“Na terra não há pão, supre-se este defeito com a farinha de pau que é o pó de uma raiz sativa, a que chamam de mandioca”, dizia o médico português Francisco da Fonseca Henriques Mirandela, em Âncora Medicinal para Conservar a Vida com Saúde, em 1721. Quase a mesma descrição que fez Pero de Magalhães de Gândavo: “O que lá se come em lugar de pão é farinha de pau. Esta se faz da raiz de uma planta chamada mandioca”. A essa farinha de mandioca, feita pelos índios, o colonizador chamava de pau – para diferenciar da farinha do reino, feita de trigo e vinda do além mar. Havia uma farinha-de-pau mole (uí-pon ou uí-puba, depois chamada farinha-puba), umedecida por infusão; e outra seca (uí-atã), bem mais apreciada. Acompanhava quase todos os alimentos – carnes, peixes e até frutas. Curioso é que, com o tempo, os brasileiros continuaram a chamá-la de mandioca honrando, no nome, sua origem tupi. Tendo essa mandioca, ao lado, uma expressão latina farinha (farina), em lugar do seu equivalente indígena (uí). Farinha de mandioca virou depois sustento básico dos escravos embarcados. E com ela também se abasteciam portugueses, nas viagens de volta à terra mãe.
As farinhas eram feitas em barracões espaçosos e arejados, de chão batido, cobertos de palha, pelos índios considerados sagrados – a casa-de-farinha. Toda a tribo participava do trabalho. O processo de fabricação se mantém até hoje, basicamente, como sempre foi. Com poucas atualizações. Espinhos, dentes de animais e cascas de ostras, usados pelos índios, foram sendo substituídos pelos dentes de ferro do “cevador” que rala a mandioca, depois de descascada e lavada. Mãos indígenas espremiam essa mandioca ralada com um cilindro de palha (tipiti), separando o líquido da massa; o cilindro indígena foi, depois, substituído por prensas mecânicas. Enquanto o líquido é colocado em algüidar para decantar – originando (no fundo) uma goma muito fina usada nas tapiocas; e outra mais grossa e escura (na superfície), usada em beijus e tapiocas escuras (conhecidas como saboronga ou sabonga). A massa que sai da prensa vai para a secagem. Os índios dependiam das incertezas do sol; enquanto, hoje, é usado o forno (por 3 a 4 horas), mexendo sempre até chegar ao ponto de farinha. Tudo fazendo com que essa farinha se mantenha a mesma, no gosto, ao longo dos séculos. A diferença fica por conta do aspecto que a indígena tinha grumos; enquanto as de hoje, com essas modernizações, acabaram mais homogêneas.
Da farinha os índios faziam pirão (piro, papa grossa), entornando sobre ela um caldo quente. É o que chamamos hoje de “pirão escaldado”. Com a chegada do colonizador, nasceu aqui o “pirão mexido” – mesma receita usada por eles no além-mar, para açordas e papas, com preparação mais sofisticada que o anterior. A farinha vai sendo pulverizada, aos poucos, em um caldo fervente, mexendo bem, até que chegue na consistência própria. Esse pirão, Gilberto Freyre considerava a “glória do Brasil”. Da farinha os escravos também faziam “farofa”. A palavra tem origem africana. Em Angola, é conhecida como falofa ou farofia . Em Portugal, essa farofia não tem nada a ver com farofa; sendo apenas uma deliciosa sobremesa de ovos. Farinha, farofa e pirão acompanham quase todos os pratos pernambucanos.
RECEITA: FAROFA DE BANANA
INGREDIENTES:
Farinha de mandioca
4 bananas compridas cozidas
1 colher de sopa de manteiga
1 cebola
Sal e pimenta do reino
Passas brancas
Amendoim torrado
Coentro picado
PREPARO:
• Em uma panela coloque manteiga e cebola picada. Junte as bananas cortadas em rodelas e deixe dourar ligeiramente. Acrescente a farinha e deixe dourar também. Junte as passas e o amendoim. Tempere com sal, pimenta e coentro picado.
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Fonte: Folha PE
Autor: Letícia Cavalcante