- Jocelyn Timperley
- BBC Future
Em 1915 — poucos anos depois dos primeiros voos controlados da história —, o físico austríaco Robert Ettenreich observava uma aeronave rodeando o céu no sul do Tirol quando notou uma longa e fina nuvem estendendo-se atrás dela.
Ettenreich descreveu o que viu em um estudo de 1919, como sendo “a condensação de uma linha de cúmulos com os gases de escape de uma aeronave”, observando que ela ficou visível por um longo tempo.
A aeronave havia começado a atingir a altura que possibilita a formação de “rastros” de nuvens. E outras pessoas começaram a observar o fenômeno atrás das aeronaves.
Um capitão com inclinação poética do Corpo Médico do Exército dos Estados Unidos descreveu os rastros em 1918 como “diversas nuvens estranhas e impressionantes — longas e graciosas fitas brancas em laços”. E acrescentou que nunca havia visto antes “um avião escrevendo em branco sobre a lousa azul do céu”.
À medida que a jovem indústria da aviação amadurecia e se expandia pelos céus, os rastros de nuvens se tornaram uma visão cada vez mais comum. Sua presença chamativa despertou a atenção de muitas pessoas — e até gerou a crença, surpreendentemente comum, em uma teoria da conspiração sobre os rastros deixados pelos aviões. Mas a real preocupação dos cientistas é o seu impacto climático.
Afinal, o que são esses rastros — e por que deveríamos prestar mais atenção neles?
As ‘trilhas de condensação’
Após as primeiras observações no início do século 20, a causa exata dos rastros de nuvens deixados pelos aviões foi motivo de debate por décadas, segundo Ulrich Schumann, professor de física atmosférica do Centro Aeroespacial Alemão (DLR, na sigla em alemão).
As primeiras teorias propuseram que os rastros seriam vibrações do motor do avião ou efeitos de cargas elétricas. Outros imaginaram se elas ocorreriam devido ao vapor d’água supersaturado, mas isso foi descartado porque se acreditava que a quantidade de vapor emitida seria insuficiente.
Descobrir as causas dos rastros dos aviões não foi uma grande preocupação até a Segunda Guerra Mundial, quando eles foram considerados um problema pela primeira vez.
“Eles [os rastros] revelam a posição das aeronaves. Você pode ver o rastro de um avião durante o voo”, afirma Schumann. “Por isso, durante a Segunda Guerra Mundial, os militares tentaram evitar os rastros de nuvens porque queriam impedir a visibilidade das suas aeronaves.”
As primeiras explicações corretas sobre a formação dessas nuvens foram elaboradas no início dos anos 1940 e 50. Foi quando surgiu o que agora é conhecido como critério de Schmidt-Appleman, que demonstra que as condições para formação dependem da pressão ambiente, da umidade e da relação entre a água e o calor liberados pelo avião.
Em resumo, os rastros dos aviões — chamados em inglês de contrails, abreviação de “trilhas de condensação” — são nuvens de partículas de gelo em formato linear que se formam depois da passagem das aeronaves. Eles podem ter de 100 metros a vários quilômetros de comprimento.
Três coisas são necessárias para que os rastros se formem: vapor d’água, ar frio e partículas sobre as quais o vapor d’água possa condensar-se.
O vapor d’água é produzido pelos aviões quando o hidrogênio do combustível reage com o oxigênio do ar. Em condições frias (tipicamente, abaixo de cerca de -40 °C), ele pode condensar-se, normalmente sobre as partículas de fuligem também emitidas pelos motores das aeronaves, em uma nuvem de gotículas que se congelam para formar partículas de gelo.
De forma geral, o processo relembra o congelamento da respiração em um dia frio de inverno, segundo Schumann.
Nem todas as aeronaves produzem rastros de nuvens. Estima-se que eles ocorram em cerca de 18% dos voos. É preciso que o ar esteja suficientemente frio para que a água congele e, por isso, eles normalmente aparecem apenas acima de certas altitudes — tipicamente, 6 km, ou 20 mil pés.
E a quantidade de voos que produz os rastros de nuvens mais persistentes é ainda menor. Quando o ar é limpo e sem nuvens, os rastros desaparecem rapidamente, pois o ar seco ambiente causa a sublimação das partículas de gelo (elas passam do estado sólido diretamente para o gasoso).
Mas se a atmosfera estiver úmida, as partículas de gelo não conseguem sublimar-se e os rastros podem durar por muito mais tempo.
