- Author, Sarah Griffiths
- Role, BBC Future
No Oceano Pacífico Sul há duas pequenas ilhas, cuja rocha escura contrasta fortemente com a água azul que bate em suas bordas.
Embora aparentemente nada especiais, elas são tudo o que resta de um enorme vulcão submarino, o Hunga Tonga-Hunga Ha’apai.
As ilhas são, na verdade, pequenos picos na borda de uma grande cavidade em forma de caldeira que é sua cratera.
O vulcão entrou em erupção violentamente em janeiro de 2022, expelindo 10 quilômetros cúbicos de rocha, cinzas e sedimentos e produzindo uma pluma de 58 km de altura.
Foi a maior explosão atmosférica registrada por instrumentos modernos.
A enorme nuvem vulcânica cobriu a região e era tão grande que os astronautas em órbita a bordo da Estação Espacial Internacional podiam avistá-la.
A erupção desencadeou um megatsunami com ondas de até 45 metros de altura, devastando as ilhas de Tonga e causando estragos em lugares distantes como Rússia, Havaí, Peru e Chile.
Pelo menos seis pessoas morreram no tsunami, sendo duas no Peru.
Mas a explosão e o tsunami não foram os únicos eventos recordes causados pela erupção do vulcão. Ele também provocou a tempestade de raios mais intensa já vista.
“É uma erupção de superlativos”, diz Alexa Van Eaton, vulcanóloga do Serviço Geológico dos Estados Unidos, que liderou um estudo da extraordinária atividade elétrica dentro da nuvem de cinzas produzida pelo Hunga Tonga-Hunga Ha’apai.
A tempestade sobrecarregada foi monitorada do espaço por satélites, oferecendo uma visão incomparável dos relâmpagos no alto da pluma vulcânica.
E a fúria do raio foi “como ninguém jamais viu”, diz Van Eaton, ao dar novas informações valiosas sobre o vulcão e sobre o que aconteceu durante a erupção.
Uma tempestade sem precedentes
No auge, a tempestade provocada pela pluma vulcânica sobre o Hunga Tonga-Hunga Ha’apai produziu 2.600 relâmpagos por minuto.
Quase 200.000 relâmpagos iluminaram o interior da nuvem escura de cinzas por 11 horas.
Explosões brilhantes de descargas elétricas subiram 20-30 km acima do oceano, formando alguns dos relâmpagos de maior altitude já registrados.
“Ter raios na estratosfera é muito incomum”, diz Van Eaton.
Já os relâmpagos vulcânicos não são raros.
O relato mais antigo que temos deles é do advogado e escritor romano Plínio, o Jovem, que, em uma carta a um amigo, descreveu “relâmpagos em zigue-zague” que acompanharam a erupção do Monte Vesúvio, que destruiu Pompeia em 79 d.C.
Mas foi a quantidade de raios gerada que surpreendeu os estudiosos sobre vulcões.
“É mais do que vimos em qualquer lugar do planeta, incluindo supercélulas”, diz Peter Rowley, vulcanologista físico da Universidade de Bristol, no Reino Unido.
As supercélulas são uma forma severa de tempestade que traz raios intensos, chuvas extremas e até granizo.
A tempestade elétrica na pluma vulcânica Hunga Tonga-Hunga Ha’apai foi tão intensa que antenas de rádio terrestres a milhares de quilômetros de distância captaram a atividade.
Os pesquisadores acreditam que a tempestade se desenvolveu porque a ejeção altamente energética de magma atravessou o oceano raso.
A rocha derretida vaporizou a água do mar, que foi elevada com a coluna de cinzas e detritos.
A erupção expeliu mais de 146 milhões de toneladas de vapor d’água na estratosfera da Terra, acrescentando 10% à quantidade de água em apenas alguns dias.
A Nasa (a agência espacial americana) informou posteriormente que o volume de água era suficiente para encher o equivalente a 58.000 piscinas olímpicas. O vapor de água atingiu até a mesosfera, uma das camadas superiores da atmosfera.
A interação entre cinzas vulcânicas, moléculas de água e partículas de gelo na pluma, que se formou quando as gotas de água super-resfriaram na atmosfera superior, gerou grandes cargas elétricas — produzindo as condições perfeitas para raios.
“Acontece que as erupções vulcânicas podem criar raios mais extremos do que qualquer outro tipo de tempestade na Terra”, diz Van Eaton.
Mas não foi apenas a intensidade do raio que intrigou Van Eaton e seus colegas.
Anéis concêntricos de raios, centrados no vulcão, expandiram e contraíram na pluma ao longo do tempo.
“A escala desses anéis de raios nos surpreendeu”, diz.
“Nunca vimos nada parecido antes, não há nada comparável em tempestades climáticas. Anéis únicos de raios foram observados, mas não múltiplos, e eles eram pequenos, comparativamente.”
Os pesquisadores acreditam que a responsável por isso foi a intensa turbulência de grande altura criada pela explosão vulcânica.
