- Juan C. Leza e Javier R. Caso
- The Conversation*
Se atribui a Immanuel Kant a frase “a mão é o cérebro exterior do homem”. É verdade que o controle destas extremidades ocupa uma enorme parcela da função cerebral: basta olhar para as representações do “homúnculo”.
Evidentemente, são essenciais tanto para a recepção da realidade externa quanto para a expressão de nossas ideias. No entanto, não são órgãos vitais. O intestino, sim, e sua relação com o cérebro vai muito além.
Que conexão existe entre o cérebro e o intestino?
Um estudo publicado na Nature pelo gastroenterologista Emeran A. Mayer explica como ambos os órgãos, cérebro e intestino, estão conectados.
Esta interação entre eles tem relevância não apenas na regulação das funções gastrointestinais, mas também no humor e na tomada de decisão intuitiva.
Em primeiro lugar, vamos lembrar que existe uma complexa rede de terminais nervosos que revestem todo o sistema digestivo, especialmente o sistema intestinal (chamado sistema nervoso entérico).
Este deriva evolutivamente de células que migram da crista neural e se instalam definitivamente no intestino.
Há, por sua vez, estruturas no sistema nervoso central que poderiam ser chamadas de parte encefálica do sistema intestinal.
A comunicação entre o cérebro e o intestino é estabelecida por meio de vias nervosas, especialmente pelo nervo vago. Mas também pela corrente sanguínea, é claro.
Por outro lado, há outras células intrínsecas localizadas nas camadas mais internas do tubo intestinal (células enteroendócrinas ou enterocromafins) que são repletas de neurotransmissores.
Por exemplo, contêm peptídeos (que também se encontram no cérebro) e serotonina.
Na verdade, o intestino é o local da anatomia humana em que se encontra a maior quantidade de serotonina (mais de 90%). O restante se encontra nas plaquetas e apenas 1% no cérebro.
Mas o intestino não é apenas um tubo com neurônios próprios e neurotransmissores mais ou menos conectado com o cérebro e com neurônios específicos e neurotransmissores.
Nele, também vive uma grande quantidade de micro-organismos. Juntos, eles formam a chamada microbiota.
Trata-se de uma série de bactérias (mais numerosas do que nossas próprias células) que nos ajudam na digestão, no combate a outros patógenos e em muitos outros processos.
Sintomas físicos derivados da ansiedade e depressão
Muitos de nós já constatamos que estar estressado (por ter que falar em público ou fazer uma prova) nos predispõe, não só de forma aguda, mas também crônica, a vômitos, náuseas, diarreia ou constipação.
Na verdade, como é evidente, os sintomas seguem o estímulo estressante (que, às vezes, não precisa ser negativo). Há até uma expressão muito particular para definir estar apaixonado: “sentir borboletas no estômago”.
A ansiedade e a depressão são os dois representantes mais claros dos problemas de estado de espírito.
Na verdade, é um dos motivos mais frequentes de consulta não só na clínica psiquiátrica, como também na atenção primária.
A depressão é cada vez mais frequente, e é um dos principais problemas de saúde pública.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) — e este já era o caso anos antes da pandemia —, será o principal problema de saúde do mundo em 2030.
Graças a estudos como o de Mayer, o papel do estresse nessas doenças está se tornando cada vez mais conhecido. Assim como nas alterações em neurotransmissores específicos e má regulação do sistema imunológico.
Mas um número significativo de pacientes é resistente aos tratamentos farmacológicos disponíveis para a depressão, que devem sempre ser acompanhados de psicoterapias.
E é por isso que existe uma necessidade premente de aumentar o conhecimento da sua fisiopatologia para desenvolver estratégias terapêuticas mais eficazes.
O estresse e sua influência na microbiota (e vice-versa)
Nas últimas duas décadas, foram apresentadas inúmeras evidências científicas, em modelos animais e em humanos, indicando que quando um indivíduo sofre estresse, ocorre uma alteração no intestino e a composição da microbiota pode, inclusive, ser modificada.
Inversamente, a alteração experimental da microbiota também pode induzir mudanças comportamentais.
Sabemos que o cérebro influencia a microbiota a partir de estudos nos quais foi demonstrado que o estresse nos estágios iniciais da vida diminui a concentração de Lactobacillus e faz emergir a concentração de bactérias patogênicas ao romper o equilíbrio fisiológico entre as diferentes populações de microrganismos.
Em contrapartida, a diferente composição da microbiota pode influenciar no comportamento: algumas bifidobactérias melhoram o comportamento depressivo em ratos.
O estresse também produz inflamação?
Nos últimos anos, inúmeros estudos indicaram que a inflamação crônica de baixo grau também pode estar desempenhando um papel na fisiopatologia da depressão.
A partir desta informação, buscou-se saber se poderia haver uma relação entre a inflamação de origem intestinal e o estresse.
Assim, vários estudos realizados por um grupo da Universidade Complutense de Madrid (Espanha) e outros pesquisadores mostram como o estresse (um importante fator de risco para a depressão) pode produzir um desequilíbrio intestinal.
Isso pode levar a uma instabilidade na barreira intestinal (tornando-a mais porosa) e, portanto, à passagem de componentes da parede bacteriana do intestino para a corrente sanguínea e outros órgãos.
É um processo chamado translocação bacteriana. Estes componentes podem ser tóxicos e desencadear uma resposta inflamatória generalizada.
Além disso, estes estudos mostraram que a composição da flora bacteriana fica alterada em pacientes com depressão, em comparação com a flora de indivíduos de grupos de controle saudáveis.
Em geral, a diversidade bacteriana diminui em casos de depressão. No entanto, ainda não entendemos a associação entre a microbiota e a inflamação detectada na depressão.
Agora sabemos que o dano celular oxidativo (que é a consequência final da inflamação) é maior em pacientes com um episódio ativo de depressão.
Além disso, estas pessoas também apresentaram níveis elevados de um componente de bactérias intestinais que está muito relacionado à resposta imune: o lipopolissacarídeo de bactérias do gênero Bilophila e Alistipes, diminuição da Anaerostipes e desaparecimento completo da Dialister.
Estas alterações não aparecem em pacientes em fase de remissão da doença.
Resta saber ainda se as toxinas das bactérias presentes na microbiota de pacientes com depressão podem circular por todo o sistema e chegar a sinalizar algumas estruturas do cérebro.
Por enquanto, sabe-se que em modelos animais estas bactérias são capazes de chegar ao cérebro e ativar receptores de resposta imune em neurônios e em outros tipos de células deste órgão.
E, além disso, que no tecido cerebral de pacientes com depressão que morreram por suicídio, é identificada uma hiperativação da resposta imune.
Mas ainda estamos longe de poder afirmar que existe uma causalidade entre estes fenômenos e a fisiopatologia da depressão.
No entanto, o desafio está lançado, e o trabalho da ciência biomédica é desvendar todos esses mecanismos para oferecer aos pacientes novos e melhores soluções de tratamento.
Neste momento, há um projeto aberto para o estudo do microbioma em relação à saúde mental, com o qual você pode colaborar voluntariamente (caso more em que algumas cidades da Espanha — veja aqui).
* Juan C. Leza é professor do departamento de farmacologia e toxicologia da faculdade de medicina, CIBERSAM, Universidad Complutense de Madrid, na Espanha.
Javier R. Caso é professor do departamento de farmacologia e toxicologia da faculdade de medicina, CIBERSAM, Universidad Complutense de Madrid, na Espanha.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).
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