- Jeremy Bowen
- da BBC News em Bucha
Um cenário de devastação, com corpos pelo chão. É essa a imagem que tropas ucranianas dizem ter encontrado ao chegar à cidade de Bucha, próxima a Kiev, a capital da Ucrânia
Tropas russas se retiraram de Bucha após serem atacadas por forças ucranianas. Mas antes de sair da cidade, teriam causado mortes de civis.
Os corpos de pelo menos 20 homens estavam espalhados pelas ruas quando as forças ucranianas retomaram o controle de Bucha, após a saída dos russos. Alguns desses homens mortos estavam com as mãos amarradas. O prefeito da cidade disse que 280 pessoas foram enterradas em valas comuns.
“Ainda estamos reunindo e procurando corpos, mas o número já passou das centenas. Há cadáveres nas ruas. Eles mataram civis enquanto estavam lá e quando estavam deixando essas aldeias e cidades”, disse o ministro de Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba.
Diante de relatos como esse, a secretária de Relações Exteriores do Reino Unido, Liz Truss, cobrou que “os ataques indiscriminados” das forças russas a civis sejam investigados como crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional, em Haia. O governo ucraniano também fala em massacre e crime de guerra.
“Não vamos permitir que a Rússia mascare seu envolvimento nessas atrocidades por meio de desinformação cínica e vamos garantir que a realidade sobre as ações da Rússia seja evidenciada”, disse.
Além da morte de civis, há relatos de que tropas russas teriam estuprado mulheres ucranianas. A embaixadora do Reino Unido na Ucrânia, Melinda Simmons, disse que ainda não se sabe a extensão do uso do estupro no conflito, mas afirmou “está claro que foi parte do arsenal”.
“Mulheres estupradas na frente de seus filhos, meninas (estupradas) na frente das suas famílias, como ato deliberado de subjugação. Estupro é um crime de guerra”, acrescentou.
Por sua vez, o canal oficial do Telegram do Ministério da Defesa da Rússia compartilhou uma alegação de que os relatos de mortes de civis na cidade de Bucha são “falsos”.
Ataque ucraniano a tropas russas
A amplitude da devastação nos arredores de Kiev começou à vir à tona neste fim de semana, após a Ucrânia anunciar que retomou o controle da região que cerca a capital ucraniana. Com a saída dos últimos soldados russos de Bucha na sexta (1), jornalistas da BBC puderam entrar na cidade e verificar pessoalmente os estragos deixados pela guerra.
Numa avenida do subúrbio de Bucha, tanques russos estão em destroços. O comboio foi destruido em um das várias emboscadas promovidas pelas tropas ucranias para tentar defender a capital da ofensiva russa.
O governo de Vladimir Putin diz que decidiu concentrar os esforços de guerra no leste da Ucrânia. Mas, segundo apuração do correspondente da BBC, Jeremy Bowen, que está em Bucha, a resistência organizada das forças ucranianas contiveram as tropas russas e impediram que entrassem em Kiev.
Entre as evidências disso estão os destroços do comboio russo que permanecem numa rua de Bucha.
Tropas de elite russas entravam na cidade em veículos blindados leves o suficiente para serem transportados por aeronaves. Eles chegaram pelo aeroporto Hostomel, a poucos quilômetros de distância de Bucha. O aeroporto havia sido atacado e controlado por tropas paraquedistas russas, que chegaram de helicóptero no primeiro dia da invasão, em fevereiro.
Mas os militares foram recebidos por uma forte e determinada resistência ucraniana. Quando a coluna de tanques russos passava por Bucha, a caminho de Kiev, ficou claro que a tarefa de ocupação não seria fácil. A rua é estreita, perfeita para uma emboscada.
Testemunhas dizem que os ucranianos atacaram o comboio com drones Bayraktar, comprados da Turquia. Alguns afirmam que voluntários na defesa territorial da Ucrânia participaram.
Os veículos que estavam na retaguarda e os que lideravam o comboio foram destruídos, bloqueando os do meio. Os destroços dos tanques não foram tocados. Cintos de projéteis de canhão de 30 mm estão na beira da grama, junto com muitas peças de munições abandonadas perigosas e danificadas.
Jovens recrutas fugiram, implorando, segundo a população local, para não serem entregues à defesa territorial ucraniana. Um homem de cerca de 70 anos que se apresentou como tio Hrysha, disse: “Senti pena deles. Eles eram tão jovens, de 18 a 20 anos, com toda a vida pela frente.”
Violência dos russos ao sair da cidade
Aparentemente, os russos, ao se prepararem para sair de Bucha, não tiveram a mesma preocupação. Pelo menos 20 homens mortos estavam caídos na rua quando as tropas ucranianas entraram na cidade. Alguns deles estavam com as mãos amarradas atrás das costas. O prefeito disse que eles enterraram 280 pessoas em valas comuns.
Alguns civis que ficaram disseram que tentaram evitar os russos. Eles acenderam fogueiras fora de seus apartamentos da era Khrushchev, cozinhando ao ar livre porque o gás, a energia e a água foram cortados.
Voluntários estão trazendo suprimentos de Lviv, no oeste da Ucrânia, e de países distantes da guerra, pelo menos geograficamente.
“Este é o primeiro pão que comemos em 38 dias”, disse ao jornalista da BBC uma mulher chamada Maria, olhando para um saco plástico com alguns pães de aparência modesta dentro.
Muitas das pessoas que partiram para áreas mais seguras, ou o exterior, trancaram as portas de suas casas. Os russos removeram as trancas, arrancando os lintéis de concreto e os batentes das portas.
A poucos quilômetros de distância, o rastro de devastação leva ao aeroporto Hostomel. As tropas russas tentaram usá-lo como base para uma investida em Kiev.
O maior avião de transporte do mundo foi destruído no início da invasão. O teto do enorme hangar construído para ele estava crivado por uma constelação de buracos de estilhaços. O avião em si, conhecido pela palavra ucraniana para sonho (Mriya), está lá, com o teto quebrado, grandes pedaços de fuselagem e o motor espalhados ao seu redor. Seu destino é uma parábola do que está acontecendo com a Ucrânia.
Um enorme orgulho nacional foi investido na aeronave, como símbolo da capacidade da Ucrânia de realizar grandes projetos em todo o mundo.
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