- Author, Vinícius Lemos
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
- Twitter, @oviniciuslemos
Desde janeiro de 2022, quando se tornou mãe de gêmeos, a microbiologista Caroline Fernandes Freire, de 39 anos, passou a compartilhar em seu perfil no X (antigo Twitter), onde tem 4 mil seguidores, as dificuldades que enfrentava com os filhos.
Mas, em 22 de fevereiro daquele ano, algo diferente aconteceu.
Ela contava na rede social sobre os contratempos da maternidade quando recebeu uma mensagem que “salvou sua vida”.
Uma de suas seguidoras a orientou a buscar ajuda médica, porque notou que a microbiologista poderia estar sofrendo de depressão pós-parto.
“Ela disse que leu meu relato sobre as minhas dificuldades, principalmente com a amamentação, e disse ter se reconhecido no meu desabafo”, diz Caroline à BBC News Brasil.
A seguidora de Caroline havia enfrentado, meses antes, um quadro severo de depressão pós-parto.
“A mensagem dela foi como levar um soco na cara. Nunca vou esquecer”, comenta Carol.
Dias depois, a microbiologista procurou um médico para falar sobre o assunto, passou por avaliações e foi diagnosticada.
A depressão pós-parto, que pode ocorrer após o nascimento de um filho, é um problema que atinge muitas mulheres no mundo.
“É fundamental que essas mães recebam um apoio psicológico e emocional”, diz diz o psiquiatra Lucas Spanemberg, professor de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
“Nesses casos, é preciso intervenção médica, e o tratamento é feito conforme a gravidade do caso.”
Um estudo de 2015 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com 23,9 mil mães, o maior feito sobre o tema no Brasil até hoje, apontou que 26,3% sofreram de depressão pós-parto.
Esses números são superiores a levantamentos internacionais, que apontam que esse problema afeta entre 10% e 20% das mães.
‘Foi um desespero que nunca parecia ter fim’
Logo após o nascimento dos filhos, Caroline conta que estava “exausta, sem dormir e cansada de amamentar 24 horas por dia”.
Para ela, a maternidade era um sonho de infância.
Na época em que os gêmeos nasceram, Caroline e o marido viviam em Toronto, para onde haviam se mudado em 2019, e contavam com uma rede de apoio pequena.
“A gente tinha dois casais de amigos brasileiros que também ajudavam muito, mas eles moravam longe.”
Caroline diz que naquele período ainda estavam em vigor no Canadá medidas contra a pandemia de covid-19. Por isso, ela e o marido evitavam encontrar os poucos amigos.
“Comecei a desabafar no Twitter sobre como estava desgastante, principalmente a amamentação, porque meus filhos mamaram muito, e a falta de horas de sono”, conta.
“Muitas pessoas comentaram: ‘ah, é assim mesmo’. Outras diziam: ‘meu filho tem 6 anos e não dorme até hoje. Eu pensava: ‘não pode ser assim’.”
Caroline diz que não achava que resistiria à exaustão da maternidade.
“Eu pensava: ‘não é possível que todo mundo passe por isso e sobreviva’. Parecia que, de alguma maneira, eu iria morrer.”
“Foi uma coisa muito única, que nem sei descrever muito bem. Foi um desespero que nunca parecia ter fim. Não parecia ter solução, parecia que a única solução era eu sumir em meio ao desespero.”
Caroline já tinha ouvido falar sobre depressão pós-parto, mas diz que não cogitava que pudesse ser o seu caso, até receber a mensagem da seguidora no X.
“Fiquei aterrorizada com a ideia de que algo parecido (com o caso da seguidora) acontecesse comigo”, diz.
Amanda* (nome fictício) entrou em contato com Caroline porque havia enfrentado meses antes um duro quadro de depressão pós-parto.
Ela diz que os sintomas começaram horas após o nascimento da sua filha.
“Com menos de um mês de nascimento da minha filha, chegou um momento em que eu simplesmente não conseguia nem dormir”, diz.
“Vivia em uma ansiedade enorme, olhava o tempo todo para ela com medo de que ela pudesse morrer.”
A depressão se agravou ao longo das primeiras semanas após se tornar mãe.
“Não conseguia mais comer ou dormir. Não conseguia fazer mais nada”, diz.
“Comecei a ter pensamentos ruins e suicidas, achava que seria melhor para a minha filha que eu morresse e ela ficasse só com o pai.”
Amanda já tinha ouvido falar sobre depressão pós-parto, mas até então acreditava que isso só acontecia no terceiro ou quarto mês depois do nascimento.
O marido e os amigos notaram que ela estava cada vez pior, antes mesmo de a filha completar um mês de vida.
“Meus amigos me carregaram ao hospital em uma cadeira de rodas, porque eu estava totalmente fraca, e o meu marido ficou com a minha filha”, conta.
“Fiquei internada por alguns dias para me alimentar, dormir e conseguir me desligar um pouco.”
Amanda começou um tratamento com antidepressivo e recebeu acompanhamento psicológico.
Ela teve alta dias depois e, a partir de então, diz que soube lidar melhor com a maternidade.
Ela acredita que uma das medidas que mais a ajudou foi fazer terapia com outras mães que também tiveram o mesmo problema.
