem observado,” disse o relatório.
O problema com essa hipótese é a dificuldade de comprová-la: para sabê-lo com certeza, seria preciso ouvir os eleitores que, por definição, não conversaram com os pesquisadores.
O desafio de alcançar o eleitor
Há algum tempo os institutos de pesquisa americanos já tentam contornar o problema das baixas taxas de resposta em pesquisas eleitorais.
Em 2019, por exemplo, o Pew Research Center publicou um levantamento afirmando que a taxa de resposta nas pesquisas por telefone havia caído para apenas 6% — em outras palavras, os pesquisadores só conseguiam completar as pesquisas com 6% dos lares contatados aleatoriamente nas suas amostras. Isso porque muitos adultos sondados se recusavam a participar das pesquisas, fartos com o alto número de chamadas de telemarketing ou receosos de serem vítimas de fraude.
De acordo com a sua metodologia, cada pesquisa tem limitações específicas e isso se aplica em vários contextos: tradicionalmente, por exemplo, a pesquisa telefônica não consegue atingir os grotões onde o sinal de comunicação é fraco, enquanto a pesquisa presencial tem dificuldade de sondar os condomínios fechados. Hoje, com a penetração da internet, as pesquisas online se tornaram mais comuns, mas elas dependem de painéis de eleitores que se voluntariam para participar das pesquisas — o que também pode levar à representação enviesada do eleitorado.
Além disso, as sondagens eleitorais se propõem a fazer um retrato instantâneo do momento político, por isso são conduzidas em intervalos de poucos dias, com poucas tentativas feitas para alcançar os indivíduos selecionados para a amostragem.
Para corrigir estas distorções, os institutos de pesquisa ajustam os resultados das suas amostragens para tentar extrapolar as conclusões para a população geral com o maior grau de precisão possível. O efeito disso tem sido claro no Reino Unido, onde as sondagens subestimaram o voto conservador nas eleições de 2015 e o voto trabalhista em 2017.
“Uma das questões bem conhecidas aqui é que parece ser mais fácil entrevistar eleitores trabalhistas,” disse à BBC News Brasil John Curtice, professor da Universidade de Strathclyde, na Escócia, pesquisador-sênior do instituto NatCen e presidente do Conselho Britânico de Pesquisas de Opinião.
Uma explicação seria a motivação dos trabalhistas para participar do jogo político, em contraste com os conservadores, mais interessados em cuidar da sua vida privada. Embora essas categorias já não sejam tão claramente visíveis, o fato, segundo Curtice, é que “se você tiver dois dias para fazer uma sondagem eleitoral, você simplesmente achará mais fácil conseguir eleitores trabalhistas”.
Até as eleições de 2015, as sondagens tendiam a exagerar o voto trabalhista. Depois de sofrerem críticas, os institutos de pesquisa de opinião ajustaram suas metodologias e “exageraram na dose” em 2017, diz Curtice. Em 2019 os resultados foram mais próximos do verificado nas urnas.
Novas frentes de batalha
Mas as novas frentes de batalha que surgiram na política criaram uma mudança nas atitudes políticas, dificultando o trabalho dos institutos de pesquisa. O plebiscito que culminou com a saída do Reino Unido da União Europeia, em 2016, foi ilustrativo nesse sentido.
Até então, as eleições britânicas eram pautadas por uma divisão clássica entre esquerda e direita, em torno de perfis de classe social, sendo o papel do governo na economia um tema central. Em 2016, a imigração se converteu em tema central, e as frentes de batalha passaram a ser sociais e culturais.
“Foi uma divisão entre liberais e conservadores em questões sociais,” qualificou Curtice em um artigo analisando o mau desempenho das sondagens à época. “Os primeiros tendem a se sentir confortáveis com a diversidade que acompanha a imigração, enquanto os últimos preferem uma sociedade na qual as pessoas compartilhem os mesmos costumes e cultura.”
As linhas divisórias já não eram classe social ou opiniões sobre o papel do Estado na economia, mas idade e grau de educação. Os mais jovens e com mais educação tendiam a compor o estrato liberal e votar a favor de permanecer na União Europeia. Já os mais velhos/menos educados eram mais conservadores e propensos a votar pelo Brexit.
Quantificar essas novas dimensões do eleitorado, especialmente numa situação sem precedentes como fora o plebiscito do Brexit, é como tentar ajustar a rota de percurso com o avião em pleno voo. Como aponta Curtice, as mudanças podem requerer modificações na amostragem, nos dados coletados e na forma como esses dados são pesados e considerados. Nem sempre estes dados, ou indivíduos, estão disponíveis na rapidez e na proporção que a corrida eleitoral exige.
“É muito difícil fazer essas coisas de imediato. Eu sei, eu entendo os jornalistas que querem saber no dia seguinte, por que as pesquisas erraram? Bem, dê aos institutos seis meses para descobrir e talvez você consiga a resposta,” diz Curtice. “No caso dos EUA, após meses de investigação, eles ainda não conseguiram descobrir.”
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