- Eyal Winter
- The Conversation*
Como a psiquiatria, que usa métodos médicos e biológicos para tratar transtornos mentais, ultrapassou em grande parte a psicoterapia, que se baseia em abordagens não biológicas, como conversas e aconselhamento, os psicoterapeutas têm buscado desafios alternativos.
Uma abordagem comum é focar em aumentar a felicidade de pessoas mentalmente saudáveis, em vez de aliviar a dor mental e o trauma daqueles que estão sofrendo.
Isso é conhecido como “psicologia positiva”, uma área que recentemente se expandiu para acomodar não apenas psicólogos, mas também assistentes sociais, coaches de estilo de vida e terapeutas da nova era.
Mas há evidências que sugerem que esta abordagem tem um lado negativo.
Talvez o conselho mais comum dado pelos psicólogos positivos seja que devemos aproveitar o dia e viver o momento.
Fazer isso nos ajuda a ser mais positivos e a evitar três dos estados emocionais mais infames, que chamo de emoções RAW, palavra que pode ser traduzida como “cru” ou “bruto”, e é a sigla em inglês para arrependimento, raiva e preocupação (regret, anger e worry, respectivamente).
Em última análise, sugere que evitemos nos concentrar demais nos arrependimentos e sentimentos de raiva em relação ao passado ou nas preocupações com o futuro.
Parece uma tarefa fácil. Mas a psicologia humana é programada evolutivamente para viver no passado e no futuro.
Outras espécies têm instintos e reflexos que ajudam na sua sobrevivência, mas a sobrevivência humana depende muito do aprendizado e do planejamento.
Você não pode aprender sem viver no passado e não pode planejar sem viver no futuro.
O arrependimento, por exemplo, que pode nos fazer sofrer ao refletir sobre o passado, é um mecanismo mental indispensável para aprender com os próprios erros e evitar repeti-los.
As preocupações com o futuro também são essenciais para nos motivar a fazer algo que é um tanto desagradável hoje, mas que pode gerar ganho ou nos poupar de uma perda maior no futuro.
Se não nos preocuparmos em absoluto com o futuro, é possível que nem sequer nos preocupemos em adquirir uma educação, assumir a responsabilidade por nossa saúde ou armazenar alimentos.
Assim como o arrependimento e as preocupações, a raiva é uma emoção instrumental, que eu e meus coautores mostramos em vários trabalhos de pesquisa.
Nos protege contra abusos de outros indivíduos e motiva as pessoas ao nosso redor a respeitar nossos interesses.
As pesquisas mostram, inclusive, que um certo grau de raiva nas negociações pode ser útil, levando a melhores resultados.
Além disso, estudos sugerem que os estados de ânimo negativos em geral podem ser bastante úteis — nos tornando menos crédulos e mais céticos.
Pesquisas estimam que 80% das pessoas no Ocidente têm um viés de otimismo, o que significa que aprendemos mais com as experiências positivas do que com as negativas.
Isso pode levar a algumas decisões mal pensadas, como colocar todos os nossos fundos em um projeto com poucas chances de sucesso.
Então será que precisamos ser ainda mais otimistas?
Por exemplo, o viés do otimismo está ligado ao excesso de confiança — acreditar que, em geral, somos melhores que os outros na maioria das coisas, desde dirigir até em gramática.
O excesso de confiança pode se tornar um problema nos relacionamentos (onde um pouco de humildade pode salvar o dia).
Também pode nos fazer não nos preparar adequadamente para uma tarefa difícil — e culpar os outros quando finalmente falhamos.
O pessimismo defensivo, por outro lado, pode ajudar as pessoas ansiosas, em particular, a se prepararem ao diminuir as expectativas, em vez de entrar em pânico, o que facilita superar os obstáculos com calma.
Interesses capitalistas
Apesar disso, a psicologia positiva deixou suas marcas na formulação de políticas a nível nacional e internacional.
Uma de suas contribuições foi desencadear um debate entre os economistas sobre se a prosperidade de um país deve ser medida apenas pelo crescimento e pelo Produto Interno Bruto (PIB), ou se deve ser adotada uma abordagem mais geral de bem-estar.
Isso levou à conjectura enganosa de que se pode medir a felicidade simplesmente perguntando às pessoas se elas são felizes ou não.
É assim que o índice de felicidade da Organização das Nações Unidas (ONU) — que fornece um ranking ridículo de países por seu nível de felicidade — é construído.
Se os questionários sobre a felicidade medem algo, não é a felicidade em si, mas sim a disposição das pessoas em admitir que a vida é muitas vezes difícil, ou então sua tendência de se gabar arrogantemente de que sempre se saem melhor do que os outros.
O foco excessivo da psicologia positiva na felicidade, e sua afirmação de que temos controle total sobre ela, também é prejudicial em outros aspectos.
Em um livro recente chamado Happycracy, o autor, Edgar Cabanas, argumenta que esta afirmação está sendo usada cinicamente por corporações e políticos para transferir a responsabilidade por qualquer coisa — desde uma leve insatisfação com a vida à depressão clínica — das agências econômicas e sociais para os próprios indivíduos que estão sofrendo.
Afinal, se temos o controle total de nossa felicidade, como podemos culpar o desemprego, a desigualdade ou a pobreza por nosso sofrimento?
Mas a verdade é que não temos controle total sobre nossa felicidade, e as estruturas sociais muitas vezes podem criar adversidade, pobreza, estresse e injustiça — coisas que moldam como nos sentimos.
Acreditar que você pode simplesmente se julgar melhor se concentrando em emoções positivas quando está correndo risco financeiro ou passou por um grande trauma é no mínimo ingênuo.
Embora eu não acredite que a psicologia positiva seja uma conspiração promovida por empresas capitalistas, acredito que não temos controle total sobre nossa felicidade, e que lutar por ela pode deixar as pessoas mais infelizes do que felizes.
Instruir uma pessoa a ser feliz não é muito diferente de pedir que ela não pense em um elefante rosa — em ambos os casos, sua mente pode facilmente ir na direção oposta.
E, no primeiro caso, não ser capaz de cumprir a meta de ser feliz acrescenta uma frustração e um sentimento de culpa substanciais.
E vem então a pergunta de se a felicidade é realmente o valor mais importante na vida. É mesmo algo estável que pode durar ao longo do tempo?
A resposta a estas perguntas foi dada há mais de cem anos pelo filósofo americano Ralph Waldo Emerson:
“O propósito da vida não é ser feliz. É ser útil, ser honrado, ser compassivo, fazer alguma diferença que você tenha vivido e vivido bem.”
*Eyal Winter é professor de economia comportamental/industrial na Universidade de Lancaster, no Reino Unido.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
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