“Cheguei a conhecer outras mães que também foram internadas. Nunca tinha ouvido falar de mãe que precisou ir ao hospital por isso. Foi bem importante para minha recuperação e aceitação”, diz.
Ela continua em tratamento contra a depressão. “Mas diminuí a dose do remédio”, diz.
“Minha relação com a minha filha ficou maravilhosa. Hoje, sou muito grata por ter recebido ajuda. Fico feliz por ter conseguido ser uma mãe melhor, mais presente e emocionalmente disponível”, conta Amanda.
Meses depois de começar seu tratamento, Amanda se deparou com o relato de Caroline sobre as dificuldades com a maternidade.
“Eu a seguia no Twitter, percebi uma angústia e um desespero nos tuítes dela sobre a maternidade e me identifiquei”, diz.
“Notei que ela sempre fazia esses tuítes assim, foi quando pensei: ‘vou mandar uma mensagem para ela contando do meu caso, vai que consigo ajudar…’.”
O que é depressão pós-parto
A depressão pós-parto tem sintomas semelhantes aos da depressão típica: mau humor, ausência de sono ou concentração, sentimento de culpa, falta de motivação, alterações no apetite ou no peso, até fadiga, exaustão e pensamentos de morte ou suicídio, entre outros.
A principal diferença é que a depressão típica pode ocorrer a qualquer momento, enquanto a segunda ocorre após o nascimento de um bebê.ao longo do primeiro ano de vida da criança.
Os especialistas dizem que é importante ressaltar que a depressão pós-parto não se resume às questões hormonais.
Caroline e Amanda tinham histórico de depressão antes de se tornarem mães – esse é um dos fatores de risco para a doença pós-parto, segundo os estudos.
Há também outros fatores, como problemas de sono após o nascimento do bebê, falta de rede de apoio ou dificuldades financeiras.
Os especialistas frisam que é normal enfrentar problemas de saúde mental após o nascimento de um filho.
Isso porque é um momento em que muda quase tudo na vida da mulher: da rotina diária e a relação com o(a) parceiro(a) à quantidade de horas de sono por noite.
As estatísticas variam, mas especialistas estimam que até cerca de 85% das mulheres experimentam algum tipo de tristeza pós-parto.
Um dos tipos mais comuns é chamado baby blues, que especialistas apontam como uma tristeza que, diferente da depressão, costuma ter uma duração menor.
É como “uma alteração ou mudança de humor que ocorre nas mulheres por volta do segundo ou terceiro dia após o parto, pode durar entre duas e três semanas, e regride espontaneamente”, explicou a psicóloga perinatal Jazmín Mirelman, em reportagem da BBC.
Como o baby blues é mais leve e oscilante do que a depressão pós-parto, a mãe que sofre dele “ainda pode se divertir, curtir ou desconectar”, disse Teresa Bobes Bascarán, especialista em psicologia clínica da Universidade de Oviedo, na Espanha
Já na depressão pós-parto, a mãe pode enfrentar mau humor constante, falta de motivação por semanas, evitar contato com outras pessoas, ter dificuldades de concentração e de tomar decisões, além de questionamentos sobre sua capacidade para cuidar de si mesma e do bebê.
Nesses casos, especialistas recomendam procurar um médico ou profissional de saúde mental.
“É preciso monitorar esses casos de depressão. O tratamento é feito de acordo com a gravidade do caso”, diz o psiquiatra Lucas Spanemberg.
“Na imensa maioria das vezes, vai exigir o uso de algum tipo de antidepressivo por ao menos seis meses e, em alguns casos, pode ser por um prazo maior.”
O especialista avalia que o tema ainda é pouco difundido e debatido no Brasil.
“Existe uma romantização da vinda do bebê, como se fosse resumida ao início de um ciclo de felicidade e muito amor”, diz.
“Mas é também um período de renúncia e que demanda muita energia.”
A recuperação de Caroline
Hoje, Caroline avalia que está recuperada da depressão pós-parto.
Dias depois da mensagem da seguidora, ela contou ao marido sobre como se sentia após se tornar mãe.
“Ele me apoiou e decidimos buscar ajuda”, conta.
Ela procurou a médica que a acompanhou durante a gestação e contou os sintomas que enfrentava.
Caroline passou por um psiquiatra, recebeu o diagnóstico, começou o tratamento em março de 2022 e terminou cerca de um ano e meio depois.
Agora, ela diz que enfrenta as dificuldades da maternidade de forma diferente.
“Antes do diagnóstico, os desafios pareciam muito grandes e agora não são mais tão grandes”, diz.
“Criar um filho é sempre um desafio, mas esses desafios mudam ao longo dos anos”, diz.
Nas redes, Caroline costuma falar sobre a depressão pós-parto com frequência.
Ela defende ser fundamental abordar o tema e lamenta que algumas mulheres acabam escondendo o problema e evitam buscar ajuda.
“A depressão já é um tabu, e a depressão pós-parto pode ser só mais uma coisa ignorada sobre a saúde da mulher”, diz Caroline.
“Se você acha que alguma mãe não está bem, converse com essa pessoa, talvez ela precise de ajuda. Foi exatamente assim que a seguidora fez comigo, e foi o que me ajudou muito. É importante poder estender a mão para essa pessoa.”
*O nome foi trocado a pedido da entrevistada.
Fonte: BBC
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