Reuniões virtuais e presenciais aos fins de semana com horas de duração, idas e vindas de delegações europeias a Brasília e a perspectiva de decidir apenas aos “45 minutos do segundo tempo” o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia.
É assim que diplomatas dos dois blocos vêm intensificando as negociações para que o pacto seja finalizado antes da posse do novo presidente argentino, Javier Milei, no dia 10 de dezembro.
Três fontes diplomáticas brasileiras e um membro da equipe econômica ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que, nos últimos dias, as negociações avançaram, mas que o principal entrave à conclusão do acordo ainda persiste: as exigências ambientais feitas pelos europeus.
Os diplomatas e um membro da equipe econômica do governo avaliam, no entanto, que a vitória do economista libertário Javier Milei nas eleições argentinas deu um impulso a mais no ímpeto dos negociadores para superarem os impasses e finalizarem o acordo antes de o argentino assumir o poder.
A expectativa é que a conclusão do acordo possa ser anunciada até o dia 7, quando será realizada a cúpula de chefes de Estado do Mercosul, no Rio de Janeiro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os atuais líderes de Paraguai, Uruguai e Argentina também deverão participar.
A análise entre os brasileiros, dada em caráter reservado, é que a vitória de Milei, que já se manifestou pelo fim do Mercosul, teria criado uma “janela de oportunidade” para que o acordo, que se arrasta desde 1999 e que teve um avanço decisivo em 2019, seja finalmente concluído.
A ideia é que a incerteza sobre como Milei e sua futura equipe econômica tratarão o assunto — ainda que uma de suas conselheiras tenha dado sinais públicos e privados de suavização de suas propostas — pode levar negociadores de ambos os blocos a flexibilizarem suas posições para que o texto seja concluído.
O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia começou a ser negociado em 1999 e prevê, entre outras coisas, a isenção ou redução na cobrança de impostos de importação de bens e serviços produzidos nos dois blocos.
Em 2019, durante a presidência de Jair Bolsonaro (PL), Mercosul e União Europeia assinaram o acordo.
No entanto, novas exigências ambientais europeias e a reação sul-americana a elas acabaram por reabrir a negociação.
Atualmente, o texto passa por uma fase de revisão técnica antes de ser submetido à ratificação pelos Parlamentos de todos os países envolvidos.
Se concluído, vai envolver 31 países, 720 milhões de pessoas e aproximadamente 20% da economia mundial.
‘Corrida pelo acordo’
O impulso final para a conclusão do acordo começou, segundo diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil, ainda em agosto, com reuniões virtuais entre os negociadores dos dois blocos e segue até o momento.
Segundo a BBC News Brasil apurou, uma delegação de negociadores europeus desembarcou em Brasília na semana passada para encontros presenciais.
As reuniões ocorreram entre quinta-feira (23/11) e sábado (25/11), a portas fechadas.
Uma nova rodada de negociações está prevista para os próximos dias e poderá acontecer, inclusive, no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que os chefes de Estado do Mercosul estarão reunidos na capital fluminense para a cúpula do bloco.
Os impasses na área ambiental ainda são considerados os principais entraves à conclusão do acordo, neste momento.
O problema ficou mais evidente em maio deste ano quando os europeus enviaram uma carta adicional ao texto do acordo com exigências ao Mercosul na área ambiental.
Entre elas estavam a necessidade de que os países do bloco sul-americano cumprissem metas negociadas no Acordo de Paris e a previsão de que as metas de desmatamento fossem estabelecidas em comum acordo entre os blocos e não mais de forma individual, pelos próprios países.
Como o Brasil é, entre todos os países do Mercosul e da União Europeia, o que tem a maior extensão de florestas, as exigências foram vistas pelo governo brasileiro como uma afronta e uma espécie de “protecionismo verde”, termo usado para classificar medidas de protecionismo comercial sob o pretexto de serem motivadas por preocupações ambientais.
