- Author, Sean McManus
- Role, Repórter de Tecnologia, BBC News
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“Os advogados estão cansados. Eles ficam entediados boa parte do tempo. Ter algo que faça o trabalho maçante e deixe você livre para se concentrar em antecipar suas estratégias: esta é a solução.”
Quem afirma é a diretora-gerente e chefe de recursos humanos da empresa britânica Luminance, Jaeger Glucina.
A empresa foi fundada em 2015 e é especializada em Inteligência Artificial (c) para profissionais do setor jurídico.
Antes de entrar na Luminance, em 2017, Glucina se formou como advogada e procuradora na Nova Zelândia.
“Os profissionais do setor jurídico claramente são pessoas muito bem treinadas”, segundo ela.
“Mas, na realidade, eles passam uma enorme parte do seu tempo analisando [contratos].”
“Alguém pode levar até uma hora para analisar um contrato de confidencialidade. E pode haver centenas desses documentos [em um escritório] todos os dias.”
Com isso em mente, a Luminance se prepara para lançar uma ferramenta totalmente automática de negociação de contratos, chamada Luminance Autopilot.
A empresa pretende iniciar os testes da versão beta entre clientes selecionados em dezembro e oferecê-la de forma mais ampla em 2024.
Fui convidado para observar a ferramenta em ação no escritório da empresa, em Londres.
Na mesa à minha frente, estão dois laptops.
O da esquerda, para fins de demonstração, pertence ao consultor geral da Luminance, Harry Borovick.
O da direita representa Connagh McCormick, consultor geral da empresa ProSapient, um cliente real da Luminance.
Uma grande tela recobre a parede que fica atrás dos laptops, mostrando o processo de acompanhamento das alterações realizadas por cada uma das partes durante a negociação do contrato.
Os computadores irão usar o Autopilot para negociar um contrato de confidencialidade que seja aceitável para ambas as partes.
Os contratos de confidencialidade (NDAs, na sigla em inglês) servem para definir os termos em que uma das organizações irá revelar suas informações confidenciais para a outra parte.
A demonstração tem início. A máquina de Borovick recebe um e-mail com o NDA em anexo, que é aberto no Microsoft Word. O Autopilot analisa rapidamente o contrato e começa a fazer alterações.
O prazo de seis anos é inaceitável e alterado para três anos. A legislação que rege o contrato é alterada da Rússia para a Inglaterra e o País de Gales.
A próxima cláusula de risco estabelece responsabilidade ilimitada, ou seja, não há um teto que defina o valor máximo que a Luminance eventualmente precisará pagar, em caso de quebra dos termos contratuais.
“Este é um empecilho para os negócios de Harry”, afirma Glucina.
“Por isso, o software propôs um limite de responsabilidade de 1 milhão de libras [cerca de R$ 6,2 milhões]. E também suavizou a cláusula.”
“A outra parte havia incluído um trecho sobre ‘isenção’, o que significa que eles seriam absolvidos de qualquer responsabilidade legal em certas situações”, prossegue ela.
“Mas a IA sabia que isso era ruim e, por isso, protegeu Harry desse risco removendo a cláusula.”
O que vem a seguir é uma dança contratual, com as duas IAs tentando melhorar as condições para seus respectivos proprietários.
O computador de Borovick devolve automaticamente o NDA alterado por e-mail e o contrato é aberto na máquina de McCormick.
Sua IA percebe que a possibilidade de isenção foi excluída e acrescenta uma cláusula de indenização.
Concretamente, ela transforma a responsabilidade máxima de 1 milhão de librasem uma compensação definida entre as partes, a ser paga em caso de quebra do contrato.
A IA de Borovick elimina essa cláusula ao receber o contrato atualizado e acrescenta um trecho que declara que sua empresa é responsável apenas pelos prejuízos diretos incorridos.
As duas partes aceitam a quarta versão do contrato. A IA de McCormick aceita todas as alterações e envia o contrato para o serviço online de assinatura de contratos Docusign.