“Os rastros podem durar apenas alguns minutos se o ar à sua volta for seco, mas, quando for úmido, eles podem persistir e espalhar-se para aumentar a formação de cirros”, afirma Tim Johnson, diretor da organização sem fins lucrativos Aviation Environment Federation (AEF), com sede no Reino Unido.
Ele acrescenta que isso é importante porque os rastros de nuvens e o aumento da captura do calor irradiado pela Terra nas nuvens contribuem com o aquecimento do nosso planeta. E esse aquecimento é somado ao outro importante impacto climático da aviação — o CO2 lançado em imensas quantidades pelo escapamento dos aviões, que representa cerca de 2,5% das emissões globais de gás carbônico.
Mas o impacto climático dos rastros dos aviões é muito mais complicado que o das emissões de CO2.
O efeito sobre o aquecimento global
Nos anos 1960, começaram a surgir os primeiros estudos observando que os rastros dos aviões poderiam ter um efeito sobre a Terra, mas de resfriamento, segundo Schumann.
Isso ocorre porque o tom de branco das nuvens induzidas pelos rastros dos aviões reflete a luz solar para longe da superfície da Terra durante o dia, de forma similar aos cirros, que são nuvens naturais também compostas de cristais de gelo.
Mas os cientistas logo perceberam que os rastros de nuvens dos aviões também podem ter efeito de aquecimento da Terra, por meio de um efeito “estufa” de captura da luz infravermelha. “Eles capturam o calor emitido pela superfície da Terra e emitem parte dele de volta para a superfície”, afirma Schumann.
Este processo é similar à forma como os céus nublados produzem nuvens mais quentes.
Dependendo das condições exatas, um desses efeitos opostos pode sair vencedor. Rastros de nuvens formados sobre um cenário coberto de neve, por exemplo, não aumentam o resfriamento com a reflexão da luz solar, pois a superfície já é branca e refletora. Os rastros dos aviões também aquecem mais à noite, pois não há luz solar para ser refletida por eles. Por isso, o único efeito que ocorre é o de aquecimento.
Tudo isso, aliado à dificuldade de compreensão das condições atmosféricas exatas que formam os rastros dos aviões e sua diferenciação dos cirros naturais depois que eles se espalham pelo céu, faz com que a definição de números exatos sobre o impacto climático dos rastros de nuvens dos aviões seja algo complicado.
Mas a compreensão atual é de que “em média, em todos os países do mundo, ao longo de um ano, os rastros dos aviões aquecem”, segundo Schumann.
O último estudo importante sobre o impacto climático dos rastros de nuvens, publicado em 2020, estimou que os impactos da aviação não relacionados ao CO2 — basicamente, os rastros de nuvens — triplicam a “promoção radiativa” das emissões de CO2 isoladamente.
De certa forma, esta é uma comparação capciosa, já que os efeitos de aquecimento dos rastros dos aviões e do CO2 ocorrem em horizontes temporais muito diferentes. “Os rastros de nuvens têm um esforço promotor muito forte, muito mais forte que o CO2. Mas os rastros têm vida curta e desaparecem após cerca de uma hora. Já o CO2 permanece por muito tempo — ele pode permanecer por 100 anos”, explica Schumann.
A solução
Ainda assim, os cientistas alertaram que o efeito de captura de calor dos rastros de nuvens poderá triplicar até 2050, se nenhuma medida for tomada.
A boa notícia é que esta pode ser, na verdade, uma ação razoavelmente simples. Pesquisadores demonstraram que apenas 2,2% dos voos contribuem com 80% dessa promoção e ajustes relativamente pequenos das altitudes desses voos — com baixo custo de combustível — poderão reduzir enormemente o efeito de aquecimento dos rastros de nuvens.
Pesquisas indicaram ainda que a formação de rastros de nuvens pode também ser reduzida diminuindo-se a quantidade de partículas de fuligem emitidas pelos voos, pois elas fornecem os núcleos onde se formam os cristais de gelo.
Evitar voar através de ar muito úmido, onde podem formar-se rastros de nuvens persistentes, é a medida mais importante neste processo, segundo Schumann, passando-se a voar acima, abaixo ou em volta dessas regiões. Mas ele afirma que são necessárias melhores previsões do tempo para possibilitar esta medida.
“As previsões meteorológicas que temos hoje em dia não são suficientemente precisas para este propósito”, segundo ele.
Em carta à revista Nature em 2021, dois pesquisadores argumentaram que o ajuste das altitudes de voo para minimizar a formação de rastros de nuvens poderá ser uma das medidas climáticas mais econômicas que podem ser tomadas.
