O debate na Filadélfia, na terça-feira (10/9), contou com algumas discussões tensas sobre política externa entre os dois candidatos à presidência.
De Pequim, na China, a Budapeste, na Hungria, veja como o debate foi recebido, segundo correspondentes internacionais da BBC.
Menções a Putin observadas pelo Kremlin
Steve Rosenberg, Editor de Rússia, em Moscou
Kamala Harris disse a Donald Trump que o presidente Putin é “um ditador que would eat you for lunch” (expressão em inglês que, literalmente, pode ser traduzida como ‘comeria você no almoço’ e significa algo como ‘acabaria com você’)
A expressão também não existe em russo. Mas algo que se encontra em Moscou é o interesse por um resultado das eleições nos EUA que beneficie a Rússia.
O Kremlin, sede do governo russo, deve ter notado (com prazer) que, no debate, Trump evitou a pergunta sobre se ele queria que a Ucrânia ganhasse a guerra.
“Eu quero que a guerra pare”, respondeu Trump.
Em contraste, Kamala Harris falou sobre a “justa defesa” da Ucrânia e acusou Vladimir Putin de estar “de olho no resto da Europa”.
Mais tarde, o Kremlin afirmou estar incomodado com todas as menções a Putin no debate.
“O nome de Putin é usado como um dos instrumentos da batalha interna nos EUA”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.
“Não gostamos disso e esperamos que deixem de usar o nome de nosso presidente.”
Na semana passada, Putin afirmou estar apoiando Kamala nas eleições e elogiou sua “risada contagiante”.
Mais tarde, um apresentador da TV estatal russa esclareceu que Putin estava sendo “um pouco irônico” em seus comentários.
O apresentador desdenhou das habilidades políticas de Kamala e sugeriu que ela se sairia melhor apresentando um programa de culinária na TV.
Fico me perguntando: será que o programa apresentaria “ditadores” comendo candidatos presidenciais dos EUA “no almoço”…?
Nick Beake, Correspondente em Kiev
A “saída pela tangente” de Donald Trump ao ser questionado no debate sobre se ele queria que a Ucrânia vencesse a guerra pode não ter surpreendido as pessoas aqui, mas aumenta a preocupação sobre o que um segundo mandato de Trump traria.
Trump há muito se gaba de que poderia acabar com o conflito em 24 horas, algo que muitos ucranianos presumem que significaria um acordo terrivelmente desfavorável, com Kiev tendo que ceder grandes áreas de terra que a Rússia tomou nos últimos dois anos e meio.
Em contraste, os ucranianos devem ter se sentido mais confiantes com as respostas de Kamala Harris, sem um sinal de que ela se desviaria da atual posição de forte apoio dos EUA.
Ela reivindicou o crédito pelo papel que já desempenhou, argumentando que compartilhou informações importantes com o presidente Zelensky nos dias que antecederam a invasão em larga escala da Rússia.
Ela também afirmou que a posição de Trump teria sido fatal para a Ucrânia se ele ainda estivesse na Casa Branca. “Se Donald Trump fosse presidente, Putin estaria sentado em Kiev agora.”
Publicamente, houve um silêncio ensurdecedor por parte dos atuais ministros e líderes militares da Ucrânia em relação ao debate. A batalha eleitoral dos EUA é algo em que eles não precisam se envolver enquanto estão consumidos pela luta real em casa.
É o próprio presidente Zelensky que, até agora, foi mais longe ao articular, embora de forma um tanto comedida, o que uma vitória de Trump significaria para os ucranianos.
Falando à BBC em julho, ele disse que isso significaria “trabalho árduo, mas somos trabalhadores”.
Memes sobre Abdul após comentários de Trump sobre o Talebã
Lyse Doucet, Correspodente internacional chefe
A guerra mais longa dos EUA terminou em agosto de 2021, quando os EUA se apressaram para retirar seus últimos soldados e evacuar milhares de civis, enquanto o Talebã avançava sobre Cabul, no Afeganistão, com uma rapidez surpreendente.
Esse desastre foi mencionado no debate e, como era de se esperar, as questões foram evitadas, descartadas ou distorcidas.
Kamala Harris desviou-se da pergunta “você assume alguma responsabilidade pela forma como a retirada foi conduzida?”.
Como correspondente que acompanhou de perto a caótica retirada, nunca ouvi falar que a vice-presidente estivesse presente nas decisões tomadas nas últimas semanas decisivas. Mas ela deixou claro que concordou com a decisão do presidente Biden de sair.
Trump se gabou de ter sido duro em suas conversas com “Abdul”, o “chefe do Talebã” que, segundo ele, “ainda é o chefe do Talebã”.
Ele parecia estar se referindo a Abdul Ghani Baradar, que assinou o acordo de retirada com os EUA. No entanto, Baradar nunca foi o líder do Talebã e foi marginalizado desde a retomada de poder pelo grupo.
A menção imediatamente gerou uma onda de memes na internet com pessoas chamadas Abdul opinando e outros perguntando “quem é Abdul?”
