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Jair Bolsonaro e Milton Ribeiro durante evento no Palácio do Planalto em 4 de fevereiro

Em meio a uma série de denúncias de irregularidades envolvendo o Ministério da Educação, líderes da oposição no Senado estão coletando assinaturas para pedir a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e investigar a gestão no órgão.

Caso seja instalada, a CPI poderá atingir em cheio o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) em pleno período eleitoral no momento em que as pesquisas mostram um aumento nas suas intenções de voto.

Na sexta-feira (8/04), o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) anunciou pelo Twitter que tinha conseguido a quantidade necessária de assinaturas para pedir a instalação da CPI.

Horas depois, porém, a senadora Rose de Freitas (MDB-ES), cujo apoio à comissão estava contabilizado, negou ter assinado o requerimento.

Além de atingir o governo em pleno período pré-eleitoral, a CPI pode afetar um dos principais motes do presidente Jair Bolsonaro (PL): o de que em mais de três anos, seu governo não foi alvo de nenhum caso de corrupção.

A alegação vai na contramão de denúncias tanto sobre as supostas irregularidades no MEC quanto sobre a suposta cobrança de propina pela compra de vacinas contra a covid-19 revelada durante a CPI da Covid, no ano passado, e as investigações envolvendo a atuação do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, suspeito de ter beneficiado madeireiras do Pará enquanto ocupava o cargo.

Bolsonaro deverá se candidatar à reeleição e aparece atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas principais pesquisas de intenção de voto.

Mas qual a origem da crise no MEC? Qual objetivo de uma eventual CPI e que crimes seriam investigados? E que impactos essa eventual CPI poderia causar na corrida eleitoral?

Para o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto, a comissão, por seu caráter imprevisível, poderia ter efeitos negativos no governo Bolsonaro.

Apesar disso, Couto afirma que a dinâmica do período eleitoral e a necessidade de os parlamentares se dedicarem às suas próprias eleições pode acabar esvaziando a CPI.

Impactos da CPI

Para Cláudio Couto, a abertura de uma CPI sobre irregularidades no MEC pode, sim, fragilizar o governo e, por isso, ele acredita que haverá um esforço do Palácio do Planalto para dificultar a sua instauração.

“É um cenário imprevisível porque quando se inicia uma CPI, há sempre a possibilidade de uma testemunha revelar crimes e não tem como saber a repercussão disso em uma eleição acirrada. Até por isso, o governo vai tentar barrar essa comissão”, afirmou Couto.

Durante a CPI, os parlamentares podem requerer o depoimento de testemunhas, incluindo ministros de estado, servidores públicos, empresários e, no caso de uma CPI sobre o MEC, os pastores suspeitos de irregularidades também estariam nesse rol. Durante a CPI da Covid, o interesse do público elevou a audiência das emissoras e sites que transmitiam os depoimentos.

Além disso, os parlamentares podem pedir acesso amplo a documentos sigilosos, extratos bancários e quebras de sigilo fiscal e telefônico que poderiam, em tese, colocar pressão sobre integrantes do governo.

Cláudio Couto diz, porém, que mesmo que ela seja criada, a CPI pode acabar esvaziada por conta da própria dinâmica eleitoral. Muitos senadores estão em plena corrida eleitoral ou empenhados nas candidaturas de seus aliados, o que diminuiria a atenção dada por eles às investigações.

“As eleições vão consumir muita energia dos senadores e isso pode acabar esvaziando essa CPI. A maior parte deles ou está tentando se reeleger ou está engajada nas campanhas em seus redutos eleitorais. Isso tem um impacto direto na energia que eles poderão dedicar a uma investigação como essa”, explicou o professor.

O pedido de abertura de CPI acontece semanas depois de os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo publicarem reportagens mostrando que pastores evangélicos estariam cobrando propina de prefeitos do interior do país em troca de acesso ao ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e da liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Em um áudio, Ribeiro admitiu que uma de suas prioridades era ajudar prefeitos que fossem próximos a um dos pastores envolvidos.

