- Author, André Bernardo
- Role, Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil
No dia 6 de novembro de 1997, ano do centenário da Academia Brasileira de Letras, Mario Vargas Llosa esteve no Rio de Janeiro para uma conferência na sede da ABL. À época, o escritor peruano ficou hospedado no Copacabana Palace, na Zona Sul da cidade.
“Estou feliz por ter passado alguns dias neste belíssimo hotel, desta belíssima cidade, que é também, como demonstra este precioso livro, um pedaço da história de nosso tempo”, escreveu.
“Se estas paredes (tetos, cadeiras, camas) falassem, quantas coisas maravilhosas e terríveis contariam!”
A importância do Copacabana Palace, que completa 100 anos neste domingo, pode ser mensurada pelo livro de ouro. Nele, constam assinaturas de alguns dos maiores astros do rock, estrelas de Hollywood e chefes de Estado do século 20.
Se as paredes do “Copa” falassem, contariam que, nas dependências do hotel, Anita Ekberg já saiu no tapa com o marido, o ator inglês Anthony Steel, em 1957; que Joan Crawford foi proibida de se hospedar lá por causa de seus pets em 1960; que Brigitte Bardot concedeu uma coletiva só para se livrar da imprensa em 1964.
“Fica entendido que, a partir de agora, os senhores me deixarão em paz”, avisou a atriz francesa.
Ao longo dos últimos cem anos, o Copacabana Palace hospedou cerca de 3 milhões de pessoas – 85 mil delas só em 2022.
A primeira “celebridade” a assinar o livro de ouro do hotel foi Santos Dumont, em 29 de dezembro de 1928. Sua estadia não foi das mais felizes.
Logo no dia de sua chegada, o avião que sobrevoava o navio que trazia Santos Dumont de Paris para lhe dar as boas-vindas sofreu uma pane e caiu no mar.
Do convés do Cap Ancona, ele assistiu à tragédia sem poder fazer nada. O “pai da aviação” até tentou ajudar no resgate de sobreviventes, mas de nada adiantou: todos os tripulantes morreram. Deprimido, passou quase um mês trancado em sua suíte.
Três anos antes, em 21 de março de 1925, o físico alemão Albert Einstein compareceu a um almoço oferecido pelo empresário Assis Chateaubriand, o dono do Diários Associados, no terraço do Copacabana Palace.
No dia seguinte, O Jornal, dirigido por Chatô, estampou a manchete: “O maior gênio que a humanidade produziu depois de Newton”.
Curiosamente, o criador da Teoria da Relatividade não se hospedou no Copacabana Palace, na Avenida Atlântica, e sim, no Hotel Glória, na Rua do Russel, o primeiro cinco estrelas do Brasil.
Os dois hotéis, a propósito, foram projetados pelo mesmo arquiteto: o francês Joseph Gire.
O primeiro deles, o Copacabana Palace, foi inspirado nos famosos Negresco, em Nice, e Carlton, em Cannes, e inaugurado no dia 13 de agosto de 1923. Já o segundo, Hotel Glória, abriu suas portas no dia 15 de agosto de 1922.
A ideia inicial era que o Copacabana Palace também ficasse pronto a tempo de receber os convidados do governo federal para as comemorações do Centenário da Independência, em 1922. Mas, as obras, que começaram em 1919, atrasaram…
“O que mais me impressiona no trabalho do meu bisavô é a quantidade de obras que ele realizou em tão pouco tempo. Muitas de suas obras arquitetônicas foram tombadas e, hoje, figuram como cartões postais não só do Rio de Janeiro, mas também de São Paulo, Buenos Aires e Paris”, orgulha-se o artista plástico Roberto Cabot, bisneto do arquiteto francês e autor de Joseph Gire – A Construção do Rio de Janeiro Moderno.
Só no Rio de Janeiro, Gire deixou sua assinatura no Palácio Laranjeiras, a residência oficial do governador do estado, inaugurado em 1909; nos hotéis Glória, em 1922, e Copacabana Palace, em 1923, e no edifício A Noite, o primeiro arranha-céu da América Latina, em 1929, entre outros.
Um palácio em frente ao mar
A ideia de construir um palácio em frente ao mar em plena Copacabana partiu do então presidente da República, Epitácio Pessoa.
