- André Biernath – @andre_biernath
- Da BBC News Brasil em Londres
Engana-se quem pensa que jogadores de ponta têm uma vida livre de restrições: ao menos na hora de comer, eles precisam seguir dietas bem controladas para aguentar o ritmo dos treinos e das partidas.
Nas últimas décadas, o avanço da ciência permitiu entender como a falta ou o excesso dos nutrientes — como carboidratos, proteínas, gorduras, vitaminas e sais minerais — afeta diretamente o desempenho deles em campo.
Quando o atleta está com estoques baixos de carboidrato, por exemplo, ele pode não ter a energia necessária para dar aquela corrida final e marcar um gol decisivo.
Já se ele consome alimentos muito gordurosos poucas horas antes de uma partida, a digestão fica pesada e impede movimentos ágeis e vigorosos.
O assunto é tão importante que as equipes contratam chefs de cozinha e nutricionistas, que acompanham a delegação durante a Copa do Mundo.
A seleção brasileira, por exemplo, possui dois cozinheiros no Catar. E eles levaram para lá alguns ingredientes tradicionais do país, como farinha de mandioca, café em pó e temperos típicos.
Entenda a seguir como os cuidados com a alimentação se tornaram tão importantes no futebol — e cada vez mais significam a diferença entre uma vitória ou uma derrota.
Carboidratos: a moeda de troca
Eis o nutriente-chave para a boa performance em campo: presente em pães, massas, doces e frutas, o carboidrato é a energia que nosso corpo utiliza para se movimentar.
O fisiologista do exercício Bruno Gualano, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), explica que o futebol “é um esporte marcado por tarefas intermitentes”.
Ou seja: falamos aqui de uma prática que intercala momentos muito intensos — como a corrida até a linha de fundo ou o pulo para cabecear a bola — com outros de mais calmaria — em que os integrantes da equipe ficam parados, aguardando o adversário.
“Esse tipo de atividade costuma exigir muito carboidrato, que é estocado em dois lugares: nos músculos e no fígado”, diz.
O nutriente fica armazenado na forma de glicogênio. Daí, quando o corpo precisa de combustível, essas reservas são acionadas rapidamente.
“O glicogênio vai gerar o ATP, uma espécie de moeda de troca do organismo que transforma a energia química em energia mecânica e permite a contração dos músculos”, complementa Gualano.
Resumindo, quando comemos um prato de macarrão, por exemplo, os carboidratos contidos ali são quebrados e absorvidos pelo intestino. Na sequência, eles ficam guardados nos músculos e no fígado — e são usados para produzir a energia necessária para o corpo se movimentar durante uma atividade física.
Mas é claro que os jogadores de futebol não podem comer qualquer tipo de carboidrato: a recomendação é que eles consumam principalmente as fontes de rápida absorção, como a batata doce, o arroz, o macarrão…
Em alguns casos, os profissionais de saúde também recomendam o uso de suplementos específicos.
“Isso é importante para repor os estoques de glicogênio imediatamente depois das partidas e dos treinos”, aponta Gualano.
“Quanto mais rápido essa nova leva de carboidrato for absorvida pelo intestino, mais fácil fica para restaurar as perdas pelo esforço físico.”
Embora não seja fácil medir com precisão os tais estoques de glicogênio, os especialistas sabem que atletas com uma baixa quantidade dessa substância durante a partida podem apresentar fadiga precoce.
“Com isso, eles se cansam mais rapidamente, o que é terrível para o futebol, em que há a exigência de manter um alto desempenho por 90 minutos ou até a prorrogação”, pontua o professor da USP.
“E a falta de carboidratos pode interferir até nas habilidades cognitivas, que são importantes na hora de tomar decisões ao longo do jogo.”
Proteínas: o alicerce do corpo
Se os carboidratos são o combustível, as proteínas fornecem a estrutura necessária para que o organismo funcione bem.
“São elas que garantem o processo de construção ou reconstrução da massa muscular”, ensina Gualano.
“Se a reposição proteica não for adequada, há o risco de atrofia ou perda de músculos, o que não é nada bom para o jogador que depende dessa estrutura para fazer as atividades de potência”, complementa.
