Crédito, Renee Staska

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Renee mora em Adelaide, no sul da Austrália, com seus três filhos – Hudson, Holly e Austin – todos diagnosticados com a mesma doença degenerativa rara

“Austin tinha a saúde perfeita quando nasceu, com 38 semanas. Só as enzimas hepáticas estavam um pouco elevadas.”

O terceiro filho de Renee Staska vinha atingindo todos os marcos tradicionais da infância – tentando ficar de pé, fazendo contato visual, rindo.

Quando suas enzimas e proteínas hepáticas elevadas não responderam aos remédios, os médicos decidiram pedir alguns testes genéticos.

“Eles me ligaram e disseram que identificaram Niemann-Pick tipo C. Foi um diagnóstico terminal.”

Niemann-Pick tipo C (NPC) é uma doença rara, hereditária e neurologicamente progressiva.

Assim, Renee mergulhou no mundo da demência infantil.

“Eu ainda estava me recuperando dessa notícia quando o médico me disse: ‘Não procure no Google, vá para casa e dê amor a ele porque não há tratamento ou cura. Não há nada que você possa fazer’.”

Ela decidiu testar seus dois filhos mais velhos, Hudson, de quatro anos, e Holly, de dois.

Os resultados foram devastadores.

“Ter todos os meus três filhos diagnosticados com uma doença terminal foi absolutamente chocante para mim”.

Crédito, Renee Staska

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O filho de Renee, Hudson, está começando agora a apresentar sintomas de Niemann-Pick tipo C. Ele não consegue ler ou escrever

O que é a doença de Niemann-Pick tipo C?

Uma em cada 150.000 pessoas tem NPC.

A doença geralmente aparece na primeira infância e a expectativa média de vida é de apenas nove anos.

Ela é o resultado da transmissão de duas cópias de um gene defeituoso de ambos os pais para a criança, que tem uma chance em quatro de desenvolver a doença.

A doença leva substâncias gordurosas a se acumularem no cérebro, afetando o sistema nervoso central e diferentes partes do corpo.

Os sintomas de NPC e outras formas de demência infantil incluem deterioração da memória e do equilíbrio, insuficiência pulmonar e hepática, atraso no desenvolvimento motor e convulsões, de acordo com o Serviço Nacional de Saúde Britânico.

Segundo a Iniciativa para a Demência Infantil (Childhood Dementia Initiative – CDI), uma organização não-governamental na Austrália que pretende aumentar o conhecimento e incentivar mais pesquisa sobre o tema, cerca de 700.000 crianças em todo o mundo vivem com demência.

Mas faltam dados referentes a países pobres e em desenvolvimento devido ao acesso limitado a cuidados de saúde especializados e a testes genéticos.

Crédito, Renee Staska

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Hudson, Austin e Holly recebem diferentes tipos de terapia semanalmente

Cinco anos depois do diagnóstico, o filho e a filha mais velhos de Renee agora apresentam sinais da doença.

“Meu filho mais velho, Hudson, está bem atrasado na escola. Ele não consegue ler e escrever. Ele é muito impulsivo quando atravessa a rua, por exemplo. Seus movimentos oculares diminuíram e ele também fica cansado com frequência.

“A visão da minha filha Holly também começou a ser afetada. Ela está ficando atrasada nas aulas e há um descompasso nas suas habilidades sociais”.

As crianças recebem diferentes tratamentos regularmente, incluindo terapia ocupacional e fisioterapia para ajudar a mantê-las fortes e saudáveis.

Renee se deparou com o CDI e sua fundadora, Megan Maack, enquanto tentava entender sua situação.

Crédito, Megan Maack

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Megan Maack lançou a Iniciativa para Demência Infantil (CDI) em 2020, na Austrália, depois que seus dois filhos foram diagnosticados com síndrome de Sanfilippo

O que é a síndrome de Sanfilippo?

Há dez anos, Megan Maack vivia uma vida de “caos”, conciliando carreira corporativa e dois filhos com menos de cinco anos.

Sua filha Isla, de quatro anos, foi então diagnosticada com síndrome de Sanfilippo, outra doença genética rara que é um tipo de demência infantil.

“No momento do diagnóstico, Isla tinha sintomas leves, principalmente atrasos no desenvolvimento da linguagem e da comunicação”, diz.

“Ela dizia palavras isoladas, mas não as juntava. Ela era mais lenta que as outras crianças para pegar as coisas, então fui ao médico.”

Megan diz que o pediatra de Isla disse para ela não se preocupar.

“Mas algo no meu íntimo dizia que algo não estava certo, e eu chamo isso de intuição materna. Então fomos a uma clínica que fez um teste de painel genético (que procura alterações em vários genes num só teste)”, diz.