“A carta adicional que a União Europeia mandou para o Mercosul é inaceitável. É inaceitável porque eles colocam punição para qualquer país que não cumprir o Acordo de Paris”, disse o presidente Lula em junho deste ano, durante visita à Itália.
Em setembro, o Mercosul respondeu à carta dos europeus rebatendo alguns dos principais tópicos do documento e propondo a criação de um fundo de 12 bilhões de euros (cerca de R$ 65 mil) para ajudar países do bloco a implementarem políticas ambientais e de redução do desmatamento.
Segundo um diplomata ouvido pela BBC News Brasil, nos últimos dias, os europeus teriam se mostrado mais flexíveis às demandas do Mercosul na área ambiental.
O tom de sanções e suspeitas em relação à capacidade do bloco de cumprir metas ambientais teria sido trocado por um de cooperação.
Segundo outro diplomata, ainda não há clareza se o fundo proposto pelo Mercosul será ou não aceito pelos europeus.
Nas reuniões do último final de semana, um dos pontos sobre os quais também não houve consenso é sobre como seria feito o monitoramento do cumprimento de metas ambientais entre os países.
O Brasil não seria contrário a uma aferição do cumprimento de suas metas, mas não estaria disposto a delegar essa atividade a terceiros.
‘Janela de oportunidade’
Oficialmente, o governo brasileiro não reconhece que o impulso para a conclusão do acordo ocorreu por conta da eleição de Milei na Argentina, mas Lula já disse, na semana passada, que procurou as lideranças da União Europeia para tentar finalizar o texto.
A ligação foi feita na segunda-feira (20/11), um dia depois de Milei ter vencido as eleições argentinas.
“Ontem (segunda-feira), eu liguei para a Ursula von der Leyen, que é a presidente da Comissão Europeia, para dizer para ela que eu estou querendo negociar o Mercosul ainda na minha presidência e gostaria que a gente conseguisse fazer o acordo”, disse Lula durante seu programa de rádio semanal Conversa com o Presidente, na terça-feira (21/11).
Lula disse ainda que negocia um encontro com a presidente da Comissão Europeia às margens da conferência do clima da ONU, a COP28, que começa em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, nesta semana. O brasileiro participará do encontro a partir de sexta-feira.
“Ela (Von der Leyen) ficou de tentar, quem sabe, lá na COP28 fazer uma reunião comigo e apresentar a resposta definitiva deles sobre as nossas demandas”, disse Lula, também no priograma de rádio.
Diplomatas e um integrante da equipe econômica afirmam, em caráter reservado, que talvez não haja outra “janela de oportunidade” para a conclusão do acordo.
Segundo uma fonte da área econômica que acompanha as negociações, o primeiro fator favorável ao fechamento do acordo é a vitória de Milei na Argentina.
De acordo com essa fonte, haveria um grau elevado de incerteza sobre os rumos da política econômica de Javier Milei, que se autointitula um “anarcocapitalista” — ele que defende uma intervenção mínima do Estado na economia.
Ao longo da campanha presidencial, Milei defendeu o fim do Mercosul e chegou a classificá-lo como um “estorvo”.
Em agosto deste ano, o então candidato à presidência disse em entrevista à plataforma Bloomberg Linea que acredita ser necessário “eliminar o Mercosul”.
“De fato, acho que temos que eliminar o Mercosul porque é uma união aduaneira defeituosa que prejudica os argentinos de bem. É um comércio administrado por estados para favorecer empresários”, disse o então candidato.
Segundo a fonte da equipe econômica brasileira, se o acordo não for firmado antes de Milei assumir, isso poderia dar munição para que os apoiadores do futuro presidente argentino continuem colocando em xeque a existência do grupo.
Entre diplomatas brasileiros, a expectativa é de que ainda que Milei possa ter se posicionado contra o Mercosul, ele dificilmente teria força para criar empecilhos à implementação de um acordo com a UE durante o seu mandato, seja porque o pacto poderia favorecer setores econômicos dependentes da exportação de produtos ou porque não teria força para retardá-lo no Parlamento.
