A eleição histórica deste domingo (02/10) teve diversos momentos marcantes desde o início da pré-campanha. Veja abaixo 9 momentos que marcaram até agora as eleições de 2022.
Ausência de debate de propostas
No que se refere ao debate político, a campanha foi marcada pela falta de discussões sobre os rumos do país entre os candidatos que lideraram as pesquisas. O PT havia prometido entregar em setembro um plano de governo “aos moldes das candidaturas modernas, enxuto, didático e inovador, com cerca de 50 páginas”.
Mas não cumpriu a promessa. A equipe do presidente entregou ao Tribunal Superior Eleitoral um documento de 21 páginas, onde não aparecem algumas de suas promessas de campanha, como isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. Isso levou a críticas de que Lula esperava votos com um “cheque em branco”.
Além disso, nem Lula nem Bolsonaro trouxeram detalhes de como pretendem cumprir a promessa de manter o valor mínimo do Auxílio Brasil em R$ 600.
Em 29 de agosto, no debate da Band, ambos foram questionados sobre de onde viriam os recursos para financiar o benefício. A resposta do atual presidente foi vaga: “Não roubando, não metendo a mão no bolso do povo”, disse, acusando o opositor de corrupção.
Lula, por sua vez, disse haver “mentira no ar”, já que Bolsonaro prometeu manter o auxílio em R$ 600, apesar disso não estar previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias – que registra uma queda para R$ 400 no benefício a partir de 2023. Assim como Bolsonaro, Lula não explicou como conseguirá financiar o benefício.
Morte em aniversário, tentativa de decapitação e tiro na igreja
Ao longo da campanha, o país registrou assassinatos e agressões devido a discordâncias políticas, como o episódio no interior do Mato Grosso do Sul em que Rafael Silva de Oliveira, apoiador de Jair Bolsonaro, foi preso após matar a facadas o colega de trabalho Benedito Cardoso dos Santos, que defendia Lula. O assassino confesso ainda tentou decapitar a vítima com um machado em 7 de setembro.
Outro episódio violento que chocou o país foi o assassinato do guarda municipal e dirigente petista Marcelo Aloizio Arruda durante a sua festa de aniversário cujo tema era o PT. Ele foi morto a tiros pelo policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho, que invadiu o evento em Foz do Iguaçu aos gritos de “Aqui é Bolsonaro!”, segundo informações de testemunhas à Polícia Civil do Paraná.
Para o sociólogo e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Gabriel Feltran, o assassinato não foi um”ato isolado”, mas sim reflexo da retórica de violência na política que, segundo ele, começou a ganhar força a partir de 2013 e se intensificou no governo Bolsonaro.
A violência chegou inclusive às igrejas. No último dia de agosto, um policial militar que é apoiador de Bolsonaro e adepto de uma igreja evangélica em Goiânia deu um tiro em outro frequentador da Congregação Cristã no Brasil durante o culto.
Segundo testemunhas, o crime ocorreu porque a vítima discordava de uma orientação lida pela congregação em cultos de não “votar em candidatos ou partidos políticos cujo programa de governo seja contrário aos valores e princípios cristãos”.
“Vivemos um período sombrio da nossa história. Temos dois momentos de preocupação (em relação à violência política): domingo (dia da votação) e o que vai acontecer com esse país daqui até 31 de dezembro caso Lula vença”, avalia Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Lula reúne apoio de 8 ex-presidenciáveis e até do ex-ministro Joaquim Barbosa
“Parecia a arca de Noé. A duas semanas da eleição, bichos de todas as espécies políticas se reuniram em torno de Lula. O encontro juntou oito ex-presidenciáveis, do líder dos sem-teto Guilherme Boulos ao banqueiro Henrique Meirelles”, escreveu Bernardo Mello Franco, colunista do jornal O Globo, sobre evento de Lula em 19 de setembro de 2022.
Ao longo da eleição, muito se falou na imprensa sobre a composição de uma frente ampla na chamada terceira via, nome dado a um grupo de candidatos à Presidência que tentavam vencer Lula e Bolsonaro ao mesmo tempo. Mas foi o próprio petista que conseguiu esse feito depois de já ter atraído para sua chapa o ex-governador Geraldo Alckmin (ex-PSDB, hoje PSB), que foi derrotado nas urnas por Lula em 2006.
O prinicipal amálgama da frente ampla de apoio foram os ataques de Jair Bolsonaro às instituições democráticas, em especial ao Supremo Tribunal Federal e ao sistema eleitoral. Um dos nomes de destaque na reta final da campanha foi o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, responsável pelo relatório na Corte que levou à condenação de diversos petistas no julgamento do mensalão.
“Nas grandes democracias, Bolsonaro é visto como um ser humano abjeto, desprezível, uma pessoa a ser evitada. Esse isolamento internacional é muito ruim para o nosso país. Nós perdemos muitas oportunidades com isso. É preciso votar já em Lula no primeiro turno para encerrar essa eleição no próximo domingo”, disse Barbosa em vídeo divulgado em 27 de setembro de 2022.
