- Mariana Sanches
- Enviada da BBC News Brasil a Los Angeles
Na abertura da 9ª Cúpula das Américas, em Los Angeles (EUA), na noite desta quarta-feira (08/06), o presidente americano Joe Biden exortou os líderes de Canadá, Chile, Argentina, México e Brasil (os dois últimos ausentes do evento), a trabalharem junto com os EUA para aumentar a produção de alimentos e a exportação.
O tema é urgente já que a Guerra da Ucrânia tirou do mercado 30% do trigo produzido mundialmente além de outros produtos, como o óleo de girassol. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 49 milhões de pessoas estão à beira da fome em 43 países diferentes em decorrência do conflito.
Biden mencionou ainda uma cooperação para aumentar a produção e melhorar o transporte de fertilizantes no continente. A pauta é prioritária para o Brasil, que tem a Rússia como principal fornecedor do produto e enfrenta escassez do material, o que pode impedir o país de aumentar sua safra de grãos.
Embora tenha confirmado sua presença na Cúpula, Jair Bolsonaro não se deslocou aos EUA a tempo de prestigiar a abertura do evento. Ele estará apenas nas sessões plenárias de 9 e 10 de junho.
O clima no anfiteatro em que Biden discursou era típico dos grandes eventos de entretenimento americano. Antes que Biden inaugurasse a sessão de mais alto nível da Cúpula, participantes pegavam enormes filas para se abastecer com sacos de pipoca e refrigerante. As falas de políticos, como do governador da Califórnia Gavin Newson, da vice-presidente americana Kamala Harris e do presidente peruano Pedro Castillo, cujo país foi anfitrião da edição anterior do evento, foram entremeadas por shows de cantores do México, EUA e Colômbia e até uma apresentação do grupo circense Cirque du Soleil.
Segundo diplomatas ouvidos reservadamente pela BBC News Brasil, o presidente Bolsonaro, que concorrerá à reeleição em outubro e está em segundo lugar nas pesquisas de intenções de voto, não queria perder quatro dias completos de pré-campanha para comparecer ao evento de Biden. No total, ele deve permanecer no país por menos do que 72 horas — isso porque atravessará o país para se encontrar com apoiadores em Orlando, na Flórida.
A menção de Biden à crise dos alimentos, aos fertilizantes e ao Brasil, no entanto, foi breve. Na maior parte do tempo, o presidente americano se dedicou a um tema que Bolsonaro gostaria de evitar: a democracia.
‘Ingrediente essencial para o futuro das Américas’
O presidente americano apontou para a crise das democracias no mundo e para a necessidade de que os chefes de Estado reafirmem mais uma vez as benesses desse sistema de governo.
“Quando a democracia estiver sob ataque em todo o mundo, vamos nos unir novamente e renovar nossa convicção de que a democracia não é apenas a característica definidora”, disse Biden, “mas o ingrediente essencial para o futuro das Américas”.
A gestão do democrata trata o tema como urgente especialmente depois que apoiadores do ex-presidente Donald Trump invadiram o Congresso, em 6 de junho de 2021, e interromperam por algumas horas a certificação de Biden como novo mandatário do país. O assunto segue forte na agenda do país: esta semana marca o início dos depoimentos na comissão parlamentar que investiga o episódio no congresso americano.
Apoiador e admirador de Trump, Bolsonaro, que se encontrará pela primeira vez com Biden na quinta-feira (9), voltou a ecoar esta semana falsas alegações de fraude nas eleições americanas de 2020.
“Quem diz (sobre fraude nas eleições dos EUA) é o povo americano. Eu não vou entrar em detalhe na soberania de um outro país. Agora, o Trump estava muito bem e muita coisa chegou para a gente que a gente fica com o pé atrás. A gente não quer que aconteça isso no Brasil”, afirmou Bolsonaro, o último líder do G-20 a reconhecer a vitória de Biden.
O teor dos comentários do presidente brasileiro sobre o processo eleitoral dos EUA não é inédito e explica em parte por que o democrata evitou um contato mais próximo com Bolsonaro por um ano e meio. Atualmente, o presidente brasileiro tem feito afirmações de descrédito às urnas brasileiras e dito que pode não aceitar os resultados do pleito no país. Em diversas ocasiões, o governo americano rebateu tais declarações dizendo que as instituições eleitorais brasileiras são robustas e confiáveis.
No discurso de abertura, Biden se disse disposto a trabalhar com aqueles líderes com quem tem diferenças. “Nem sempre concordamos em tudo. Mas porque somos democracias, trabalhamos com nossas divergências, respeito mútuo e diálogo”, afirmou.
Apesar do desejo da diplomacia brasileira de evitar o tema eleitoral, e da sinalização dos americanos de que a primeira conversa entre os dois líderes seria uma forma de estabelecer pontes e não trocar acusações, nesta quarta-feira (8), véspera do encontro bilateral, Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, disse que não haverá tópicos proibidos na conversa entre os presidentes.
“Os presidentes vão discutir sobre eleições abertas, livres, transparentes e democráticas. E o clima será um tema importante da conversa, acreditamos que poderá ser uma área de progresso na relação entre Brasil e EUA, especialmente em ações tangíveis para proteger a Amazônia”, disse Sullivan.
O que podemos fazer juntos?
Os americanos chegam ao evento depois de semanas temendo por um fiasco. É a segunda vez que a reunião acontece nos EUA, que criou a Cúpula das Américas. Na primeira edição, em 1994, 34 chefes de Estado ou de governo compareceram ao evento.
Agora, serão apenas 22 – Venezuela, Cuba e Nicarágua foram excluídas do evento pelos americanos, que consideram seus regimes ditatoriais, e os demais decidiram não vir, e justificaram a falta pela exclusão daqueles três países. A principal ausência é a do presidente mexicano Andrés Manuel Lopez Obrador.
De acordo com analistas, embora digam que o evento é prioritário para sua agenda de política internacional, os americanos carecem de um plano claro para a região, capaz de rivalizar com o crescente aumento de influência da China, que na última década investiu pesadamente em infraestrutura na América Latina.
“A questão não é mais o que os EUA podem fazer pelas Américas, mas o que podemos fazer juntos como um continente”, disse Biden em seu discurso, em uma afirmação que parece reconhecer o novo momento na relação com os vizinhos do continente.
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