- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
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Sob a liderança de Gilberto Kassab, o Partido Social Democrático (PSD) desbancou o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e conquistou o maior número de prefeituras do país: ao menos 888 dos 5.569 municípios brasileiros, quando já havia sido totalizado os votos de quase todo o país, na noite de domingo (6/10).
É a primeira vez desde 1988, após a redemocratização, que o partido de Ulysses Guimarães não conquista a maior quantidade de prefeituras.
O MDB, por sua vez, elegeu ao menos 865 prefeitos, ainda assim um aumento em relação a 2020 (793).
Os números foram contabilizados pelo portal Nexo, a partir dos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O desempenho do atual prefeito, porém, também tem o dedo de Kassab, que hoje é aliado político principal do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi o maior cabo eleitoral de Nunes na campanha deste ano.
Nunes, inclusive, agradeceu Kassab em seu discurso após a confirmação de sua ida ao segundo turno, em uma disputa acirrada com Pablo Marçal (PRTB) pelo eleitor conservador da cidade.
Considerando os eleitos em primeiro turno, o ranking dos dez maiores partidos do país em número de prefeituras estava assim na noite de domingo:
- PSD, com 888 prefeituras, alta ante 2020 (657);
- MDB com 865 prefeituras, alta ante 2020 (793);
- PP com 752 prefeituras, alta ante 2020 (690);
- União Brasil com 589 prefeituras (partido foi criado da fusão de PSL e DEM, que elegeram juntos 568 prefeituras em 2020);
- PL, com 523 prefeituras, alta ante 2020 (344);
- Republicanos, com 441 prefeituras, alta ante 2020 (212);
- PSB, com 312 prefeituras, alta ante 2020 (253);
- PSDB, com 276 prefeituras, queda ante 2020 (523);
- PT, com 253 prefeituras, alta ante 2020 (182);
- PDT, com 151 prefeituras, queda ante 2020 (315).
O destaque do PSD ficou com a reeleição de três prefeitos no primeiro turno, com Eduardo Paes, no Rio de Janeiro (RJ); Topázio Neto, em Florianópolis (SC); e Eduardo Braide (PSD), em São Luís (MA).
O caminho da sigla de Kassab ao topo da eleição municipal foi rápido, seguindo o mesmo comportamento pragmático do MDB: ou seja, apoiando diferentes governos, independentemente de sua corrente ideológica.
O PSD, fundado em 2011 a partir de uma dissidência do antigo Democratas, estreou em disputas municipais no ano seguinte já como a quarta maior força eleitoral, conquistando 494 cidades em 2012, quando ficou atrás apenas dos tradicionais MDB, PSDB e PT.
Depois disso, cresceu para 539 municípios, em 2016, e alcançou 657, em 2020.
O partido já havia se tornado o maior em prefeituras ao atrair quase 400 prefeitos de outras siglas nos últimos quatro anos.
Em abril deste ano, quando acabou o prazo para troca de partidos antes das eleições, o PSD tinha 1.040 municípios, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo.
O crescimento recente foi puxado por São Paulo, onde a sigla se tornou a principal aliada do governo de Tarcísio de Freitas, que é, por sua vez, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mas o PSD também está no governo de presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), comandando três ministérios: o de Minas e Energia, o da Agricultura e o da Pesca.
As alianças com diferentes governos dão mais acesso a investimentos públicos nos redutos eleitorais do partido, fortalecendo a sigla nas eleições, explicam cientistas políticos.
O PSD esteve tanto nas gestões de Dilma Rousseff (PT) como de Michel Temer (MDB). Kassab, que era ministro das Cidades da petista, deixou o governo em abril de 2016, para se tornar ministro das Comunicações de Temer no mês seguinte, assim que o início do processo de impeachment foi aprovado na Câmara dos Deputados.
Já no governo Bolsonaro, o partido se manteve neutro oficialmente, embora tivesse um ministro, Fabio Faria (Comunicações), que entrou em junho de 2020 como escolha pessoal do então presidente. Depois, em 2022, na janela de troca partidária, ele trocou o PSD pelo PP.
“O PSD já nasce como um projeto de, em alguma medida, virar um novo MDB, e, assim, ser uma figura central para governabilidade”, nota o cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria.
Ele lembra que o partido foi fundado em 2011 sob liderança do Kassab em um momento em que parte do Democratas estava cansada do papel de oposição.
A sigla estava acostumada a ser governo até o PT chegar ao poder em 2003, com a primeira eleição de Lula.
Democratas foi o novo nome adotado pelo Partido da Frente Liberal (PFL), em 2007, quando a legenda vivia um enfraquecimento.
A sigla nasceu em 1985, liderada por egressos da Arena, partido de sustentação da ditadura militar (1964-1985).
Depois, esteve nos governos de Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), cujo vice-presidente era o pefelista Marco Maciel.
“Havia uma percepção de que estava muito custoso ser oposição por tanto tempo e que, então, seria possível atrair parte do PFL [Democratas] a partir desse descontentamento. O PSD foi uma forma desse grupo se reaproximar do poder”, destaca Cortez.
