- Kamala Thiagarajan
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Em 2010, Ashish Kumar Jain estava no Reino Unido, trabalhando na área de tecnologia da informação. Na época com 28 anos de idade, ele encontrou um vídeo online que lhe causou profundo impacto. O vídeo descrevia as crueldades cometidas pela indústria de laticínios, especialmente contra os bezerros.
Jain esperava pelo nascimento do seu primeiro filho e ansiava por voltar à Índia para acompanhar o parto. Ele convenceu a si mesmo e à esposa a adotar a alimentação vegana. E o casal, que mora na cidade de Indore, no Estado de Madhya Pradesh (região central da Índia), decidiu também criar seu bebê como vegano.
Hoje, sua filha Arul é uma menina saudável com 11 anos de idade e ardente defensora do veganismo. Jain conta que criar Arul como vegana foi menos estressante do que responder às preocupações dos parentes sobre as suas escolhas.
Segundo o pai, um fator que facilitou muito a transição foi o longo histórico indiano na alimentação sem carne. Essa tradição tende a ser vegetariana e não vegana, mas inclui lições úteis sobre como maximizar o poder nutricional das refeições de origem vegetal – o que pode beneficiar o crescente número de crianças e adultos veganos, não apenas na Índia, mas em todo o mundo.
Estima-se que 400 milhões de pessoas na Índia (o que representa 39% da população do país) identifiquem-se como vegetarianas por razões religiosas e outros motivos, em comparação com apenas cerca de 5% nos Estados Unidos.
A dieta vegetariana não é igual à vegana. Ela normalmente inclui, por exemplo, laticínios, enquanto a dieta vegana evita todos os produtos animais. Mas o legado vegetariano da Índia resultou em uma culinária particularmente diversificada, com pratos de origem vegetal que são facilmente adaptados às preferências dos veganos.
Aliada às novas descobertas científicas sobre dietas de origem vegetal feitas por pesquisadores em todo o mundo, essa experiência poderá também ajudar os pais a responder uma questão fundamental: a dieta vegana é segura para as crianças?
Veganismo em crescimento
O veganismo vem ganhando força em todo o mundo, apoiado por campanhas como o “Veganeiro” (que incentiva as pessoas a serem veganas por um mês, em janeiro), além do aumento da consciência sobre os benefícios da alimentação livre de carne e laticínios para o clima do planeta.
Cada vez mais pesquisas indicam que a alimentação de origem vegetal traz uma série de benefícios para a saúde dos adultos. Na Índia, o crescente movimento vegano tira proveito de uma antiga tradição. Influenciadores e grupos veganos nas redes sociais destacam o poder nutricional dos cereais, leguminosas e grãos locais.
Os veganos da Índia trocam receitas tradicionais em grupos como Cooking with Millets, no Facebook (“Cozinhando com milhetes”, em tradução livre). O grupo promove esse cereal que é endêmico na Índia.
Influenciadores veganos promovem os benefícios de ingredientes antigos, como lentilhas, grão-de-bico e feijão-mungo. Em 2016, a Academia Internacional Alemã – um internato na cidade de Chennai, no sul da Índia – chegou às manchetes após tornar-se uma escola totalmente vegana.
E, embora muitos vegetarianos indianos sigam consumindo produtos lácteos como ghee (manteiga clarificada), iogurte e paneer (queijo cottage), Jain indica que, no passado, nem sempre isso acontecia, pois muitos pratos tradicionais indianos não contêm laticínios.
Mas, para as crianças, os riscos e benefícios da dieta vegana são um pouco mais complexos que para os adultos.
O aspecto mais importante a ser considerado talvez seja que uma criança em crescimento precisa de nutrientes específicos para cada fase do seu desenvolvimento. Se esses nutrientes não forem fornecidos, as consequências podem ser perigosas, especialmente para as crianças mais jovens.
A alimentação das crianças também precisa incluir alto teor de energia e nutrientes, já que as porções dos alimentos são menores.
“As crianças e os bebês estão crescendo e se desenvolvendo rapidamente, especialmente na primeira infância. Eles têm enorme necessidade de certos nutrientes, mas seus estômagos são relativamente pequenos. Isso significa que os alimentos fornecidos devem oferecer o máximo de nutrientes e energia suficiente em volume relativamente pequeno”, explica Mary Fewtrell, professora de nutrição pediátrica do Instituto de Saúde Infantil Great Ormond Street, do University College London (UCL).