Prefeitos ouvidos pelos dois veículos afirmaram que os pedidos de propina chegavam a R$ 15 mil. Segundo eles, os pastores teriam pedido até propina paga em ouro ou na compra de Bíblias.

Ribeiro negou sua participação em irregularidades e disse ter encaminhado suspeitas aos órgãos de controle. Em uma transmissão na internet, Bolsonaro chegou a dizer que colocaria sua “cara no fogo” pela inocência de Milton Ribeiro. Mesmo assim, no dia 28 de março, Ribeiro pediu exoneração e deixou o comando do ministério.

A crise no MEC se intensificou depois que o jornal O Estado de S. Paulo revelou que o FNDE, comandado por Marcelo Ponte, um ex-assessor do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), ignorou alertas da área técnica do órgão e deu continuidade a um processo de licitação para a compra de ônibus escolares com indícios de sobrepreço.

Após a revelação, o governo reduziu o preço que seria pago pelos veículos, mas o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o processo seria suspenso até que o caso fosse analisado pelo órgão. Inicialmente, o governo estava disposto a pagar até R$ 2.045 bilhões, mas acabou diminuindo o valor para R$ 1,5 bilhão.

Em meio a esse contexto de denúncias, a oposição passou a coletar assinaturas para a instalação da CPI. São necessárias as assinaturas de 27 senadores (o equivalente a um terço do total) para que o requerimento possa ser encaminhado à Presidência do Senado. Nos bastidores, o governo se empenha para evitar que a oposição obtenha as assinaturas

Além disso, é preciso que haja a determinação de pelo menos um fato determinado a ser investigado e que haja disponibilidade orçamentária para custear os trabalhos da comissão.

Quais acusações seriam investigadas?

De acordo com o requerimento para instauração da CPI, pelo menos oito crimes seriam investigados pelos senadores caso a comissão entre em funcionamento: peculato (quando um servidor se apropria de um bem público em proveito próprio); emprego irregular de verbas; corrupção passiva e ativa; prevaricação (quando um servidor público retarda ou deixa de cumprir suas obrigações em benefício próprio); advocacia administrativa; tráfico de influência; e usurpação de função pública.

O requerimento inclui como possíveis investigados o ex-ministro Milton Ribeiro e o presidente Bolsonaro.

Ainda de acordo com o requerimento, o prazo para a conclusão dos trabalhos é de três meses que podem ou não ser prorrogados.

Ao final do prazo estipulado, o relator ou relatora da CPI deverá entregar um relatório que pode ou não sugerir o indiciamento das pessoas consideradas responsáveis pelos crimes investigados. O relatório é depois entregue ao Ministério Público, a quem cabe abrir os eventuais processos criminais.

Crédito, Waldemir Barreto/Agência Senado

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Pacheco assumiu a presidência do Senado com apoio de Bolsonaro, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e até de partidos de esquerda

Início da CPI depende de Pacheco

Apesar das assinaturas, o início do funcionamento da CPI depende do aval de Rodrigo Pacheco. Em 2021, ele hesitou para autorizar a abertura da CPI da Covid e só determinou o início dos trabalhos da comissão após uma ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na quinta-feira (7/03), Pacheco evitou se posicionar sobre o mérito do pedido de abertura de CPI sobre o MEC. Segundo ele, é preciso que fique claro qual é o “fato determinado” que justifique a instauração da comissão.

“Os critérios de CPI [são] assinaturas, o fato determinado, o orçamento previsto. Então, quando se exige a existência de fato determinado, há um crivo, sim, da presidência [do Senado] de se entender se aquele fato determinado deve justificar uma CPI ou não. Então, há esse critério, sim. [Não é] qualquer fato. Tem que ter um fato que justifique uma CPI”, disse Pacheco.

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