O empresário Octávio Guinle, que pertencia a uma das famílias mais ricas do país, aceitou o desafio. Mas impôs uma condição: construir um cassino dentro do hotel.
Condição aceita, começaram as primeiras importações: os móveis vieram da Suécia, os tapetes da Inglaterra, os lustres da Tchecoslováquia, os cristais e as porcelanas da França… Até o cimento usado na construção do hotel veio da Alemanha.
“Ninguém esperava nada dele. Tanto que Octávio ficou com um ramo que não tinha a menor importância para a família: a hotelaria”, explica o historiador Clóvis Bulcão, autor de Os Guinle – A História de Uma Dinastia.
“Ele se casou com uma arrivista, caiu num golpe e foi deserdado. No entanto, foi capaz de reinventar seu negócio. Transformou um hotel que tinha tudo para dar errado em um empreendimento de renome internacional”.
No tão esperado dia da inauguração, apenas seis dos 230 apartamentos do Copacabana Palace estavam ocupados. Em compensação, havia mais de mil empregados – muitos deles, como o chef francês Auguste Escoffier, trazidos da Europa.
Para azar de Octávio, uma lei federal restringiu os jogos de azar, ainda durante a construção do hotel, a estâncias hidrominerais. Pouco depois de sua inauguração, em 1924, as apostas foram proibidas no país.
Três anos depois de assumir a Presidência, porém, Getúlio Vargas revogou a lei que proibia a jogatina. Diz-se que seu irmão, Benjamim Vargas, o “Bejo”, era um jogador compulsivo.
A alegria dos apostadores, no entanto, durou pouco. Em 1946, o presidente Eurico Gaspar Dutra decretou o fechamento dos cassinos no Brasil.
Uma curiosidade: a diária do Copacabana Palace, há exatos 100 anos, custava menos de U$ 10 e dava direito à pensão completa e transporte gratuito até o Centro.
Um século depois, o preço médio das diárias varia de R$ 2,2 mil, a mais barata, a R$ 25 mil, a mais cara. Isso, sem contar as taxas. Todos os valores são “flutuantes”.
O nome do empresário Octávio Guinle não é o único da família associado ao Copacabana Palace.
Seu sobrinho, Jorge Eduardo Guinle, o Jorginho Guinle, também ganhou notoriedade.
“Jorginho Guinle nunca foi dono do Copacabana Palace. O hotel pertencia ao tio dele, o Octávio. Jorginho gostava de dizer que era o dono para desfrutar de regalias no exterior. Quando viajava, gostava de se hospedar em hotéis cinco estrelas porque seus respectivos donos não cobravam nada dele”, afirma Clóvis Bulcão.
O playboy mais famoso do Brasil se gabava por ter conquistado, entre outras beldades, Marilyn Monroe, Zsa Zsa Gabor e Jayne Mansfield.
Quando publicou sua autobiografia, a atriz austríaca Hedy Lamarr criticou um tal “cafajeste sul-americano” por nunca ter dado a ela o quadro de US$ 600 mil que prometera.
“Jorginho Guinle gostava de contar para todo mundo que o tal ‘cafajeste sul-americano’ era ele”, diverte-se o historiador.
Escândalos à beira-mar
O primeiro grande escândalo do Copacabana Palace aconteceu em 1929: o presidente Washington Luís levou um tiro à queima-roupa. A autora do disparo foi sua própria amante, Yvonette Martin.
Os dois costumavam se encontrar às escondidas em uma das suítes do hotel. Para abafar o caso, o Palácio do Catete, sede do governo na antiga capital, divulgou a versão de que o presidente da República teria sofrido uma crise de apendicite e estava sendo operado às pressas pelo médico Pedro Ernesto.
Foi o primeiro escândalo do ‘Copa’. O primeiro de muitos.
O mais famoso deles, talvez, aconteceu em 1942 por ocasião da visita de Orson Welles, então com 26 anos, ao Rio.
Apesar da pouca idade, o cineasta americano já ostentava um Oscar em seu currículo: o de melhor roteiro, por Cidadão Kane, de 1941.
Segundo o jornalista Ricardo Boechat, autor do livro Copacabana Palace – Um Hotel e Sua História, Orson Welles subiu morros, visitou gafieiras e tomou cachaça.
Em um de seus porres, atirou os móveis do quarto na piscina do hotel depois de brigar com a namorada, a atriz Dolores del Rio, pelo telefone.