O avanço sobre o ‘tucanistão’ paulista
Esse magnetismo pelo poder impulsionou a sigla no maior Estado do país.
A legenda se tornou o partido forte do governo de Tarcísio de Freitas, com Kassab ocupando a poderosa função de secretário de Governo e Relações Institucionais.
O cargo lhe garante protagonismo na articulação política, estando à frente da relação com as prefeituras paulistas e com a Assembleia Legislativa, e também nas negociações para liberação de centenas de milhões de reais em emendas extras — recursos que os deputados estaduais têm para investir pelo Estado, para além das emendas obrigatórias.
Foi nesse contexto que o partido praticamente quintuplicou de tamanho em São Paulo, passando de 66 prefeituras em 2020 para 329 no final de 2023, segundo levantamento do portal Poder 360.
O saldo das urnas em 2024 consolidou sua liderança também no Estado, com o PSD conquistando o comando de 207 municípios paulistas no primeiro turno, segundo dados da própria sigla.
O partido cresceu principalmente sobre antigas cidades tucanas, acompanhando o encolhimento do PSDB, que deixou de comandar o governo de São Paulo após quase três décadas ocupando o Palácio dos Bandeirantes, época em que o Estado ficou conhecido como “Tucanistão”.
“Depois de 30 anos [de governos do PSDB], São Paulo tem um novo comando. E o Tarcísio está indo bem. Então o que há são prefeitos que querem estar sob sua liderança. Por que escolhem o PSD? É porque a acomodação local prevalece. O PSD é de centro, é conciliador. Estão indo para a liderança do Tarcísio”, disse Kassab, ao jornal Valor Econômico, em novembro de 2023.
Para o cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), o bom desempenho do PSD nesta eleição municipal reflete também esse trabalho construído por Kassab de atrair prefeitos para a legenda nos anos anteriores.
“O ponto de partida é fundamental, ainda mais numa eleição que teve alto índice de reeleição”, ressalta ele.
Apesar de Kassab definir seu partido como centro, Lavareda considera que o partido, por ser uma cria do antigo PFL, está mais para o campo da direita.
Além disso, lembra que o principal governador do partido, Ratinho Jr., do Paraná, é aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro. O partido também governa Sergipe, com Fábio Mitidieri.
Os próximos passos do PSD
O bom desempenho do PSD nas eleições municipais deixa o partido bem-posicionado para tentar mais espaço no governo Lula, um uma provável reforma ministerial, avalia Rafael Cortez.
A legenda também se cacifa para as articulações políticas das eleições de 2026, avalia.
Na última disputa presidencial, a sigla ameaçou lançar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), como candidato, mas desistiu e optou pela neutralidade, sem apoiar Lula ou Bolsonaro no segundo turno.
A expectativa é que, na próxima eleição, Pacheco saia candidato ao governo de Minas Gerais.
Já para o Palácio do Planalto, Kassab tem dito que o potencial candidato do PSD seria o governador do Paraná, Ratinho Jr. Nesse caso, nota Cortez, a sigla concorreria em oposição a Lula, tentando aglutinar o campo da direita.
Não há, hoje, um candidato claro para liderar esse campo, já que Bolsonaro foi condenado pela Justiça Eleitoral e está inelegível.
Outros que têm aparecido como potenciais concorrentes são os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).
Kassab, porém, tem afirmado que o caminho natural de Freitas seria disputar a reeleição em São Paulo.
Para o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o plano do presidente do PSD é ser eleito vice-governador de Freitas em 2026 e, assim, se cacifar para disputar o governo de São Paulo em 2030.
Nesse cenário, ele assumiria o comando do maior Estado do país quando Freitas deixasse o cargo em meados de 2030 para disputar a Presidência da República.
“Kassab quer mostrar poder. Ele sonha ser vice do Tarcísio para ser governador [quando o Freitas se afastar para disputar a eleição presidencial]. Acho difícil Kassab atingir esse projeto. Nós somos contra”, disse Costa Neto ao jornal Folha de S.Paulo em setembro.
“Kassab está nos dois lados. Está na esquerda e na direita. Mas isso tem um preço e vai custar caro para ele”, criticou ainda o presidente do PL.
As falas revelaram o incômodo de Costa Neto com o avanço do PSD, que acabou atrapalhando a meta, declarada por ele próprio, de eleger mais de mil prefeitos esse ano.
O objetivo do PL apostava em duas bases: Bolsonaro como cabo eleitoral nas disputas municipais e o grande volume de recursos para investir nas campanhas, já que o partido, por ter feito a maior bancada da Câmara de Deputados em 2024, teve o maior volume de recursos do fundo eleitoral (R$ 886 milhões).
Kassab respondeu a Costa Neto no jornal: “É compreensível que os radicais, da esquerda e da direita, não entendam o papel do centro. Por isso, radicais”, afirmou.
Fonte: BBC
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