Um ponto visto como positivo por Brasília são as declarações e contatos feitos pela economista Diana Mondino, designada como ministra das Relações Exteriores do governo Milei.
Ela esteve em Brasília neste domingo (26/11) e se reuniu com o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira.
Segundo post do Itamaraty na rede social X (antigo Twitter), Vieira recebeu, no encontro, um convite para que o presidente Lula participe da posse de Milei em 10 de dezembro.
O post diz ainda que foram discutidos no encontro aspectos da relação bilateral e do atual estágio das negociações entre Mercosul e União Europeia.
Durante a campanha presidencial, Mondino disse a interlocutores diplomáticos brasileiros que a ideia não é sair do Mercosul, mas que ele seja reformulado.
Ela tem repetido que quer mais comércio com o Brasil e com o mundo. Segundo ela, o que o futuro governo Milei rejeitará são acordos que considera pouco transparentes entre o governo argentino e outros Estados.
Em entrevista ao jornal O Globo, a secretária de Europa e América do Norte do Itamaraty, Maria Luisa Escorel, disse estar “otimista” com a conclusão do acordo entre Mercosul e União Europeia.
“Sou otimista. Estamos fechando os últimos pontos do acordo”, disse Escorel. “Vamos nos relacionar de maneira madura e adulta com esse presidente”, acrescentou.
Outro fator a favor do acordo seria o papel do ex-presidente Mauricio Macri, que governou a Argentina entre 2015 e 2019, no jogo político do país vizinho e no futuro governo em particular.
Milei ganhou com o apoio de Macri, que ajudou a costurar o pacto com a União Europeia em 2019, quando era presidente. O futuro mandatário não tem maioria no Parlamento e também precisa dos votos que Macri controla ali.
Na Câmara dos Deputados argentina, o total de assentos é 257. Para obter maioria, são necessários 129. O movimento de Milei, o La Libertad Avanza (‘A Liberdade Avança’), no entanto, tem apenas 38.
Estimativas apontam que, com o apoio de outros partidos de direita, incluindo uma parte sob influência de Macri, ele pode chegar a ter o apoio de 90 deputados.
A coalizão peronista, do adversário derrotado e ministro da economia Sergio Massa, obteve 108 vagas.
No Senado, a situação também é adversa para Milei. A coalizão entre os partidos de Milei e de Macri obteve 13 senadores contra 35 da coligação que apoiou Massa.
Para entrar em vigor, o acordo precisa ser ratificado pelos países envolvidos.
No Mercosul, isso é feito pelos congressos nacionais de cada um dos quatro membros ativos.
Já na UE, o parlamento europeu precisa ratificar uma parte do acordo enquanto outras são ratificadas pelos parlamentos nacionais.
O outro fator favorável à conclusão do acordo seria a convergência entre Lula e o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, que é presidente do Conselho da União Europeia, uma das principais instâncias do bloco.
Segundo a fonte ouvida pela BBC, o governo brasileiro quer aproveitar o fato de que Sánchez, que é de esquerda, conseguiu se reeleger como primeiro-ministro espanhol.
A expectativa é que a Espanha possa ajudar a pressionar os outros países-membros do bloco e fazer as negociações com o bloco sul-americano fluir.
No início de novembro, Sánchez e Lula conversaram por telefone sobre o acordo. O espanhol disse querer finalizar o acordo “o mais breve possível”.
“Como presidência de turno do Conselho da União Europeia, a Espanha tem entre suas prioridades alcançar o mais breve possível o acordo UE-Mercosul”, disse Sánchez em uma postagem em suas redes sociais.
Mais recentemente, o chefe da diplomacia da União Europeia, Joseph Borell, também demonstrou interesse em acelerar negociação de acordo.
“O novo governo da Argentina, que assume o cargo em circunstâncias econômicas desafiadoras, pode contar com a UE para fortalecer ainda mais nossa parceria, a fim de obter resultados positivos para nossas sociedades, inclusive com a finalização, o mais rápido possível, das negociações sobre o Acordo de Associação UE-Mercosul”, afirmou ele.
Fonte: BBC
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