- Author, Sofia Quaglia
- Role, Da BBC News
Desde abrigar flamingos em banheiros até garantir a alimentação especial de coalas, quando os furacões chegam, os zoológicos precisam ter planos de contingência prontos. Agora, eles estão se preparando para tempestades mais extremas.
Embora ela e seus colegas estivessem começando a ver os ventos e as chuvas ficarem mais fortes à medida que a tempestade Helene se deslocava ao norte deles em 26 de setembro, Kelly Martin ligou para o marido por volta das 20h30 para dizer que estaria em casa no máximo à meia-noite.
Como vice-presidente de cuidados zoológicos, Martin tinha que garantir que todos os animais do Aquário Marinho de Clearwater, na Flórida, nos EUA, estivessem protegidos e em segurança durante a passagem do furacão, e ela fazia parte da “equipe de sobrevivência”, formada pelos profissionais que enfrentariam a tempestade com os animais.
Mas o clima era de otimismo, eles achavam que o impacto seria mínimo.
“Estávamos todos nos sentindo muito bem”, diz Martin, que trabalha no aquário há 14 anos.
Mal passava das 21h quando começou a entrar água no prédio. A água jorrava pelas ruas do lado de fora, e começou a entrar no aquário, provocando uma inundação de água salgada com 1,2 m de profundidade.
“Tento manter a calma, demonstrar confiança, mas vou te dizer, internamente, este foi provavelmente um dos acontecimentos mais assustadores que já passamos”, afirma Martin.
A energia foi cortada. A equipe verificou se os animais estavam seguros em seus tanques, transferiu os que puderam para um patamar mais alto, e foi rapidamente para o quarto andar quando percebeu que não era seguro continuar seu trabalho no térreo. Foi lá que eles esperaram a tempestade passar durante a noite.
Às 3h, quando seu alarme para verificar os animais tocou, Martin sabia que o nível da água teria se estabilizado o suficiente para ela descer e percorrer com segurança todo o aquário, avaliando os danos aos tanques e exposições.
“Foi uma caminhada meio sombria”, lembra Martin. “Você vê o dano. Fica arrasada, e seu coração aperta.”
Freezers, equipamentos veterinários, bombas de água, máquinas de lavar roupa, compressores de ar e muitas outras ferramentas essenciais foram destruídos. Todos os animais, no entanto, estavam a salvo.
“Eu realmente tive que parar um momento para agradecer por estarem vivos”, diz Martin. “Foi uma sensação de alívio e cansaço”.
Devido aos danos causados em seus tanques, Martin providenciou a rápida realocação de sete tartarugas marinhas e dois peixes-boi, Yeti e Zamboni. Os animais foram transportados, com a ajuda das autoridades locais, para outras instalações no Estado nas 48 horas seguintes.
Desde então, a equipe de Martin tem trabalhado diariamente para limpar a água, higienizar, inventariar e reparar tudo o que foi destruído e perdido.
“Há uma quantidade significativa de trabalho a ser feito nas próximas semanas ou meses”, ela acrescenta.
Martin ainda não sabe quando eles vão ser capazes de se recuperar totalmente, mas considera a resposta ao furacão Helene um sucesso: sua equipe implementou o plano de preparação para tempestades do aquário sem nenhum problema.
Este plano é minuciosamente revisado e atualizado pela organização todos os anos, diz Martin, e consiste na transferência de equipamentos e exposições de animais para locais mais elevados, se necessário. Na passagem do Helene, eles mantiveram seus animais o mais seguros possível.
Agora, o aquário está se preparando para os impactos do furacão Milton, menos de duas semanas após a destruição causada pelo Helene.
É apenas um dos muitos zoológicos e aquários que estão fazendo preparativos de urgência. O Aquário da Flórida transferiu nove pinguins, um monte de medusas-da-lua, seis cobras, três lagartos, três tartarugas, dois jacarés, dois sapos e um caranguejo-eremita de seus compartimentos no primeiro andar para um local mais alto e seguro.
O Laboratório Marinho Mote, em Sarasota, também sofreu danos significativos na passagem do furacão Helene. A tempestade também destruiu a principal ponte de acesso ao Western North Carolina Nature Center, que vai ficar fechado por um tempo, e inundou e derrubou árvores no Zoológico de Greenville, na Carolina do Sul.
À medida que as mudanças climáticas estão causando tempestades mais extremas como o furacão Helene — com ventos mais fortes, chuvas mais intensas e mais inundações —, a maioria dos jardins zoológicos, aquários e outras instalações para animais nos EUA estão revisando e atualizando seus planos para condições climáticas extremas anualmente e fazendo sua parte na preparação para o Dia do Juízo Final.