Para os bebês, o leite materno é considerado a melhor forma de fornecer a nutrição e a energia de que eles precisam para crescer, enquanto a dieta vegana precisa ser cuidadosamente planejada para garantir que atenda às necessidades das crianças maiores.
De fato, o veganismo sem orientação já resultou em tragédias nessa faixa etária que, embora raras, poderiam ter sido evitadas.
Em 2016, uma criança com um ano de idade, que recebia alimentação vegana, foi retirada dos seus pais em Milão, na Itália, depois que seus exames de sangue revelaram níveis perigosamente baixos de cálcio. A imprensa italiana noticiou que a criança, com um ano de idade, pesava o mesmo que um bebê de três meses e que seu nível de cálcio era apenas o suficiente para que ele conseguisse sobreviver.
Em 2017, um tribunal da Bélgica condenou os pais de um bebê de sete meses que havia morrido de desidratação e desnutrição, depois que o menino recebeu uma dieta de leite vegetal feito de aveia, trigo sarraceno, arroz e quinoa.
Para as crianças mais velhas, as pesquisas indicam que a alimentação vegana pode ter benefícios, mas também algumas desvantagens.
Pesquisas revolucionárias
Em 2021, um estudo publicado pelo American Journal of Clinical Nutrition comparou os efeitos da alimentação vegana, vegetariana e onívora sobre a saúde de crianças polonesas com 5 a 10 anos de idade. O estudo pesquisou 63 vegetarianos, 52 veganos e 72 onívoros (este último grupo teve alimentação diversa, que incluiu carne e laticínios).
Malgorzata Desmond, a principal autora do estudo, agora é pesquisadora honorária do Instituto de Saúde Infantil Great Ormond Street do UCL. Segundo ela, “embora o número de crianças do nosso estudo fosse relativamente pequeno, este é o maior estudo do seu tipo já realizado especificamente com crianças veganas dessa idade – o primeiro que reuniu [mais de] 50 participantes em cada grupo de alimentação vegetal, comparando-os com onívoros cuidadosamente selecionados”.
Mary Fewtrell também foi autora do estudo, que identificou pontos bons e ruins para as crianças veganas.
“A boa notícia é que, em comparação com os onívoros, as crianças veganas ficavam em melhor forma e tinham melhores índices de risco cardiovascular, como colesterol mais baixo”, destaca ela. Isso pode colaborar para reduzir o risco de doenças cardíacas em fases posteriores da vida. “A desvantagem é que elas eram mais baixas e tinham menos massa óssea que o esperado para a sua idade.”
As crianças veganas tinham, em média, 3cm a menos de altura, mas isso não quer dizer que elas fossem raquíticas ou que seriam mais baixas para sempre, segundo Jonathan Wells, professor de antropologia e nutrição pediátrica do UCL e outro dos autores do estudo.
“As crianças veganas tinham menos massa gorda e tendência a pesar menos”, afirma Wells. “É possível que elas atingissem a puberdade um pouco mais tarde. Nós observamos que as crianças que atingem a puberdade mais tarde, na verdade, ampliaram seu período de crescimento, pois elas passam mais anos crescendo.”
Por isso, existe a possibilidade de que essas crianças fiquem mais altas quando ficarem adultas.
A única descoberta que os pesquisadores consideraram preocupante foi a densidade mineral óssea comparativamente mais baixa das crianças veganas.
“O osso atinge sua densidade ideal com pouco mais de 20 anos de idade. Por isso, se você não formar densidade óssea nessa idade, não conseguirá fazê-lo mais tarde”, explica Wells.
As pessoas com densidade mineral óssea mais baixa na idade adulta sentirão seus impactos na terceira idade, tornando-se mais vulneráveis a doenças como a osteoporose, já que os ossos lentamente ficam mais frágeis.
“Por isso, a alimentação vegana pode ter mudado o perfil das doenças de maior risco para as pessoas à medida que envelhecem”, segundo Wells. “Em vez de doenças cardiovasculares [doenças do coração], elas podem ter tendência a sofrer doenças dos ossos (ossos mais fracos). Mas isso não quer dizer que agora elas não sejam saudáveis.”
Algumas das conclusões do estudo foram surpreendentes. As crianças vegetarianas, por exemplo, apresentaram tendência a consumir mais produtos não saudáveis, como pizza e refrigerantes – um lembrete de que a alimentação vegetariana sozinha não é garantia de um menu saudável e equilibrado.
