• Juliana Gragnani – @julianagragnani
  • World Service Disinformation Team

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Elon Musk, novo dono do Twitter, disse que ‘não tinha escolha’ a não ser cortar vagas, porque a empresa estaria perdendo US$ 4 milhões por dia

Uma equipe de papel-chave no Twitter, responsável pelo combate à desinformação na plataforma, foi dissolvida pelo novo proprietário da empresa, Elon Musk.

Esse grupo monitorava o conteúdo da rede social, contextualizando posts enganosos ou incorretos; destacava fontes de notícias com checagem; e criava sequências de postagens confiáveis sobre assuntos de destaque em boa parte dos idiomas mais falados do mundo.

Diferentes unidades acompanhavam publicações em inglês, espanhol, árabe, hindi, português e japonês. As equipes trabalhavam em Sydney, Singapura, Londres, Accra (Gana), Tóquio, Cidade do México e São Paulo, assim como nos Estados Unidos.

Todas as equipes foram cortadas.

A BBC conversou com cinco ex-integrantes de unidades de monitoramento ao redor do mundo. Eles solicitaram anonimato por temer que falar abertamente poderia impactar pacotes de indenização.

O Twitter não respondeu a um pedido de comentário feito pela BBC.

‘Olhos e ouvidos’

“Nós tínhamos grande alcance global. Os únicos com olhos e ouvidos em campo em diferentes países”, diz um integrante sênior de uma dessas equipes.

Segundo essa pessoa, as equipes locais tinham capacidade de detectar as nuances culturais em cada país.

“Havia muita pesquisa e preparação antes de eleições em cada lugar, por exemplo. As equipes conseguiam entender melhor a atmosfera local e até mesmo antecipar que casos de desinformação poderiam ocorrer.”

Outro responsável pelo trabalho de monitoramento — que ficou sabendo de sua demissão quando perdeu o acesso ao e-mail — diz estar bastante preocupado. “A experiência de todo mundo vai piorar por falta de direção”, afirma. “Meu medo é que se torne uma plataforma de extrema-direita.”

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Ex-funcionários do Twitter dizem estar preocupados com o aumento da desinformação após os cortes das equipes que monitoravam conteúdo na plataforma

O Twitter é uma plataforma diferente para cada usuário de acordo com quais contas segue e seus interesses, e também de acordo com sua localização.

As equipes de monitoramento adicionavam tuítes verificados de fontes confiáveis em discussões de temas que estavam viralizando e continham desinformação. Também usavam a ferramenta Moments — uma compilação de postagens verificadas e confiáveis a respeito de um tema ou notícia.

Isso não está acontecendo mais.

“Nós não moderávamos ou censurávamos. Nunca removemos um conteúdo, mas promovíamos conteúdos [com contextualização]. Se era notado o aumento de algum tipo de desinformação, nós éramos avisados e trabalhávamos com parceiros”, diz um integrante de uma equipe de monitoramento.

Depois, informações checadas e contextualizadas eram destacadas no site.

‘Fantasmas’

Integrantes de equipes de monitoramento dizem que ainda há “fantasmas” do trabalho que realizavam: conteúdo programado que continua a ser gerado, como páginas ao vivo cobrindo eleições ou sobre a guerra na Ucrânia.

Mas há um prazo para esse conteúdo terminar de ser publicado e logo os usuários do Twitter vão ficar sem curadoria na plataforma.

Em alguns países isso já está acontecendo.

Na semana passada, “Ministério da Defesa” estava entre os trending topics no Brasil. Ao clicar no tópico, era possível notar postagens afirmando falsamente que o governo havia encontrado evidências de fraude no sistema eleitoral brasileiro.

Sem o trabalho das equipes de monitoramento, não há contextualização e checagem para desmascarar a desinformação, que se espalha sem controle.

No início de dezembro, os indianos que vivem no Gujarat, Estado onde nasceu o primeiro-ministro, Narendra Modi, vão às urnas. A disputa será um termômetro das chances do partido governista BJP nas eleições gerais de 2024.

Votações anteriores na Índia foram repletas de desinformação. Agora, as eleições acontecerão sem curadoria do Twitter em inglês ou hindi — nunca houve monitoramento na língua gujarati.

No México e em outros países de língua espanhola, as demissões terão um “tremendo impacto”, diz o especialista em mídia social Luis Ángel Hurtado Razo, professor da Universidade Nacional Autônoma do México.

“O Twitter não é a rede mais usada nesses países. Mas, por ser rápido e fácil de compartilhar informações, tornou-se a mais influente na esfera pública. A desinformação se espalha do Twitter para outras plataformas”, diz Hurtado Razo.

Ele diz que no México, por exemplo, não há agências de verificação de fatos suficientes e, sem o trabalho da própria rede, notícias falsas podem ter grande alcance na plataforma.

Diferentes locais e idiomas têm problemas distintos. Em árabe, os trending topics são afetados por uma enorme quantidade de spam. As equipes de monitoramento trabalhavam em um projeto para encontrar soluções para o problema. Não se sabe se o projeto vai continuar.

O único escritório do Twitter na África estava em Gana. Inaugurado só no ano passado, a empresa dizia que tinha o objetivo de estar mais presentes nas conversas do continente. Agora, quase todos os funcionários foram demitidos.

“O Twitter fez o mínimo necessário quando se trata da África Subsaariana”, diz Rosemary Ajayi, fundadora do Digital Africa Research Lab. “O foco está no hemisfério norte. Há atores manipulando a plataforma [na África] há vários anos, muita violência e muita desinformação.”

“Twitter sob Musk? Nós estamos acostumados ao caos”, diz ela. Mas com o corte do monitoramento de conteúdo, “as coisas estão prestes a ficar realmente feias”.

Com reportagem de Mariam Issimdar