O retorno da rede social X (antigo Twitter) em cidades como São Paulo e Belo Horizonte desde as primeiras horas desta quarta-feira (19/9) chamou a atenção de usuários e autoridades brasileiras.
A volta do X, portanto, é o mais novo episódio do embate entre Musk, considerado o homem mais rico do mundo, e Alexandre de Moraes.
O retorno do X, ainda que parcial, lançou luz sobre uma pergunta: como a rede conseguiu burlar o bloqueio imposto pela justiça brasileira e voltar a funcionar no Brasil?
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil explicam que o retorno da rede só foi possível graças a uma mudança técnica que teria “driblado” os bloqueios impostos pelos provedores de telefonia e internet do Brasil.
Segundo eles, o X passou a hospedar o seu conteúdo em uma rede conhecida como Cloudflare, uma das mais abrangentes do mundo. Ao fazer isso, o bloqueio anteriormente feito pelas operadoras brasileiras passou a não surtir mais efeito.
Os especialistas ouvidos pela se dividem quanto ao objetivo da mudança. Para um deles, seria temerário afirmar que a mudança adotada pelo X teria como objetivo principal dar um “drible” na determinação de Moraes.
Para outro, haveria evidências de que a manobra feita pelo X teria como objetivo específico burlar a ordem do STF.
Os dois, porém, afirmam que a mudança feita pela rede criou uma dificuldade a mais para o STF e para as operadoras bloquearem o acesso ao X.
Isto porque, segundo eles, para bloquear o X, agora, seria preciso bloquear o acesso à nova rede em que ele está hospedado. O problema é que isso poderia causar um “apagão” em sites populares no Brasil.
Bloqueios e ‘caminhões’ de placas trocadas’
O diretor de tecnologia da empresa Sage Networks, Thiago Ayub, explicou à BBC News Brasil como se deu a mudança que permitiu o retorno do acesso ao X ao país.
Ele disse que, anteriormente, o X hospedava os seus serviços em seus próprios provedores.
Agora, ele disse, o X passou a utilizar uma rede terceirizada, a Cloudflare, uma das principais empresas do setor de hospedagem de conteúdo e cibersegurança.
O especialista disse que, quando o STF determinou o bloqueio do X no Brasil, as operadoras e provedoras de internet do Brasil acataram a ordem negando o acesso aos endereços IPs dos provedores do X no país.
Agora, no entanto, o conteúdo encontra-se em outro endereço e fora, portanto, da lista de endereços bloqueados anteriormente.
Ayub compara os provedores a empresas de logísticas que, para fazer uma entrega, precisam usar caminhões.
Segundo ele, é como se em vez de usar caminhões com placas vedadas pelo bloqueio do STF, o X estivesse usando os “caminhões” da uma empresa diferente com placas que não estavam na lista usada pelas operadoras até então.
Como as placas são distintas, o bloqueio não funciona.
“Cada conexão de internet possui um número de identificação chamado endereço IP. Ele é parecido com uma placa de carro. Esse novo servidor, como usa outra estrutura, é como se fosse um outro caminhão com outra placa e por isso não faziam parte da lista de bloqueio inicial”, disse.
Risco de apagão?
Para Ayub, a medida adotada pelo X criou um problema adicional ao STF, à Anatel e às operadoras e provedoras de internet no Brasil.
Isto acontece porque, segundo ele, para tirar o X do ar novamente, seria necessário, em princípio, bloquear o acesso à rede Cloudflare. Isso, disse Ayub, poderia prejudicar uma série de outros serviços.
“A situação é bastante complicada. Bloquear os servidores da Cloudlflare seria, por tabela, bloquear todos os clientes que utilizam os mesmos serviços. Várias empresas importantes do exterior e do Brasil têm sites hospedados indiretamente pela mesma infraestrutura. Isso poderia resultar num apagão de diversos sites populares no Brasil”, disse.
Ayub afirmou que as operadoras e provedoras de internet do país ainda não se decidiram sobre o que farão agora.
David Nemer disse avaliar o dilema de forma parecida.
“As operadoras podem bloquear a Cloudflare, mas vai bloquear a plataforma toda, afetando sites e serviços que não têm nada a ver com o X”, disse.
Segundo Nemer, a única alternativa técnica para que o X fosse novamente bloqueado no Brasil seria a própria Cloudflare fazer este bloqueio. O problema, segundo Nemer, é que a empresa também não teria um representante no Brasil.
Intencional ou não?
Para Ayub, ainda não haveria evidências para atribuir a mudança à uma tentativa deliberada do X de burlar a proibição imposta pelo STF.
“Seria ousado deduzir que a intenção fosse burlar a decisão judicial, mas na prática, é isso que acaba acontecendo. A gente só poderia cravar que a intenção tinha um dolo se a empresa se manifestar. Mas o timing surpreende muito porque essa mudança acontece após a proibição”, disse.
O especialista em antropologia da tecnologia e professor da Universidade da Virginia, David Nemer, disse à BBC News Brasil que haveria indícios de que a manobra teve como objetivo desrespeitar a ordem de Moraes.
Nemer disse que, ao checar os endereços dos servidores usados pelo X ao redor do mundo, verificou que apenas o acesso do Brasil estaria sendo feito por meio da Cloudflare.
Segundo ele, em todos os outros países, o acesso estaria sendo feito por meio dos servidores próprios do X.
“O Musk fez essa alteração no Brasil. Somente no Brasil, a entrega do conteúdo do X está sendo feita pelo servidor da Cloudflare”, disse à BBC News Brasil.
A disputa
A disputa legal entre o STF e a rede de Musk culminou na suspensão da plataforma no Brasil no fim de agosto.
A decisão foi tomada após a empresa não atender a uma série de ordens judiciais, que incluíam a nomeação de um representante legal no país e a remoção de perfis e conteúdos específicos.
Enquanto o STF insiste no cumprimento das determinações, Musk tem se recusado a obedecer, acusando o Judiciário brasileiro de ameaçar a democracia.
O bilionário defende que suas ações fazem parte de uma luta pela liberdade de expressão.
No entanto, o ministro Alexandre de Moraes, responsável pela decisão, rebate afirmando que Musk confunde liberdade de expressão com o direito de praticar agressões verbais.
Até o momento, o X continua sem designar um representante legal para atuar no Brasil.
A BBC News Brasil enviou perguntas ao X, à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ao STF sobre o retorno do funcionamento do X no país.
O X não respondeu.
O STF disse, por e-mail, que não tem informações para dar sobre o caso.
Em nota, a Anatel não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem, mas disse que “mantém a fiscalização a respeito da ordem de bloqueio” feita pelo STF e que o “resultado desse acompanhamento é reportado diretamente” à Corte.
Fonte: BBC
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