Em outra ocasião, Welles telefonou, irritado, para a recepção. Motivo: faltou água bem no meio de seu banho.
O maitre do Copa, o theco Fery Wünsch, providenciou dezenas de garrafas de água mineral e mandou entregá-las na suíte do cineasta.
Minutos depois, ele estava de banho tomado. Dias depois, outra reclamação: os telefones estavam mudos.
O maitre explicou que, por causa do temporal que castigava o Rio, entrou água na tubulação.
“Quando quero tomar banho, falta água. Quando quero usar o telefone, sobra água. Afinal, qual de nós dois é o louco?”, indagou Welles que, apesar dos pesares, recomendou o hotel para a mulher, a atriz Rita Hayworth.
Maitre do hotel por mais de 40 anos, Fery Wünsch colecionou histórias curiosas, divertidas e inusitadas.
Muitas delas foram reunidas em seu livro de memórias, de 1983. Em 1959, a atriz e cantora alemã Marlene Dietrich foi convidada para se apresentar no Golden Room.
Antes de subir ao palco da sala de espetáculos inaugurada em 1938, a estrela chamou o maitre em seu camarim e exigiu um balde de gelo com areia. Como usava um vestido apertado, que a impedia de ir até o banheiro, explicou que, em caso de necessidade, usaria o balde para fazer xixi.
Pelo palco do Golden Room, aliás, passaram incontáveis atrações: de Edith Piaf a Charles Aznavour, de Ella Fitzgerald a Nat King Cole, de Amália Rodrigues a Ray Charles. Nenhuma outra, porém, foi tão marcante quanto a de Tony Bennett, em 1963.
Contratado para fazer três shows na primeira casa de espetáculos da América Latina, deu de cara com a menor plateia de sua carreira: 17 pessoas. Refeito do susto inicial, afrouxou o laço da gravata, sentou-se em um degrau do palco e cantou todas as músicas que estavam previstas no roteiro.
Tão badalados quanto os shows do Golden Room só mesmo os bailes do Copacabana Palace. O primeiro deles aconteceu já no Carnaval de 1924, apenas seis meses depois da inauguração do hotel.
Em 1959, Jayne Mansfield quase ficou com os seios à mostra depois que a alça de seu vestido se soltou; em 1960, Kim Novak, a estrela de Um Corpo que Cai, saiu às ruas disfarçada de “mendiga” para pular o Carnaval.
Em 1962, Rita Hayworth, a eterna Gilda, deu um “pulinho” em Madureira, subúrbio do Rio, para curtir o ensaio da Portela; em 1964, Kirk Douglas compareceu ao baile de gala usando o figurino de seu personagem em Spartacus e, em 1967, Gina Lollobrigida deu uma escapulida até o Baile dos Enxutos no Centro do Rio. A diva italiana foi recebida aos gritos de “Queremos ser Gina!”.
“Ele tinha razão quando me descreveu as maravilhas que eu encontraria neste país”, declarou Rita Hayworth em 1962, referindo-se ao ex-marido, o cineasta Orson Welles, com quem foi casada de 1943 a 1947.
Dois dos mais ilustres hóspedes do Copacabana Palace foram Walt Disney e Carmen Miranda.
O “pai” do Mickey Mouse chegou ao Rio de Janeiro na tarde de 17 de agosto de 1941 para divulgar Fantasia, o terceiro longa-metragem de animação dos estúdios Disney.
Durante um jantar, conheceu o cartunista brasileiro J. Carlos que o presenteou com o desenho de um papagaio abraçando o Pato Donald. Até hoje, não se sabe se a ilustração que Walt Disney ganhou de presente no Copacabana Palace chegou a servir de inspiração para o Zé Carioca.
Se a estadia de Walt Disney durou apenas 23 dias, a de Carmen Miranda chegou a quatro meses.
Ela e sua família fizeram o check-in no dia 3 de dezembro de 1954. Sua saúde estava tão abalada que a irmã, Aurora, não hesitou em chamar um médico. Entre outras recomendações, proibiu visitas.
Uma das poucas vezes em que a irmã viu Carmen dar risada foi quando avistou, da janela do quarto, um hóspede perder o calção ao mergulhar na piscina do hotel. Carmen Miranda regressou aos EUA em 4 de abril de 1955. Morreu quatro meses depois, aos 46 anos.