“Neste momento, é preciso decidir se realmente queremos que o ser humano assine”, explica Glucina.
“E esta seria, literalmente, a única parte do trabalho a ser realizada pelo ser humano. Temos um contrato de comum acordo entre as partes, totalmente negociado por IA.”
Todo o processo levou apenas alguns minutos.
“A ideia é reduzir os atrasos frequentemente verificados quando as pessoas deixam de receber algo na sua caixa de entrada, ou quando estão atarefadas demais com outra tarefa”, explica Glucina.
E os empregos?
O Autopilot é uma evolução da ferramenta de copiloto da Luminance, que codifica as cláusulas contratuais com cores para que os profissionais do setor jurídico possam analisá-las no Word.
As cláusulas aceitáveis ficam em verde, as inaceitáveis em vermelho e as fora do padrão em amarelo. A ferramenta pode também reescrever cláusulas com IA, baseada no seu conhecimento dos contratos aceitos pela empresa no passado.
Outras companhias, como a Lexcheck, Genie AI e ThoughtRiver, também oferecem tecnologias de análise de contratos. Mas a Luminance é a primeira a anunciar um piloto automático.
O sistema da Luminance é baseado em um grande modelo de linguagem (LLM, na sigla em inglês), o mesmo que serve de base para a popular ferramenta de geração de textos ChatGPT.
A principal diferença é que as ferramentas da Luminance foram treinadas com mais de 150 milhões de documentos legais, enquanto o ChatGPT usa conteúdo público disponível na internet.
Os bancos de conhecimento criados pelos usuários da Luminance incluem seus próprios documentos assinados, para que o software possa aprender quais termos contratuais são normalmente aceitos por aquela empresa específica.
Depois de assistir à demonstração, conversei com o consultor geral da ProSapient, Connagh McCormick.
Sua empresa procura especialistas para investidores, consultores e outros clientes interessados em pesquisar setores de mercado específicos.
Na sua equipe, três pessoas trabalham com contratos e há sempre 20 a 30 negociações em andamento com clientes.
Algumas levam apenas 48 horas, mas outras chegam a durar até 12 meses.
A ProSapient usa as soluções da Luminance para acelerar a análise dos contratos. E McCormick está ansioso para testar o novo Autopilot quando estiver disponível.
“Algumas pessoas perguntam ‘como você se sente com a IA fazendo toda a negociação?'”
“Tudo termina no colo dos dois advogados, para assinar”, ele conta.
“Nesse momento, eu vou ler o contrato e o outro advogado irá ler o contrato. Se eu discordar de qualquer ponto, tenho a oportunidade de destacar a questão. Não tenho compromisso com nada que tenha sido feito pela IA.”
Mas e o risco para os empregos? “Você sempre vai precisar daquela etapa humana ali”, afirma ele.
“Parte dos motivos que levam as pessoas a procurar advogados é a confiança. É muito mais difícil fazer com que a IA aja com responsabilidade do que uma pessoa. A IA significa que o tempo do advogado será aproveitado fazendo algo mais interessante, mais valioso”, acrescenta.
Nick Emmerson, presidente da Sociedade dos Advogados da Inglaterra e do País de Gales, concorda que os advogados continuarão sendo necessários.
Para ele, “no momento e, provavelmente, até um futuro distante, a IA não será capaz de substituir completamente a experiência jurídica oferecida por profissionais legalmente qualificados”.
“Isso ocorre porque os clientes têm diferentes necessidades e vulnerabilidades que ainda não podem ser atendidas por uma máquina e é necessário o julgamento humano para garantir que as decisões automáticas não resultem em possíveis falsos positivos”, completa.
“Existe também uma técnica de negociação e, em última análise, de barganha que a IA dificilmente irá dominar.
“Com qualquer inovação tecnológica, o significado de ser advogado tende a evoluir, bem como os tipos de empregos e as habilidades necessárias”, conclui Emmerson.
Fonte: BBC
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