Normalmente, os zoológicos e aquários possuem planos de emergência personalizados que são aperfeiçoados e simulados durante o ano todo. Após o furacão Katrina em 2005, as instalações para animais são obrigadas a ter planos em vigor, de acordo com a Lei de Bem-Estar Animal de 2006. As instalações também podem ser reconhecidas como “StormReady” (“prontas para a tempestade”) pelo Instituto Nacional de Meteorologia.
Para serem credenciadas pela Associação Nacional de Zoológicos e Aquários (AZA, na sigla em inglês), as instalações devem fazer pelo menos quatro simulações de emergência por ano para os eventos climáticos extremos mais adequados à sua região, explica Dan Ashe, presidente da organização, seja incêndio, tornado, furacão, inundação ou qualquer outra coisa.
Isso significa que os funcionários precisam ser “treinados e preparados para lidar com o que quer que aconteça”, diz Ashe.
Da mesma forma, os animais precisam de preparação. Os flamingos, por exemplo, vivem ao ar livre e devem ser transferidos para abrigos contra furacões durante as tempestades — por isso, várias vezes por ano, os tratadores do Zoológico de Palm Beach, na Flórida, treinam as aves para segui-los até o abrigo.
“Não temos certeza se os flamingos pensam que são seres humanos mais baixos, ou que somos flamingos muitos pálidos, mas por causa dessa relação, eles querem andar com a gente, então simplesmente pedimos a eles que caminhem conosco”, conta Mike Terrell, curador de experiências com animais do zoológico.
Eles praticam isso regularmente, passeando pelo zoológico em dias claros — então, quando chega a hora de uma emergência, “é apenas parte do dia deles”, ele acrescenta.
Os tratadores do zoológico de Palm Beach também ensinam Fred e Wilma, os dois jacarés de 2,7 m de comprimento do zoológico, a entrar diariamente em suas áreas seguras contra furacões. E todos os dias, eles treinam os bugios a se trancarem em suas caixas de transporte para que possam ser levados para um local seguro. Ao mesmo tempo, eles preparam Sassy, a pantera, para reconhecer o toque da campainha que indica que ela precisa se recolher para o seu recinto.
“Se transforma num jogo. Vira algo divertido”, afirma Terrell.
“Ao repetir isso continuamente, mesmo em momentos em que ninguém está estressado, a esperança é que, quando esse momento estressante chegar, eles não desconfiem tanto do que está acontecendo.”
As instalações também tendem a ter geradores de emergência e acesso a caminhões refrigerados de emergência. Elas podam árvores. E também estocam alimentos, água e outros suprimentos essenciais em locais centralizados, que sejam de fácil acesso para os funcionários.
Mas, segundo Terrell, elas também precisam garantir cadeias de suprimento estáveis para alimentos que não podem ser preservados por muito tempo, como ramos frescos de eucalipto para coalas.
E pelo menos alguém da “equipe de sobrevivência” de Terrell precisa saber como fazer o milkshake de medicação para o coração do seu tamanduá geriátrico, Cruz.
“Cada uma dessas espécies requer cuidados especializados, e você precisa de todos esses recursos disponíveis para ser capaz de cuidar delas”, acrescenta.
Durante a passagem do furacão Irma em 2017, o Zoológico de Palm Beach perdeu uma rã, uma lontra e um araçari, provavelmente devido ao estresse causado pelos estragos da tempestade. Dois antílopes africanos morreram no Zoológico de Naples, na Flórida, durante a mesma tempestade.
Mas esta foi uma perda relativamente pequena em comparação com outras. O Aquário Audubon das Américas, em Nova Orleans, perdeu quase todos os seus 10 mil animais de mais de 530 espécies — incluindo seis tubarões-tigre, vários cavalos-marinhos, peixes-serra, medusas, arraias e piranhas — durante o furacão Katrina, em 2005, quando faltou energia e o gerador reserva não funcionou.
Mas as simulações de segurança raramente incluem planos de evacuação. Fazer com que os animais deixem completamente a área do zoológico é extremamente estressante para eles, e os tratadores não podem arriscar colocar essa pressão sobre os animais, explica Greg Peccie, diretor de cuidados e bem-estar animal do Zoológico de Riverbank, na Carolina do Sul.
Mesmo quando se sabe que as tempestades estão chegando, elas nem sempre atingem a costa da maneira prevista.
Em vez disso, a maioria das instalações possui recintos resistentes a furacões no mesmo local onde os animais normalmente vivem — casas e celeiros na forma de bunkers, feitos de metal soldado e concreto armado, adjacentes ao seu cercado aberto, para onde eles podem se refugiar todas as noites.
“Os animais não sabem que é um furacão. Eles ficam tipo: ‘Uau, está ventando muito, sabe? Uau, está chovendo muito'”, diz Peccie.
“Muitos animais têm uma mentalidade de predador-presa e são criaturas de hábitos. Eles querem fazer o que fizeram ontem, porque fizeram isso e não foram comidos por um leão.”