Expulsos por mau comportamento
Entre as centenas de celebridades que se hospedaram no Copa, pelo menos duas foram expulsas por mau comportamento: a cantora americana Janis Joplin, em 1970, e o roqueiro inglês Rod Stewart, em 1977.
A primeira por ter mergulhado nua na piscina e o segundo por ter jogado bola na suíte presidencial.
O mais curioso é que, oito anos depois, a produção do Rock in Rio tentou hospedá-lo no hotel, mas não conseguiu.
“Falta de quartos”, alegou a gerência. O jeito foi acomodar o “aprendiz de jogador de futebol” no Rio Palace, ali pertinho.
Em janeiro de 1985, a produção do Rock in Rio reservou 40 quartos para hospedar, entre outros artistas, os integrantes de três das maiores bandas da primeira edição do festival: Queen, Iron Maiden e AC/DC.
Quem também estava hospedada no hotel era a então primeira-dama Dulce Figueiredo.
Toda vez que ela entrava ou saía, conta o jornalista Luiz Felipe Carneiro, autor de Rock in Rio – A História, os metaleiros que se amontoavam na portaria à espera de uma foto ou de um autógrafo de seus ídolos berravam: “Janis Joplin! Janis Joplin!”.
“Um dos meus maiores perrengues foi o show do Lenny Kravitz, em 2005, na Praia de Copacabana. O palco é montado sempre em frente ao Copacabana Palace e, naquela ocasião, a multidão quase invadiu o hotel. Tivemos que reforçar a segurança”, recorda Andréa Natal, que, entre outras funções, exerceu o cargo de diretora geral de 2012 a 2020.
“Às vezes, o hóspede que dá mais trabalho é o ‘não-celebridade’. Bebe um pouco mais e, depois, custa a dormir. Os Stones, por exemplo. Sempre se comportaram super bem”.
Em 2006, numa das apresentações da banda na cidade, a atriz e modelo Patti Hansen, mulher do guitarrista Keith Richards, gostou tanto da cama que pediu para levar o colchão para casa. O hotel, é claro, atendeu à solicitação da hóspede.
Em junho de 1992, o Rio voltou a sediar um evento internacional: a Rio-92. Só o Copacabana Palace acolheu delegações de 12 países, como China e Reino Unido. Um ano antes, em 1991, hospedou o príncipe Charles e a princesa Diana.
Por volta das duas da madrugada, Lady Di pediu à gerência que acendesse as luzes da piscina para dar um mergulho. Suas braçadas foram flagradas por um paparazzo no Edifício Chopin, vizinho ao hotel.
A piscina semiolímpica, construída em 1934 e ampliada em 1949, é apenas uma das atrações do Copa.
O hotel, de 220 unidades, abriga também um teatro, o Copacabana Palace, com capacidade para 323 espectadores; uma quadra de tênis, três restaurantes – dois deles com estrela Michelin – e uma segunda piscina, apelidada de “black pool”, privativa dos hóspedes do sexto andar, o mais cobiçado do hotel.
Além de hóspedes, o Copacabana Palace tem um morador ilustre: o cantor Jorge Ben. Desde 2018, o autor de “País Tropical” mora no hotel. Mudou-se para lá por conta de uma reforma em seu apartamento e nunca mais saiu.
Em 1987, dez anos antes da visita de Vargas Llosa, Gore Vidal também se hospedou no Copacabana Palace.
O escritor americano veio ao Rio para divulgar De Fato e De Ficção. “Velha, decadente, mas digna… Do jeito que eu gosto”, declarou, ao entrar em sua suíte.
Dois anos depois, o Copacabana Palace, em crise financeira, deixou de pertencer à família Guinle. Foi vendido ao grupo Orient-Express, atual Belmond, por US$ 25 milhões.
“O Copacabana Palace é um símbolo reconhecido internacionalmente na indústria hoteleira. Além de honrar seu legado, quero motivar as futuras gerações”, afirma o atual gerente geral, o português Ulisses Marreiros, que assumiu a função em janeiro de 2021 e comanda hoje uma equipe de mais de 500 funcionários.
“Às vezes, me sinto como o maestro de uma orquestra. Outras, como o timoneiro de uma grande embarcação. Mais do que um trabalho, ser gerente de um hotel de luxo como o Copacabana Palace é quase um lifestyle.”
Fonte: BBC
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