Uma vasta diversidade de animais, rios e mata compõem um dos mais ricos e complexos biomas do mundo. A Floresta Amazônica é considerada um tesouro natural brasileiro, descrita por veículos de imprensa internacional como os pulmões do mundo. Mas tanta riqueza atrai os olhares e interesses de muitos criminosos.
Com base em informações recebidas por fontes como promotores, policiais, jornalistas e militares, a BBC News Brasil listou alguns dos principais grupos criminosos que atuam no maior Estado do país, o Amazonas. Entre eles, estão o garimpo e pesca ilegais, prostituição infantil, as facções criminosas e a desmatamento causado pelos madeireiros.
De acordo com levantamentos e fontes ouvidas pela reportagem, a maior parte do que é extraído da floresta é exportado para a América do Norte e países da Europa. Alguns especialistas que atuam na região ainda relatam laços entre traficantes, pescadores e caçadores.
Cartéis do tráfico de drogas
A Floresta Amazônica se tornou uma das mais conhecidas e disputadas rotas para o tráfico de cocaína.
O rio Amazonas serve de escoamento para a maior parte da cocaína refinada nos maiores produtores do mundo: Peru e Colômbia, que formam uma tríplice fronteira com o Brasil.
O comandante do Exército Colombiano disse em entrevista à BBC News Brasil em 2017 que, a cada 80 kg de cocaína, as mulas, como são chamados os homens que fazem a travessia dessa fronteira, ganhavam em torno de 2 milhões de pesos colombianos (ou R$ 2 mil).
Na outra ponta, principalmente na Europa, a mercadoria chega a ser vendida por preços 20 vezes maiores.
Os incontáveis igarapés e braços do rio Amazonas facilitam bastante o trabalho dos traficantes de escoar a produção de cocaína na Amazônia. Ali é a origem da maior parte da cocaína exportada para a Europa, por meio de portos da região Norte, e também distribuída no Brasil. Com isso, a região se tornou um ponto vital para o tráfico e difícil de ser observada.
Em 2017, se todos os barcos do Exército fossem colocados na água ao mesmo tempo, cada um teria uma área de 45 km para vigiar.
Garimpo ilegal
Em busca de ouro e pedras preciosas, o garimpo ilegal se expande na Amazônia.
De acordo com o Ministério Público Federal no Amazonas, em pouco mais de dois anos (2018 – 2020), uma única indústria joalheira de Manaus recebeu 316 kg de ouro de origem ilícita, vindos de garimpos em Roraima, Rondônia e interior do Amazonas, para transformação em joias e barras de ouro.
Segundo o órgão, cada quilo de ouro extraído ilegalmente na Amazônia produz, pelo menos, R$1,7 milhão em danos ambientais.
Um balanço do projeto MapBiomas apontou que 94% da área com mineração artesanal e industrial no país está na Amazônia. O garimpo representa 101,1 mil hectares, o equivalente a 68% desse total.
Segundo o mesmo levantamento, entre 2010 e 2020, a área de garimpos em terras indígenas cresceu 495%.
Madeireiros ilegais
Um levantamento da Rede Simex, que engloba as organizações Imazon, Idesam, Imaflora e ICV, 71.091 hectares sofreram a ação de madeireiros no Amazonas. Ao menos 18.992 hectares, um quarto desse total, ocorreu em locais não permitidos, como terras indígenas e unidades de conservação de proteção integral.
Em 2019, o então superintendente da Polícia Federal no Amazonas disse que ao menos 90% da madeira exportada é ilegal.
Segundo o instituto Imazon, uma área quase três vezes maior do que a cidade de São Paulo teve exploração madeireira na Amazônia entre agosto de 2019 e julho de 2020.
Pesca e caça ilegal
Uma pesquisa realizada entre 2013 e 2014 pelo Center for International Forestry Research (Cifor), entidade baseada na Indonésia, estimou que 278 toneladas de carne de caça são vendidas por ano nas cidades de Benjamin Constant, Tabatinga, Letícia (Colômbia) e Caballococha (Peru), na Tríplice Fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia.