“E graças a Deus que sim, porque demoraríamos mais alguns anos até um diagnóstico de Sanfilippo.”

Cada instante é precioso para Megan, pois a síndrome de Sanfilippo não tem cura e a expectativa de vida da maioria das crianças não passa da adolescência.

Crédito, Megan Maack

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Megan diz que os pais de crianças com Sanfilippo sofrem com os filhos vivos à medida que eles ‘desaparecem lentamente’

Logo depois, Jude, filho de dois anos de Meghan, também foi diagnosticado.

“Tanto o pai dos meus filhos quanto eu temos uma mutação no mesmo gene e, infelizmente, passamos esse gene quando concebemos nossos filhos”, diz ela.

“Isla costumava ler, sabia correr, pular e nadar. Ela era uma garotinha graciosa e espevitada, que adorava se vestir bem e fazer amigos.”

Crianças com síndrome de Sanfilippo carecem de uma proteína que decompõe grandes moléculas de açúcar no corpo humano.

À medida que as moléculas se acumulam nas células, elas causam danos irreparáveis a todos os órgãos, incluindo o cérebro, causando inflamação generalizada e perda de tecido cerebral sensível.

Isto leva à perda de habilidades de desenvolvimento, surdez, hiperatividade, problemas comportamentais e convulsões.

“Hoje Isla tem 14 anos e Jude tem 12”, diz Megan. “Estamos vendo eles desaparecerem lentamente.”

“Isla não sabe quem eu sou na maior parte dos dias. Muitas vezes ela sai de casa e se afasta, algo que sabemos que acontece com muitos adultos que têm demência.”

“As pessoas falam sobre luto quando alguém morre e falam sobre luto antecipado. Não temos uma palavra para o que passamos, para ir perdendo alguém aos poucos”, diz Megan.

Necessidade de pesquisa

Kristina Elvidge, chefe de pesquisa do CDI, diz que não há estudos clínicos suficientes em andamento.

“Há 12 vezes menos testes realizados para demência infantil do que para câncer infantil”, ela diz, “mesmo que cause um número semelhante de mortes na Austrália todos os anos.”

Crédito, Kristina Elvidge

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Kristina Elvidge quer mais conscientização sobre doenças raras na infância

Brian Bigger, professor de Terapia Celular e Gênica na Universidade de Manchester, estuda doenças metabólicas neurodegenerativas que afetam principalmente crianças.

“Um dos tratamentos mais promissores em ensaios clínicos são as terapias genéticas”, diz ele.

Este é o reparo ou substituição de material genético perdido usando um vírus desativado.

Existem dois tipos principais, um que envolve a entrega direcionada do material genético à corrente sanguínea, à coluna vertebral ou mesmo ao cérebro.

A segunda requer o uso de células-tronco do sangue do paciente, que são colhidas da medula óssea e podem se transformar em qualquer tipo de célula sanguínea.

Após infecção por um vírus modificado, as células-tronco alteradas são devolvidas ao corpo do paciente.

O paciente deve receber quimioterapia para que as células-tronco alteradas possam crescer e produzir células saudáveis dentro do corpo novamente. Esta terapia também chega ao cérebro.

Mas o tratamento tem um custo significativo.

Crédito, Brian Bigger

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O professor Bigger faz parte de uma pesquisa clínica para tratamento da síndrome de Sanfilippo

“Um dos problemas que enfrentamos com estas doenças e tratamentos é que eles são absurdamente caros para serem lançados no mercado, custando milhões de dólares para serem desenvolvidos”, diz Bigger.

“Tratamos cinco pacientes em um estudo e os resultados em dois deles – que tinham dois anos de idade na época – foram marcantes. Uma delas agora pode realizar tarefas complexas, como andar de patinete e conversar com o irmão, e essas habilidades geralmente são limitadas em Sanfilippo. A outra criança vem respondendo bem”.

No entanto, os pesquisadores também pedem cautela, uma vez que a maioria dos pacientes nos testes clínicos não chegou à idade em que normalmente aparecem as fases mais graves da doença.

Crédito, Megan Maack

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A síndrome de Sanfilippo é uma doença genética rara em que uma alteração em um único gene torna o corpo de uma criança incapaz de decompor certos carboidratos (açúcares)

Jude, filho de Meghan, ainda se relaciona com o resto do mundo, embora seu vocabulário tenha ficado mais limitado.

Sua filha Isla perdeu quase toda a linguagem, mas ainda consegue dizer uma palavra especial.

“Se ela estiver feliz, ela vai olhar nos seus olhos e dizer ‘feliz’. Isso simplesmente me derrete”, diz.

“Você sempre espera ansiosamente pela primeira palavra do seu filho. Mas você nunca imagina que vai estar atento à última palavra do seu filho.”