As principais fontes desse nutriente são os ovos, o leite, os laticínios, as carnes e os grãos — como o feijão e a soja.
“Hoje, é perfeitamente possível o jogador ser vegetariano e garantir um bom aporte de proteínas para desempenhar uma função em alto nível”, garante o fisiologista.
Gualano observa que, ao contrário do que acontece com os carboidratos, em que deficiências nutricionais são frequentes, o consumo de proteínas costuma ser adequado entre os atletas brasileiros.
“Mas uma coisa que descobrimos recentemente é que a ingestão de proteínas deve ser bem distribuída ao longo do dia”, diz Gualano.
“Não adianta você ter muito desse nutriente no café da manhã e negligenciá-lo no jantar.”
De forma prática, os jogadores são orientados a comer cerca de 20 a 30 gramas de proteínas em cada uma das refeições que fazem.
Gordura: mocinha ou vilã?
Ao contrário do que muita gente pensa, as gorduras são fundamentais para a saúde quando consumidas na medida certa.
“Muito se culpa a gordura pelo excesso de peso, mas esse nutriente tem um papel importante, inclusive na síntese de colesterol, que é essencial para formar as fibras musculares”, pondera Gualano.
O fisiologista aponta que o problema começa quando o atleta ingere uma quantidade maior do que é gasto nos treinos e nos jogos.
“E temos histórias de jogadores talentosíssimos que sempre tiveram dificuldade para manter o peso”, lembra.
De forma geral, os especialistas recomendam que esses indivíduos não comam alimentos muito gordurosos poucas horas antes das partidas.
Isso porque a digestão dessas moléculas costuma ser um pouco mais demorada — e a tendência é que fiquemos mais sonolentos e cansados durante esse processo (lembre-se de como você costuma ficar depois daquele prato de feijoada).
Micronutrientes: os detalhes que fazem a diferença
A deficiência de vitaminas e sais minerais é outro fator decisivo dentro de campo.
Isso porque muitas dessas substâncias — como o sódio, o cálcio e o potássio — garantem o funcionamento dos músculos e a formação de ossos firmes e fortes.
“Para detectar essas faltas, os atletas passam por avaliações periódicas. Se o profissional de saúde identifica níveis baixos, pode sugerir mudanças e complementos na dieta”, descreve Gualano.
O especialista conta que a área dos suplementos também evoluiu consideravelmente nos últimos anos.
“Muitas vezes, não é necessário suplementar vitaminas e sais minerais, mas hoje temos opções que melhoram aspectos específicos do desempenho esportivo”, diz.
Ele cita como exemplo a creatina, que oferta aquela molécula ATP diretamente para o corpo, e a cafeína, que estimula o sistema nervoso central e aumenta a atenção. Há ainda substâncias que aliviam a sensação de fadiga e de músculos “pesados”.
Que fique claro: o uso desses produtos não é indicado para todo mundo e a orientação de um especialista na área é fundamental para obter os benefícios sem colocar a saúde em risco.
Água: um gole sempre que possível
Para fechar a lista, Gualano chama a atenção para o papel da hidratação na performance dos atletas.
“Alguns jogadores chegam a emagrecer dois a três quilos durante uma partida. Isso acontece basicamente pela queima de glicogênio e a perda de água.”
“Uma cena que veremos com muita frequência nesta Copa do Mundo são os jogadores aproveitando qualquer parada técnica para tomar uns goles naquelas garrafinhas”, observa.
Vale lembrar que o torneio é disputado no Catar que, apesar do controle de temperatura dentro dos estádios, é um país muito quente e com baixa umidade do ar.
Todas essas condições facilitam a perda de líquidos do organismo por meio da transpiração.
“A desidratação é algo frequente em modalidades mais longas que o futebol, como a maratona”, compara Gualano.
“Porém, quando os jogos são disputados numa condição mais hostil, será necessário tomar alguns cuidados extras.”
“E uma sensação de boca seca ou dificuldade para produzir saliva já são sinais para se hidratar”, finaliza.
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