Pirarucu, tracajá, queixada e anta estão entre os animais mais procurados pelos caçadores, mas a lista de espécies consumidas é extensa e inclui espécies como onça pintada e sucuri, segundo o estudo.
Enquanto um tracajá custa ao menos R$ 100 na região, um pirarucu pode ser vendido por mais de R$ 1 mil, de acordo com uma reportagem publicada pela BBC em 2019. Pela lei brasileira, no entanto, só povos indígenas e populações tradicionais podem caçar animais silvestres, e a atividade deve se voltar à subsistência dos grupos.
Em abril de 2020, a Polícia Federal de Tabatinga prendeu dez homens que haviam caçado e pescado na Terra Indígena Vale do Javari peixes e animais que somavam cerca de 300 quilos, como veado, jacaré e macaco.
A extensão do território e a abundância de sua fauna na Amazônia são chamarizes para pescadores e caçadores. Nos últimos anos, houve vários ataques na região atribuídos a pescadores e caçadores ilegais. Os atos foram interpretados como represálias a tentativas de reprimir a ação dos grupos na terra indígena.
Entre 2018 e 2019, uma base da Funai que controla o acesso à Terra Indígena Vale do Javari foi alvejada em oito ocasiões distintas.
Também em 2019, o colaborador da Funai Maxciel dos Santos Pereira foi morto a tiros em Tabatinga, a maior cidade da região. Meses antes, ele havia participado de uma operação que apreendeu grande quantidade de pesca e caça ilegal.
Não houve prisões nem condenações pelo crime.
Em meio à disputa pela rota da cocaína na Amazônia, facções travam uma sangrenta batalha. As principais siglas que atuam na região são a Família do Norte (FDN), Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV).
Segundo a Secretaria da Segurança Pública do Amazonas, 56 pessoque deviaas morreram em um conflito entre membros de duas facções criminosas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, durante um motim que durou cerca de 17 horas. Segundo denúncia do MP do Amazonas, a matança teria sido cometida por integrantes da facção criminosa FDN porque seu comando “entendeu que devia exterminar a concorrência dentro do Compaj”.
Mas esses conflitos extrapolam os muros dos presídios. Nas ruas, os assassinatos cometidos para eliminar membros de facções rivais e tomar o controle da venda de drogas são constantes em diversos bairros de Manaus.
De acordo com pesquisadores, a criação da Família do Norte ocorreu em 2006 justamente para conter a tentativa do PCC de monopolizar o comércio de drogas no Norte do país.
Tráfico de pessoas e prostituição infantil
Mas a Tríplice Fronteira não é usada apenas pelos criminosos que exportam drogas. A região também é conhecida por ser um ponto de exploração humana. São diversos pontos onde adultos prostituem crianças e adolescentes, muitas vezes os próprios filhos, e traficam homens e mulheres para o exterior.
Em apenas uma ação policial em maio de 2021, a polícia resgatou 16 crianças e adolescentes em feiras, porto, rodoviária, embarcações, quitinetes e casas noturnas nas zonas sul, centro-sul e leste de Manaus.
Ao todo, 9 milhões de crianças vivem na Amazônia Legal, região formada por Acre, Amapá, Pará, Amazonas, Rondônia, Roraima e parte dos Estados de Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Os indicadores apontam que, de todas as regiões do país, é ali o pior lugar do Brasil para ser criança, destaca relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). São de lá os mais altos níveis nacionais de mortalidade infantil.
Nos nove Estados da Amazônia Legal, cerca de 43% das crianças e dos adolescentes vivem em domicílios com renda per capita insuficiente para adquirir uma cesta básica de bens, contra 34,3% da média nacional. Além disso, muitas meninas e muitos meninos amazônicos não têm atendidos seus direitos a educação, água, saneamento, moradia, informação e proteção contra o trabalho infantil.
Segundo informações de conselheiros tutelares que atuam em São Paulo. Muitas dessas crianças são “alugadas” por caminhoneiros. Os motoristas viajam a outros Estados acompanhados pelas crianças enquanto cometem abusos durante todo o trajeto.
‘Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61835504’
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