Moody Gardens, um zoológico e resort no Texas, sofreu aproximadamente US$ 50 milhões em prejuízos causados pelas enchentes do furacão Ike, em setembro de 2008, quando a tempestade inundou suas exposições de floresta tropical e destruiu a rede elétrica, os equipamentos de ar-condicionado e aquecimento, e a iluminação.
Após a tempestade, a equipe instalou portas e vedações impermeáveis nas áreas por onde a água entrou.
“Ao fazermos os reparos, incluímos soluções resilientes às inundações de prédios que vimos durante o Ike”, diz o gerente de criação de animais, Greg Whittaker.
Quando essas áreas especializadas não estão disponíveis, os tratadores dos zoológicos criam abrigos para os animais em infraestruturas destinadas aos seres humanos.
“Usamos corredores, banheiros, escritórios, tudo o que pudemos para manter [os animais] contidos nos mesmos edifícios”, explica Tiffany Burns, curadora do zoológico de Tampa.
“Qualquer edifício é uma opção, e nada está fora de questão.”
Um exemplo famoso foi quando a equipe do zoológico de Miami abrigou flamingos em um banheiro masculino durante o furacão Andrew em 1992.
“Os banheiros eram perfeitos”, diz Ron Magill, embaixador do zoológico.
“Eles não tinham janelas, tinham piso de ladrilho, então era fácil forrar e limpar depois. E por mais nojento que pareça, eles tinham privadas com água dentro. Então limpamos as privadas para dar a eles uma fonte de água.”
Pode ter sido pouco ortodoxo, mas funcionou.
“Não preciso nem dizer que colocar esses flamingos no banheiro para enfrentar o furacão Andrew provavelmente salvou suas vidas”, diz Magill.
Segundo ele, o mesmo bando de flamingos também aguardou a passagem do furacão George, em 1998, e do furacão Floyd, em 1999, no banheiro.
Durante o furacão Andrew, uma tempestade de categoria 5 que atravessou o zoológico de Miami, com ventos superiores a 241 km/h, o zoológico foi destruído. O trilho do seu monotrilho chegou a ser arrancado.
“Parecia um cabide retorcido”, lembra Magill. A floresta de pinheiros ao redor do zoológico ficou com as árvores “todas arqueadas e quebradas, como se fossem palitos de dente”.
“É como se Deus tivesse passado por aqui com um cortador de grama de 40 quilômetros de largura e simplesmente aplainado tudo.”
O cercado que abrigava Toshi, um gigantesco rinoceronte-negro, tinha buracos na cerca “como se tivesse sido atingida por uma bala de canhão”, diz Magill.
Cinco mamíferos morreram por tomar água com detritos, e mais de 100 pássaros do aviário do zoológico foram mortos quando toda a estrutura desabou ao ser atingida por um trailer lançado em sua direção “como um torpedo”.
A equipe de Magill não havia se preparado para um evento que destruísse toda a instalação — e não tinha onde conter a maioria dos animais. É por isso que, segundo ele, outra etapa crucial da preparação para condições climáticas extremas é fazer acordos prévios com outras instalações para animais na região, para onde possam enviar os animais para se recuperarem da tempestade.
“Não só temos que planejar a proteção dos nossos animais, como também temos que planejar a retirada deles quando sobreviverem, e a instalação que os mantém não sobreviver”, explica Magill.
Organizações como a ZDR3 (sigla em inglês para “Resposta, resgate e recuperação de desastres em zoológicos”), uma rede com membros de mais de 175 instalações nos EUA, prestam assistência compartilhando instalações e mobilizando equipes com conhecimentos especiais em momentos de crise.
As alianças entre instalações que cuidam de animais semelhantes também ajudam nos esforços de colaboração. Por exemplo, Burns — curadora do zoológico de Tampa — também é presidente do grupo Manatee Rescue & Rehabilitation Partnership. Ela respondeu ao chamado da equipe de Martin quando eles precisaram de ajuda para realocar seus dois peixes-boi.
“Nós definitivamente entramos em cena”, diz Burns.
Como eles também resgatam, reabilitam e libertam peixes-boi, já possuíam caminhões especialmente equipados para transportar os pesados mamíferos marinhos.
Agora, eles vão cuidar de Yeti e Zamboni até que estejam prontos para serem soltos na natureza, junto a outros peixes-boi que foram desalojados pelo furacão — como um que eles salvaram de ficar encalhado em Hernando Beach, no dia 3 de outubro.
A equipe de Martin, por sua vez, vai trabalhar para que seus sistemas voltem a funcionar — e estejam prontos para a chegada dos próximos peixes-boi.
“Há muitos peixes-boi, infelizmente, que precisam de lares e de cuidados.”
Fonte: BBC
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