A grande quantidade de material lançado pela erupção vulcânica rapidamente atingiu a altura máxima e se expandiu para criar uma nuvem em forma de guarda-chuva com mais de 300 km de largura.
O impulso gerado pela explosão fez com que o material na pluma continuasse a “ultrapassar” a estratosfera, gerando ondas concêntricas de movimento rápido conhecidas como ondas de gravidade. Foi um pouco como jogar pedrinhas em um lago.
O relâmpago parecia “surfar” nessas ondas e se expandiu para fora, em um padrão de anéis de 250 km.
“Ver que os anéis de raios se formaram, ou ao menos se associaram, com ondas de gravidade se movendo através da nuvem foi realmente impressionante para nós”, diz Van Eaton.
Foi a primeira vez que os dados demonstraram como uma poderosa pluma vulcânica pode criar seu próprio sistema meteorológico, mantendo as condições para atividade elétrica as alturas e taxas anteriormente não observadas.
“É possível que em erupções muito grandes, esses tipos de anéis de crescimento concêntrico — essas ondas gravitacionais de cinzas — sejam seguidas por raios, talvez mais do que pensamos”, diz Rowley, que não participou do estudo de Van Eaton.
Mas o cientista diz que são necessários mais dados para ter segurança sobre o fato.
Espetáculo revelador
Os relâmpagos ofereceram mais do que um show de luzes impressionante: eles ajudaram a revelar detalhes sobre a erupção do Hunga Tonga-Hunga Ha’apai.
Dados de raios coletados por meio de uma combinação de imagens de satélite e dados de uma antena de rádio terrestre mostraram que o comportamento do vulcão pode ser dividido em quatro fases distintas de atividade.
As taxas de raios aumentaram e diminuíram conforme a altura da pluma mudou.
Começou com uma pluma muito pequena, “tão tênue que ninguém havia prestado atenção nela”, explica Van Eaton.
Então, na fase dois, a pluma começou a subir a partir de uma erupção de intensidade muito maior ao longo de várias horas, expelindo uma grande quantidade de rocha, cinzas e sedimentos no ar — o equivalente à quantidade de rocha necessária para construir a Grande Pirâmide de Gizé 3.800 vezes.
Na fase três, a erupção continuou em menor intensidade e a altura da pluma caiu para cerca de 20 a 30 km de altura, o que “ainda é extraordinário”, diz Van Eaton.
Então houve uma calmaria intrigante quando o vulcão aparentemente fez uma pausa, explica, antes que a fase quatro mostrasse a erupção diminuindo em ferocidade ao longo do tempo.
“Conseguir desvendar esse último suspiro da fase climática é realmente útil para quem precisa prever as emissões de cinzas e seu transporte pela atmosfera”, diz Van Eaton.
Risco ‘subestimado’
Nos dias que se seguiram à erupção, a enorme nuvem de cinzas produzida pelo Hunga Tonga-Hunga Ha’apai foi soprada pelos ventos a cerca de 3.000 km a oeste da Austrália.
As cinzas podem afetar o abastecimento de água e dificultar os esforços de socorro.
Também pode ser extremamente caro para as companhias aéreas: o vulcão Eyjafjallajökull de 2010 na Islândia, por exemplo, custou à indústria da aviação cerca de US$ 1,4 bilhão (cerca de R$ 6,7 bilhões).
Atualmente, é difícil obter informações confiáveis sobre plumas vulcânicas no início de uma erupção, especialmente para vulcões submarinos remotos.
Mas os dados de Hunga Tonga-Hunga Ha’apai podem ajudar os meteorologistas a monitorar e fornecer previsões de curto prazo de perigos para a aviação causados por vulcanismo explosivo, incluindo o desenvolvimento e o movimento de nuvens de cinzas.
Entender isso é vital, pois os cientistas dizem que uma erupção na escala do Hunga Tonga-Hunga Ha’apai provavelmente ocorrerá novamente.
Essa ameaça está impulsionando a colaboração entre os pesquisadores.
David Tappin, especialista em tsunamis vulcânicos do Serviço Geológico Britânico Keyworth e ex-geólogo-chefe do Reino de Tonga, adverte que a natureza inesperada da erupção Hunga Tonga-Hunga Ha’apai destaca que o perigo global de grandes erupções vulcânicas é subestimado .
Há aproximadamente 42 vulcões em todo o mundo com potencial para causar uma erupção tão espetacular quanto a do Hunga Tonga-Hunga Ha’apai, comenta o especialista.
E ele afirma que a erupção recorde deve servir como um alerta para se preparar melhor.
“Esta erupção teve um impacto tão global e de longo alcance que estamos todos começando a reorganizar a forma como nos comunicamos”, acrescenta Van Eaton.
Houve semanas de plumas com níveis mais baixos antes que o Hunga Tonga-Hunga Ha’apai “enlouquecesse”, diz ela.
“Isso mostra que mesmo uma erupção muito comum pode mudar de rumo a qualquer momento, e realmente não há uma maneira fácil de prever isso.”
Este artigo foi publicado originalmente na BBC Future. Para ler a versão original (em inglês), clique aqui.
Fonte: BBC
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