Ambos os candidatos focaram no acordo falho com o Talebã. A verdade é que a equipe de Trump negociou esse plano de saída; a equipe de Biden o executou apressadamente.
Trump disse que o acordo era bom porque “estávamos saindo”.
Não havia boas maneiras de sair. Mas a retirada se transformou em um desastre, e todos os lados têm sua parcela de culpa.
Kamala representa incertezas para Pequim
Laura Bicker, Correspondente da China, em Pequim
Kamala Harris continua sendo uma incógnita para os líderes na China, mesmo após o debate.
Ela não tem histórico relevante em relação à China e, no palco do debate, apenas repetiu sua afirmação de que os EUA, e não a China, venceriam a competição pelo século 21.
A vice-presidente representa algo que a China não aprecia — incerteza.
Por isso, o presidente Xi Jinping recentemente aproveitou a visita de autoridades americanas para pedir “estabilidade” entre as duas superpotências, talvez enviando uma mensagem à atual vice-presidente.
A visão predominante entre acadêmicos chineses é que ela não se desviará muito da abordagem diplomática lenta e constante do presidente Biden.
No entanto, durante o debate, Kamala foi ao ataque e acusou Donald Trump de “vender chips americanos para a China, ajudando-os a melhorar e modernizar seu exército”.
Trump deixou claro que planeja impor tarifas de 60% sobre os produtos chineses.
A China retaliou, e vários estudos sugerem que isso causou prejuízos econômicos para ambos os lados.
Isso é a última coisa que a China deseja agora, enquanto tenta fabricar e exportar produtos para salvar sua economia.
Para os líderes chineses, o debate pouco fez para dissipar a crença de que Trump representa algo que também não gostam — imprevisibilidade.
Mas, na verdade, há pouca esperança de que a política dos EUA em relação à China mude significativamente, independentemente de quem ocupar a Casa Branca.
A corrida pela Casa Branca é acompanhada de perto no Oriente Médio
Paul Adams, Correspondente em Jerusalém
Os dois candidatos não se desviaram muito de suas posições previamente declaradas no debate de terça, embora Trump tenha acrescentado, com seu característico exagero, que Israel não existirá em dois anos se sua oponente se tornar presidente.
Aqui no Oriente Médio, a corrida pela Casa Branca está sendo atentamente observada.
Com a guerra em Gaza em andamento e um acordo de cessar-fogo ainda distante, alguns críticos de Benjamin Netanyahu suspeitam que o primeiro-ministro de Israel esteja deliberadamente adiando qualquer resolução para depois da eleição, na esperança de que Trump seja mais simpático a Israel do que Kamala.
Há um cheiro de história prestes a se repetir.
Em 1980, a equipe de campanha do republicano Ronald Reagan foi suspeita de ter incentivado o Irã a não libertar os reféns americanos em Teerã até que ele vencesse o presidente Jimmy Carter, prometendo um acordo melhor.
Algo semelhante poderia estar acontecendo agora? Certamente, os opositores de Netanyahu acreditam que ele é agora o principal obstáculo para um acordo de cessar-fogo.
Kamala Harris indicou que poderia ser mais dura com Israel do que Joe Biden, algo que Trump aproveitou, dizendo que a vice-presidente “odeia Israel”.
Os palestinos, profundamente céticos em relação a Donald Trump, mas desapontados com a incapacidade da administração Biden de parar a guerra em Gaza, talvez vejam Kamala como o mal menor.
Eles há muito tempo abandonaram a ideia dos EUA como um mediador honesto no Oriente Médio, mas notaram que Kamala, ao contrário de Trump, afirma estar comprometida com a criação de um Estado palestino.
Elogios a Orban causam reação na Hungria
Nick Thorpe, Correspondente na Europa Central, em Budapeste
Donald Trump elogiou o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, dizendo: “Viktor Orban, um dos homens mais respeitados, eles o chamam de homem forte. Ele é uma pessoa dura. Inteligente…”
A mídia pró-governo húngara rapidamente destacou o elogio. “Grande reconhecimento!” foi a manchete do jornal Magyar Nemzet.
Por outro lado, o portal de notícias crítico ao governo 444 citou Tim Walz, companheiro de chapa de Kamala Harris: “Ele [Trump] foi perguntado sobre qual líder mundial estava com ele, e ele disse Orban. Meu Deus. Isso é tudo que precisamos saber.”
Viktor Orban apoiou Trump para presidente em 2016 e está apoiando fortemente sua candidatura novamente em novembro.
Os dois se encontraram pela segunda vez este ano na casa de Trump na Flórida, em 12 de julho, após Orban ter visitado Kiev, Moscou e Pequim numa rápida sequência.
O governo de Orban está apostando tanto na vitória de Trump quanto em sua capacidade de encerrar rapidamente a guerra na Ucrânia.
“As coisas estão mudando. Se Trump voltar, haverá paz. Será estabelecida por ele, sem os europeus”, disse Balazs Orban, diretor político de Viktor Orban, à BBC em julho.
Fonte: BBC