E, como era de se esperar, os onívoros tiveram a ingestão estimada de proteínas mais alta e os veganos, a mais baixa. Mas os vegetarianos tiveram a ingestão estimada mais alta de cálcio (enquanto os veganos tiveram a mais baixa).
Cerca de um terço das crianças do estudo com alimentação vegana ou vegetariana não receberam suplementos de vitamina B12, nem alimentos enriquecidos com vitamina B12 – embora esses suplementos sejam normalmente recomendados para pessoas com alimentação de origem vegetal.
A Academia de Nutrição e Dietéticos dos Estados Unidos, por exemplo, afirma que dietas veganas e vegetarianas bem planejadas são apropriadas para todos os estágios da vida, incluindo a gravidez e a infância. Mas ela também acrescenta que os veganos precisam garantir a ingestão de vitamina B12, seja na forma de suplementos ou de alimentos enriquecidos.
Uma conclusão possível é que algumas dessas dietas de origem vegetal poderiam ter melhores resultados se incluíssem ingredientes mais nutritivos. Ou, como os autores afirmam no estudo: “crianças veganas e vegetarianas precisam de orientação para comer de forma saudável, além de conselhos sobre suplementação”.
Em termos gerais, os estudos sobre dietas vegetais – vegetarianas, não apenas veganas – tendem a concluir que elas são seguras para crianças.
Um estudo longitudinal envolvendo crianças com seis meses a oito anos de idade nos Estados Unidos concluiu que não há provas de diferenças clinicamente significativas no crescimento ou no estado nutricional de crianças com alimentação vegetariana, em comparação com as demais. Mas as crianças vegetarianas (a amostra também incluiu crianças veganas) apresentaram maior possibilidade de ficarem abaixo do peso.
A Sociedade Alemã de Medicina Pediátrica e dos Adolescentes também adotou uma posição geral favorável em um estudo de 2019 sobre a alimentação vegetariana (incluindo vegana) para crianças e adolescentes. Ela afirmou que “as necessidades nutricionais das crianças e adolescentes em crescimento podem ser geralmente atendidas com uma dieta vegetal equilibrada”, apenas acrescentando que a alimentação vegetariana na infância e na adolescência exige a supervisão de um pediatra e que os veganos devem receber suplementação de vitamina B12.
E a alimentação baseada em carne também pode apresentar seus próprios riscos, devido aos hormônios encontrados na carne e no leite. Mas as evidências a este respeito são contraditórias.
Os autores de uma análise de estudos sobre estrogênios no leite de vaca e seus potenciais efeitos à saúde humana afirmam que “na pecuária intensiva, a concentração de estrogênios no leite é mais alta devido aos longos períodos de ordenha”. Eles indicam que a exposição a esses hormônios pode afetar as crianças, prejudicando seu desenvolvimento de formas que somente podem ficar evidentes na vida adulta – menor número de espermatozoides, por exemplo.
Mas eles também argumentam que o leite traz uma série de benefícios para a saúde. A análise conclui que, embora a quantidade de estrogênios no leite de vaca seja baixa demais para prejudicar a saúde de humanos adultos, mais pesquisas são necessárias para determinar o impacto sobre as crianças, especialmente nos primeiros estágios de desenvolvimento.
De volta às raízes
Nos últimos anos, a atenção global tem se voltado com frequência para as novidades de origem vegetal. Queijos veganos ou hambúrgueres sem carne facilitaram para muitas pessoas a mudança para uma alimentação mais baseada em plantas.
Mas o foco sobre essas surpreendentes inovações pode nos fazer esquecer outros ingredientes que estão disponíveis há séculos e poderiam corrigir possíveis falhas nutricionais nas refeições das famílias veganas.
Bhavya Chandra Prem, engenheira técnica com 33 anos de idade, cresceu no distrito de Kunnur, no Estado de Kerala (sul da Índia). Sua alimentação era predominantemente não vegetariana e incluía carne, galinha ensopada e parathas (um tipo de pão achatado indiano).
Em 2014, depois de mudar-se para cursar a universidade na Espanha, Prem tornou-se vegana quase que da noite para o dia, quando uma amiga vegana que morava com ela perguntou: “por que você iria querer matar e comer algo que você ama?”
Uma rápida pesquisa mostrou a ela a horrível realidade da indústria da carne e laticínios. “Assisti a alguns documentários, como Cowspiracy: O Segredo da Sustentabilidade e Earthlings [Terráqueos, no Brasil] e não podia viver uma mentira consumindo produtos de carne, leite ou peixe. Desde então, eu me tornei vegana e não olhei mais para trás”, conta Prem, que agora vive na República Checa.
