- Nathalia Passarinho – @npassarinho
- Da BBC News Brasil em Londres
A brasileira Camila Félix está trancada, sozinha com seus três cachorros, num apartamento de Xangai, na China, há mais de 40 dias. Até terça (10), ela podia descer por alguns minutos, para um passeio rápido com os animais no condomínio.
Mas, na quarta (11), o segurança do complexo de prédios onde ela vive anunciou no megafone: “Ninguém pode sair dos apartamentos, esse prédio está em alerta vermelho para covid.”
Agora, ela só pode abrir a porta de casa para pegar provisões de emergência enviadas pelo governo, como alimentos e produtos de higiene, e colocar o lixo do lado de fora.
“A situação é muito imprevisível. A gente não sabe quanto tempo vai durar. O lockdown começou em 1° de abril e era para durar quatro dias, mas já se vão mais de 40”, diz ela à BBC News Brasil.
Todo dia, os moradores devem obrigatoriamente fazer testes de covid. Camila diz que já fez mais de 50 desde que o lockdown começou. Se a pessoa testa positivo, ela é levada pelas autoridades chinesas para um “centro de quarentena”.
“As condições são insalubres. Milhares de pessoas ficam num mesmo espaço. Falam que não tem banheiro para tomar banho, holofotes ficam ligados 24 horas por dia, e as pessoas ficam aguardando pelo menos por 14 dias, até o teste dar negativo”, diz Camila, que mora há oito anos na China e trabalha na área de recursos humanos de uma startup americana.
Mas o maior medo da brasileira não é enfrentar as condições difíceis do centro de quarentena. “Se vierem me levar para o isolamento, o que vai acontecer com meus cachorros? Se eles ficarem em casa sozinhos, podem morrer de fome e sede.”
Regras duras de lockdown
Faz sete semanas que Xangai está em lockdown, depois que casos de covid-19 começaram a aumentar rapidamente. A cidade, que tem 27 milhões de habitantes, vive o maior surto de coronavírus desde janeiro de 2020, quando começou a pandemia.
Segundo dados oficiais, mais de 90% dos casos são assintomáticos. Em 8 de maio, havia 80 pessoas hospitalizadas em estado grave e outras 415 com sintomas severos, segundo o Xangai Fabu, boletim oficial da cidade, que foi dividida em zonas verde, amarela e vermelha, conforme o número de infectados.
No total, foram contabilizadas neste ano 536 mortes por covid em Xangai. As vítimas tinham em média 78,9 anos e a maioria não tinha tomado vacinas ou possuía comorbidades.
Em algumas partes de Xangai, moradores precisam ficar dentro de casa e entrega de comida não é permitida. Eles dependem de suprimentos enviados pelas autoridades locais.
Até mesmo sair para procurar atendimento médico em hospital está vetado. Só casos de emergência, com autorização prévia, podem ser admitidos.
A região onde Camila mora está classificada como zona verde, o que, em teoria, permitiria que os moradores se deslocassem pelo bairro. Mas os comitês que administram os condomínios podem tomar decisões independentes e impor regras mais rígidas. Foi o que ocorreu onde a brasileira mora.
“O comitê decidiu que é melhor não sair de casa e operar como uma zona vermelha. Então, não tem como eu sair do meu condomínio, nem se quisesse comprar alguma coisa”, conta.
“O condomínio é gerido por um comitê de vizinhança. E esse comitê é ligado ao Partido Comunista da China, como tudo na China. Então, cada comitê, dependendo da situação, toma decisões independentes. Eles têm salvo-conduto para instituir as regras que eles acham que serve melhor às áreas que estão gerenciando. Eles são a autoridade nesse momento.”
Provisões entregues pelo governo são coletadas por seguranças do condomínio de Camila e são desinfectadas. Depois, colocadas na porta dos moradores, para evitar que saiam de casa para buscar os alimentos.
O portão que leva ao complexo de 140 prédios é guardado dia e noite por seguranças, que impedem a entrada e saída injustificada de moradores.
“O meu condomínio tem quatro portões principais que, em situações normais, todo mundo pode ir e vir. Agora, por causa da pandemia, só um portão está funcionando e tem 24 horas por dia um segurança ali controlando a entrada.”
Segundo relatos, em algumas partes de Xangai, vizinhos de pessoas com covid foram levados para centros de quarentena embora tenham testado negativo e estejam sem sintomas.
Por isso, apesar de não sair de casa, Camila Félix teme ser levada, em algum momento, pelas equipes sanitárias, deixando os cachorros para trás.
Foi o que quase aconteceu com uma vizinha dela, que testou positivo e tem um gato. A mulher ficou desesperada ao ser contatada pelas autoridades e fez um apelo para que algum vizinho ficasse com o animal enquanto ela estivesse no centro de quarentena. Mas ninguém queria se arriscar a sair da porta de casa.
“Ela estava desesperada no grupo de WhatsApp do condomínio, mas ninguém aceitava cuidar do gato dela. Então, eu mandei uma mensagem direto para ela e disse que aceitava ficar com ele, porque poderia isolar o gato num quarto. Eu me coloquei no lugar dela”, conta Camila Félix.
A vizinha deixou o gato do lado de fora do apartamento, e Camila buscou o animal pouco antes de a mulher ser retirada para o centro de quarentena.
Ela só voltaria para o apartamento três semanas depois. “Quando ela retornou, eu coloquei o gato do lado de fora da porta dela, e ela pegou. Até hoje eu nunca vi a vizinha pessoalmente. Mas senti que precisava ajudar”, diz.
“Já tive várias crises de choro pensando no que pode acontecer com meus cachorros se eu pegar covid.”
Tentativa de voltar ao Brasil
Cansada de passar por tantos períodos isolada durante a pandemia de covid, que já dura dois anos, e assustada com a imprevisibilidade do lockdown em Xangai, Camila Félix quer retornar ao Brasil.
Mas está sem passaporte, porque entregou o documento para o departamento chinês responsável por renovar o visto de trabalho dela.
Ela receberia o passaporte de volta em uma semana, mas a espera já dura 50 dias. “O visto, em tese, ficaria pronto no dia 6 de abril, mas desde então não tive notícias. Os serviços de imigração foram suspensos e eles não me respondem”, conta.
Camila tem passagem comprada para retornar ao Brasil no final de maio, mas teme não conseguir deixar a China.
“Preciso do meu passaporte para voltar. O consulado do Brasil tem sido solícito, tentou informações, mas nem eles conseguiram notícias sobre meu passaporte.”
“Querendo ou não, eu estou num país estrangeiro e não posso criticar o jeito como eles fazem as coisas. Sei do esforço dos voluntários. Muitos estão morando nos comitês, sem ir para casa há mais de um mês. Mas o que posso fazer é lutar pelo meu bem-estar, pelo bem-estar dos meus animais e ajudar as pessoas como eu puder, para a gente sair dessa.”
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