- Mariana Alvim
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Desde 2010, o Brasil nunca tinha contado tantas mortes atribuíveis à ingestão de álcool quanto em 2020 — não por acaso, o primeiro ano da pandemia de covid-19.
Em 2020, foram registradas 8.169 mortes totalmente atribuíveis ao álcool no país — um crescimento de 24% em relação ao número de 2019 (6.594). Também foi um valor consideravelmente maior à média de mortes deste tipo nos dez anos anteriores, de 2010 a 2019: 6.830. Os dados foram revelados pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA) nesta terça-feira (14/6), com base em números do DataSUS.
São consideradas mortes totalmente atribuíveis ao álcool aquelas que poderiam ser evitadas se não houvesse o consumo de bebidas. É o caso de envenenamento por álcool, miopatia alcoólica, da síndrome alcoólica fetal e de transtornos mentais e comportamentais ligados diretamente ao álcool, entre outros.
Psiquiatra e presidente executivo do CISA, Arthur Guerra explica à BBC News Brasil que a queda nas internações é “totalmente explicável por conta da pandemia”, quando os hospitais estavam sobrecarregados pela covid-19 e houve menor procura das pessoas por atendimento devido a outros problemas de saúde.
Quanto à maior mortalidade atribuível ao álcool, Guerra diz que o motivo ainda precisa ser estudado, mas há uma desconfiança.
“Será que existe uma relação entre esses dois números (aumento da mortalidade e queda nas internações)? Será que o número de mortes é explicado pela queda nas internações? É uma suspeita, mas ainda não se pode afirmar isso”, diz Guerra, apontando para a importância de serem realizadas pesquisas com critérios científicos para responder a essas questões.
O maior crescimento de óbitos atribuíveis ao álcool no Brasil em 2020 ocorreu entre adultos de 35 a 54 anos (aumento de 25,6%), seguidos da faixa etária de 55 anos e mais (aumento de 23%) e 18 a 34 anos (aumento de 19,5%). Para homens e mulheres, o crescimento constatado foi semelhante.
“Não temos dúvida de que ocorreu uma maior ingestão de álcool em casa no período da pandemia. Mas o álcool, em geral, não causa morte a curto prazo — a não ser que a pessoa não fique em casa, dirija um carro, algo assim. A morte pelo consumo de álcool costuma acontecer depois de um processo lento: por cirrose, pancreatite, demência alcoólica…” explicou o presidente do CISA, respondendo sobre — e refutando — a possibilidade que a maior mortalidade pudesse estar relacionada a um maior consumo de álcool neste período.
É justamente neste processo lento que pessoas com dependência do álcool são tratadas, na chamada atenção primária — representada, por exemplo, pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Esse tipo de tratamento ambulatorial, e não hospitalar, costuma ser o mais importante para pessoas em risco.
“E a atenção primária esteve muito prejudicada na pandemia”, lembra Arthur Guerra.
Como mostrou a BBC News Brasil em março, também foi detectado nos Estados Unidos um aumento de mortes por álcool no primeiro ano ano da pandemia. Segundo pesquisadores do Instituto Nacional sobre Abuso de Álcool e Alcoolismo (NIAAA, na sigla em inglês) dos EUA, o número de mortes envolvendo álcool passou de 78.927 em 2019 para 99.017 em 2020, um aumento de 25,5%.
Dados oficiais do Reino Unido também mostram um crescimento inédito em 2020 de mortes atribuíveis ao álcool, um aumento de 18,6% na comparação com 2019 (de 7.565 para 8.974 óbitos). Foi o maior número desde que este tipo de informação começou a ser coletada, em 2001.
“Ao tentar entender as elevadas taxas de mortalidade relacionada especificamente ao álcool vistas desde abril de 2020, haverá muitos fatores complexos, e pode levar algum tempo até entendermos completamente todos eles”, diz o site do governo britânico.
Outro levantamento sobre o Brasil, realizado pela organização Vital Strategies, havia mostrado que de 2019 para 2020, houve aumento de 18,4% em mortes relacionadas a “transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool”.
Segundo o CISA, os dados ligeiramente diferentes da sua publicação em relação ao levantamento da Vital Strategies se devem a metodologias distintas e ao momento de extração dos dados — já que o centro trabalhou com informações consolidadas, posteriores a procedimentos de revisão e correção das informações pelo DataSUS.
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