Em 2020, quando soube que estava grávida, ela passou por enjoos matinais terríveis até o sexto mês de gestação e quase não conseguia manter nada no estômago, além de bolachas, arroz e sopa. Quando essa fase passou, ela começou a procurar alimentos veganos mais saudáveis e ricos em nutrientes, com o apoio do marido, que é italiano. O ginecologista de Prem disse que seguir uma dieta vegana não prejudicaria sua criança em crescimento, desde que ela comesse alimentos com alto teor de proteínas.
“Eu comia diferentes tipos de dals [prato indiano preparado com leguminosas], lentilhas, legumes e toneladas de sopas vegetais, tofu e produtos de soja”, ela conta. Seus pratos preferidos eram cherupayaru (curry preparado com feijão-mungo) e os ensopados típicos de Kerala, que costumam incluir leite de coco.
Em novembro de 2021, seu bebê nasceu saudável com 3,6 kg e está se desenvolvendo bem, segundo ela. Prem destaca que não quer impor seus próprios valores éticos ao seu filho, mas vai apresentar a ele alimentos mais diversificados, sem carne, à medida que ele crescer.
Ricos em proteínas
A nutróloga Edwina Raj, dos hospitais Aster CMI em Bangalore, no sul da Índia, indica que os alimentos tradicionais da Índia oferecem muitas opções para os veganos.
“Temos visto veganos que dependem muito das farinhas refinadas e dos carboidratos”, afirma ela. “Mas eles precisam concentrar-se nos carboidratos complexos. Nós indicamos as diversas variedades de arroz integral – vermelho, marrom e preto. Os pais veganos precisarão ter em mente que a necessidade de proteína na alimentação é de 1 g por kg de peso do corpo [por dia] e planejar as refeições adequadamente.”
Raj recomenda milhetes, lentilhas, ervilhas verdes secas e feijão como fontes de proteína de alta qualidade.
A nutricionista pediátrica vegana Karla Moreno-Bryce, de Minneapolis, nos Estados Unidos, argumenta que, independentemente da culinária escolhida pela família, pode ser relativamente fácil planejar refeições veganas saudáveis.
“Preparar refeições para crianças veganas exige apenas um pouco de atenção para garantir que os principais nutrientes (ferro, zinco, iodo, ômega 3, cálcio, vitamina D e vitamina B12) sejam oferecidos ao longo do dia com uma variedade de alimentos vegetais e suplementos alimentares”, orienta ela.
“É particularmente importante que todas as crianças veganas recebam um suplemento confiável de vitamina B12, preferencialmente quando começarem a ingerir alimentos sólidos. Essa substância não existe na natureza em alimentos vegetais e os suplementos, além de alimentos enriquecidos, são a fonte mais confiável para fornecer esse importante nutriente”, segundo Moreno-Bryce.
Ela afirma que, com a combinação correta de ingredientes, os pais podem oferecer versões veganas saudáveis de muitas culinárias diferentes. “Muitos pais veganos preocupam-se em garantir que as refeições dos seus filhos consistam de legumes e verduras. Embora sejam importantes e forneçam muitos nutrientes, eles não contêm as calorias [necessárias] para sustentar o crescimento e o desenvolvimento da criança.”
“Eu aconselho os pais veganos a concentrar-se em oferecer alimentos ricos em ferro (como feijão, lentilhas e tofu) e gordura (como abacate e manteigas de nozes), pois estes são dois nutrientes importantes durante os períodos de rápido crescimento”, orienta Moreno-Bryce.
Para atender às crescentes necessidades nutricionais da sua filha vegana na Índia, Ashish Kumar Jain procura verduras cultivadas na sua região, como os espinafres locais, methi (folhas de feno-grego), sementes de cominho, coentro e folhas de curry, além de sementes de gergelim, tofu e milhete, ricas em nutrientes. Jain substitui o leite por extratos de amêndoas e de coco e produz “queijo” de castanhas de caju e batatas, além de iogurte de leite de amendoim.
“Nós nunca sentimos falta dos laticínios”, ele conta. “E existem muitas razões para priorizar o veganismo, que vão além da alimentação e da saúde – a compaixão pelos animais, o clima e a sustentabilidade. O veganismo é um movimento de justiça social, além de ser uma escolha saudável.”
Importante:
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