Bolsonaro reúne embaixadores para atacar urna eletrônica e sistema eleitoral
Em julho de 2022, o presidente Jair Bolsonaro fez uma apresentação para dezenas de embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada em que repetiu diversas acusações sem provas contra a confiabilidade das urnas eletrônicas, do sistema eleitoral e da Justiça brasileira.
O discurso de pouco mais de 30 minutos também foi transmitido por uma emissora pública, a TV Brasil. “Tudo que vou falar aqui está documentado, nada da minha cabeça […] O que mais quero por ocasião das eleições é a transparência. Queremos que o ganhador seja aquele que realmente seja votado.”
O vídeo acabou derrubado pelo YouTube no mês seguinte e foi alvo de ação da Procuradoria Geral Eleitoral (PGE).
“A tentativa de infundir temor no eleitor sobre o respeito efetivo da sua vontade, atribuindo, direta ou subliminarmente, maquinações ou negligência aos que gerem as eleições, não encontra base devidamente demonstrada, despreza argumentos e evidências sólidas em contrário e não atenta para a deliberação do Congresso Nacional de apoio ao modelo adotado”, afirmou a PGE.
Para o órgão, “o discurso proferido contém informações falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro, o que é vedado pelas normas vigentes, e configura propaganda negativa”.
Felipe Neto pede desculpas a Dilma por ter defendido impeachment
“Ontem pude olhar nos olhos da Presidenta Dilma e pedir perdão. Perdão por ter propagado o antipetismo, o discurso golpista e o ódio à esquerda”, escreveu o influenciador e empresário Felipe Neto em seu perfil no Twitter em 26 de setembro de 2022.
O post era acompanhado de uma foto em que Dilma segura os braços dele enquanto conversam. “O amor q ela me deu em retorno foi algo q nem consigo explicar a vcs. É esse amor que vai vencer dia 02.”
Felipe Neto cobrou, em outra postagem, que veículos da imprensa também pedissem perdão à ex-presidente pela “participação decisiva” dele e de outros na “defesa do golpe na época” da deposição da petista.
No dia 28/09, o Senado dos Estados Unidos aprovou por unanimidade uma resolução apresentada pelo senador Bernie Sanders e outros cinco senadores democratas para defender a democracia no Brasil.
Em sua defesa da medida, no plenário do Senado, Sanders afirmou que o texto não era favorável a qualquer candidato e sim favorável ao rompimento de relações e assistência militar entre países em caso de um golpe.
“Não estamos tomando lado na eleição brasileira, o que estamos fazendo é expressar o consenso do Senado de que o governo dos EUA deve deixar inequivocamente claro que a continuidade da relação entre Brasil e EUA depende do compromisso do governo do Brasil com democracia e direitos humanos.”
“É a primeira vez em muitas décadas que vemos esse tipo de resolução em relação ao Brasil. Isso não aconteceu nem mesmo durante a ditadura militar”, afirmou James Green, historiador da Brown University e presidente do Washington Brazil Institute.
A medida não contava com apoio declarado de nenhum político do Partido Republicano (ao qual o ex-presidente Donald Trump é filiado), mas, pelas regras da Câmara Alta, se nenhum senador objeta a um texto de resolução, ele é aprovado por unanimidade na casa.
A BBC News Brasil entrou em contato com o Planalto, o Itamaraty e a Embaixada do Brasil em Washington sobre a aprovação do texto. Os dois primeiros não responderam à reportagem. Já a Embaixada, em nota, afirmou que “não compete à embaixada emitir comentários sobre resoluções do Poder Legislativo do país junto ao qual está acreditada”.
Padre Kelman rouba a cena em debate na Globo
“O senhor não tem medo de ir pro inferno, não?”, disse a candidata presidencial Soraya Thronicke (União Brasil) ao candidato Padre Kelmon (PTB) em debate na TV Globo. “O senhor é um padre de festa junina.”
As frases viralizaram nas redes sociais, como diversos trechos em que Kelmon aparece no debate. Kelmon entrou na disputa depois que o cabeça de chapa, Roberto Jefferson, foi impedido pela Justiça de disputar a eleição. Kelmon é ligado a uma denominação da igreja ortodoxa no Brasil.
Por causa da legislação eleitoral, as emissoras são obrigadas a convidar todos os candidatos de partidos com um número mínimo de 5 parlamentares no Congresso Nacional.
Mas a participação de Kelmon causou revolta entre os adversários. Lula, que teve um duro embate com ele e o chamou de “impostor”, chegou a defender mudanças na lei eleitoral para impedir “candidatos laranja” como Kelmon.
O próprio mediador do debate na Globo, o jornalista William Bonner, afirmou que “talvez seja o caso de estabelecer uma regra que aumente a exigência de representatividade política para que um candidato participe dos debates”.