Eles calculam que evitar os rastros de nuvens mais prejudiciais custaria US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,1 bilhões) por ano, com benefício de mais de mil vezes este valor. “Não conhecemos nenhum investimento climático comparável com probabilidade tão alta de sucesso”, escreveram eles.
Mas, embora os governos reconheçam os desafios climáticos impostos pelos rastros dos aviões, poucas ações políticas foram tomadas até agora, segundo Tim Johnson.
“Todos os objetivos climáticos definidos para o setor pela indústria, pelos países e pelas Nações Unidas referem-se apenas ao CO2”, explica ele. “O debate sobre a incerteza científica e medições apropriadas é frequentemente mencionado como razão para dedicar maiores pesquisas em vez de ações.”
No Reino Unido, os consultores governamentais sobre mudanças climáticas afirmaram que efeitos não relativos ao CO2, como os dos rastros de nuvens dos aviões, precisam ser objeto de maior atenção.
Observar esses efeitos agora é essencial, especialmente considerando como as tecnologias do futuro, como o hidrogênio, podem reduzir as emissões do setor, segundo Johnson.
A teoria da conspiração
Apesar das complicações, os impactos de aquecimento e resfriamento dos rastros de nuvens são bem estabelecidos dentro da ciência.
Mas essas linhas finas que pairam acima de nós no céu também inspiraram uma teoria que não é sustentada pela ciência: que elas são rastros de substâncias químicas tóxicas pulverizadas de forma intencional na atmosfera por dezenas de milhares de aeronaves comerciais.
“As pessoas que acreditam na teoria da conspiração acham que os rastros de nuvens dos aviões são pulverizados deliberadamente para fins malignos”, afirma Amy Bruckman, pesquisadora de computação social do Instituto de Tecnologia da Geórgia, nos Estados Unidos. Em 2021, Bruckman foi uma das autoras de um estudo observando como as pessoas passaram a acreditar na teoria da conspiração dos rastros de nuvens dos aviões.
“Elas têm diferentes opiniões sobre os seus propósitos. Alguns acreditam que seja controle populacional ou controle da mente”, segundo ela. “Diversas pessoas acreditam que seus problemas de saúde são causados pela pulverização.”
A teoria da conspiração dos rastros de nuvens dos aviões é uma crença inacreditavelmente disseminada. Uma pesquisa concluiu em 2016 que 10% dos americanos acreditam que a teoria da conspiração é “totalmente verdadeira”, enquanto outros 20-30% a consideram “um pouco” verdadeira.
A crença não apresenta divisões entre filiações partidárias e, ao contrário de outras teorias da conspiração, homens e mulheres parecem acreditar igualmente nos rastros dos aviões, segundo Bruckman.
No Reino Unido, os rastros de nuvens deixados pelos aviões viraram tendência nas redes sociais por diversas vezes no último verão do hemisfério norte. O site de verificação Full Fact desmente regularmente fotos e outras afirmações sobre supostos rastros de nuvens.
A crença, muitas vezes, é relacionada a preocupações de que os governos ou as empresas estão implementando modificações climáticas secretas em larga escala. Cerca de 61% das postagens em inglês nas redes sociais sobre geoengenharia entre 2008 e 2017 estavam relacionadas à teoria da conspiração dos rastros dos aviões.
Defensores da geoengenharia solar queixam-se de que a teoria da conspiração é tão grande que prejudica o debate público real sobre a geoengenharia.
A teoria da conspiração dos rastros de nuvens dos aviões começou nos anos 1990, mas irrompeu de forma generalizada no início dos anos 2000, quando se espalhou pela internet.
“Em 2001, muitas pessoas falavam sobre os rastros dos aviões, eles apareceram de repente”, afirma Schumann. Ele ressalta que a teoria é “totalmente ilógica”. Seu instituto mede as emissões causadas pelas aeronaves e não encontrou nenhuma substância química artificial.
“Tudo são coisas que você compreende facilmente a partir da combustão de querosene”, segundo ele. “Não há nenhuma evidência de que existam rastros químicos.”
Mas estas provas são regularmente desmentidas pelos teóricos da conspiração. Um colega de Schumann que citou seu trabalho para alguém que acreditava nos rastros químicos ouviu rapidamente que Ulrich Schumann era um “cientista inventado” que não existe — segundo o relato do próprio Schumann.
Não é difícil entender por que as pessoas vêm refletindo sobre o efeito dessas linhas finas feitas pelo homem no céu há mais de um século. Mas a necessidade real agora é concentrar-nos na sua melhor compreensão e na tomada de ações sobre os seus impactos climáticos.
Jocelyn Timperley é jornalista sênior da BBC Future. Sua conta no Twitter é @jloistf.
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