Damares Alves vira alvo de fake News que espalhou
A ex-ministra e candidata ao Senado Damares Alves (Republicanos) acabou sendo alvo da fake news que ela mesma ajudou a espalhar em 2013.
Naquele ano, a então pastora afirmou em um culto sem provas que especialistas da Holanda defenderiam masturbação em bebês para melhorar a vida sexual deles.
Nove anos depois, a então candidata ao Senado recorreu à Justiça Eleitoral para derrubar uma versão manipulada do mesmo vídeo que sugere que é a própria Damares que defende a masturbação de bebês.
O vídeo foi derrubado pela Justiça Eleitoral em 28 de setembro, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo.
Os temas escolhidos por Damares estavam entre os que mais ressoam com o eleitorado brasileiro, o que ajudaria a explicar a proeminência dela no governo Bolsonaro.
“De todos os assuntos políticos, esse é o que mais mobiliza. Um exemplo: o ‘kit gay’. Apesar de ser fake news, foi algo muito poderoso, justamente porque essa questão é muito importante para o público evangélico”, diz a cientista política americana Amy Erica Smith, referindo-se ao boato infundado que governos do PT tinham planejado a distribuição de materiais que faziam “propaganda” da homossexualidade nas escolas.
Ciro Gomes acusa petistas de fascismo
“O fascismo está saindo do bolsonarismo doente para o petismo fanático. É fascismo puro do Lula e do PT, e isso nós temos que derrotar”, afirmou o candidato presidencial Ciro Gomes (PDT) em uma entrevista na Bahia em 14/09. Para ele, o PT promovia “terrorismo e fascismo de esquerda” ao defender o voto útil em Lula.
O voto útil, citado pelo político e cada vez mais presente no debate eleitoral, consiste em desistir de apoiar seu candidato preferido para apostar em alguém que pode ter mais chances de vencer as eleições — ou para evitar um segundo turno.
“Na reta final da campanha mais vazia da história, embalam tudo no falso argumento do ‘voto útil’. Com esta pregação, querem eliminar a liberdade das pessoas de votarem, no regime de dois turnos, primeiro no candidato que mais representa seus valores, e, se for o caso, de optarem depois por aquele que mais se aproxime de suas ideias”, disse o Ciro Gomes em pronunciamento no dia 26/09.
Essas declarações de Ciro ilustram sua trajetória ao longo desta campanha eleitoral, em que ele tentou pela quarta vez chegar ao segundo turno da eleição presidencial desbancando o PT. Grande parte de sua estratégia foi centrada em atacar Lula e o PT, mas ela não surtiu o efeito desejado entre os eleitores.
Para críticos, os ataques de Ciro ao candidato do PT acabaram beneficiando o próprio Bolsonaro. O candidato acabou apelidado nas redes sociais de “Cironaro”, “Bolsociro” e “linha auxiliar do bolsonarismo”.
Michelle Bolsonaro entra na campanha para reduzir rejeição de mulheres a Bolsonaro
“Um presente para a mulher que merece e deve ser o que ela quiser. Juntas, estamos construindo um Brasil para elas, com elas e por elas”, dizia a primeira aparição em vídeo da primeira-dama Michelle Bolsonaro na campanha televisiva do presidente.
Ela entrou na campanha em agosto para tentar reduzir a enorme rejeição das eleitoras a Bolsonaro: 56% das mulheres disseram que não votariam no atual presidente, segundo o Datafolha.
Mas por que a gestão de Bolsonaro incomoda um percentual maior de mulheres que de homens?
Para a professora de ciência política Malu Gatto, da University College London, há três explicações para isso: o modelo de masculinidade que Bolsonaro representa e que inclui posições criticadas como machistas; a gestão da pandemia; e o estado atual da economia.
“Essa questão da masculinidade pode estar indo em ambas as direções, ou seja, diminuindo o apoio das mulheres, mas também aumentando o apoio dos homens. Ele tem uma postura que enfatiza soluções tradicionalmente associadas ao masculino, como uma forma de governar mais agressiva, que inclui o culto à violência e às armas”, diz.
“Isso gera identificação com parcela dos homens, mas rejeição entre mulheres. Além disso, muitas vezes o presidente classifica mulheres a partir de critérios estéticos, o que novamente o aproxima de um público masculino, mas pode afastar parte das mulheres.”
Houve também diversas participações de Michelle Bolsonaro em eventos de campanha com evangélicos. Vale lembrar que, no Brasil, a face típica do evangélico é feminina, negra e jovem.
Não é possível afirmar qual estratégia de Bolsonaro surtiu efeito, mas o próprio Datafolha apontou no fim de setembro que a diferença de Bolsonaro e Lula entre as mulheres caiu de 21 para 15 pontos percentuais.
No levantamento de quinta-feira (29), o petista tinha 50% de intenções de voto no eleitorado feminino, ante 29% do mandatário. No novo, Lula tem 47%, e o rival, 32%.
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