- Clare Tweedy
- The Conversation*
Os cogumelos alucinógenos são uma promessa de benefícios para a medicina, mas só agora estamos começando a entender como eles poderão ajudar no tratamento da depressão.
Até 30% das pessoas com depressão não reagem ao tratamento com antidepressivos. Isso pode ocorrer devido a diferenças biológicas entre os pacientes e porque, muitas vezes, a reação às drogas demora muito tempo — o que leva algumas pessoas a desistir do tratamento.
Por isso, é urgente a necessidade de ampliar o conjunto de drogas disponíveis para tratar as pessoas com depressão.
Nos últimos anos, a atenção voltou-se aos psicodélicos, como a psilocibina — composto ativo dos “cogumelos mágicos”.
Apesar de uma série de exames clínicos ter demonstrado que a psilocibina pode tratar rapidamente a depressão, incluindo em pacientes com câncer, pouco se sabe sobre como essa substância age diretamente no cérebro.
Mas dois estudos recentes, publicados nas revistas científicas The New England Journal of Medicine e na Nature Medicine, esclareceram um pouco sobre esse misterioso processo.
A psilocibina é um alucinógeno que altera a reação do cérebro a uma substância chamada serotonina. Quando decomposta pelo fígado (em “psilocina”), ela causa um estado alterado de consciência e percepção nos usuários.
Estudos anteriores, usando imagens por ressonância magnética funcional (RMF) do cérebro, demonstraram que a psilocibina aparentemente reduz a atividade do córtex pré-frontal medial, uma área do cérebro que ajuda a regular uma série de funções cognitivas, incluindo a atenção, o controle da inibição, os hábitos e a memória. O composto também reduz as conexões entre essa região e o córtex cingulado posterior, que pode participar da regulagem da memória e das emoções.
A conexão ativa entre essas duas regiões do cérebro normalmente é uma característica da “rede de modo padrão” do cérebro. Essa rede fica ativa quando repousamos e nos concentramos internamente, talvez relembrando o passado, idealizando o futuro ou pensando sobre nós mesmos ou sobre outras pessoas.
Ao reduzir a atividade da rede, a psilocibina pode muito bem estar removendo as restrições do “eu” interno. Existem usuários que relatam terem ficado com a “mente aberta”, com maior percepção do mundo à sua volta.
É interessante observar que a ruminação mental — o estado de ficar “preso” em pensamentos negativos, especialmente sobre si próprio — é um marco característico da depressão. E sabemos que pacientes com níveis mais altos de ruminação negativa tendem a exibir maior atividade da rede de modo padrão (RMP, do inglês Default Mode Network), em comparação com outras redes em repouso. Eles passam literalmente a reagir menos ao mundo à sua volta.
Mas ainda é preciso observar se são os sintomas da depressão que causam essa alteração da atividade ou se as pessoas com rede de modo padrão mais ativa são mais propensas à depressão.
A evidência mais convincente de como funciona a psilocibina vem de um estudo aleatorizado duplo-cego (o padrão-ouro dos estudos clínicos), que comparou um grupo de pessoas com depressão tratadas com psilocibina com outro que recebeu o antidepressivo existente escitalopram — algo que nunca havia sido tentado antes.
O exame foi ainda analisado utilizando imagens de RMF do cérebro e os resultados foram comparados com as conclusões de RMF de outro exame clínico recente.
Apenas um dia depois da primeira dose de psilocibina, as medições de RMF revelaram um aumento geral da conectividade entre as diversas redes cerebrais, que são tipicamente reduzidas nas pessoas com depressão profunda. E a rede de modo padrão foi simultaneamente reduzida, enquanto a conectividade entre ela e as outras redes aumentou, confirmando estudos menores anteriores.
A substância causou maior aumento da conectividade em algumas pessoas do que em outras. Mas os estudos demonstraram que as pessoas com maior aumento da conexão entre as redes também apresentaram uma melhoria significativa dos sintomas seis meses depois.
Já o cérebro das pessoas que tomaram escitalopram não exibiu alteração da conectividade entre o modo padrão e as outras redes cerebrais seis semanas após o início do tratamento. É possível que esse medicamento possa trazer alterações mais tarde, mas o rápido início dos efeitos antidepressivos da psilocibina significa que ela pode ser ideal para as pessoas que não reagem aos antidepressivos existentes.
O estudo propõe que o efeito observado possa ocorrer porque a psilocibina apresenta ação mais concentrada que escitalopram sobre os receptores do cérebro conhecidos como “receptores de 5-HT2A serotonérgicos”. Esses receptores são ativados pela serotonina e são ativos ao longo de todas as regiões cerebrais em rede, incluindo a rede de modo padrão.
Já sabemos que o nível de ligação desses receptores à psilocibina causa efeitos psicodélicos, mas a forma exata em que essa ativação gera mudanças da conectividade de rede ainda aguarda ser explorada.
O fim dos antidepressivos tradicionais?
Essas conclusões levantam a questão se a alteração da atividade das redes cerebrais é necessária para o tratamento da depressão.
Muitas pessoas que tomam antidepressivos tradicionais ainda relatam melhora dos seus sintomas sem ela. E, de fato, o estudo demonstrou que, seis semanas após o início do tratamento, os dois grupos manifestaram redução dos sintomas.
Segundo algumas escalas de avaliação da depressão, a psilocibina apresentou maior efeito sobre o bem-estar mental geral. E uma maior parcela dos pacientes tratados com psilocibina exibiu reação clínica, em comparação com os tratados com escitalopram (70% contra 48%).
Além disso, mais pacientes no grupo de psilocibina ainda apresentaram redução dos sintomas após seis semanas (57% contra 28%). O fato de alguns pacientes não responderam à psilocibina ou terem tido recaída após o tratamento apenas demonstra como pode ser difícil o tratamento da depressão.
Outro ponto importante é que profissionais de saúde mental assistiram os dois grupos de tratamento durante e após o estudo. O sucesso da psilocibina depende muito do ambiente em que ela é administrada. Ou seja, usá-la para automedicação é uma má ideia.
Além disso, os pacientes para a terapia assistida por psilocibina foram cuidadosamente selecionados com base no seu histórico, para evitar o risco de psicose e outros efeitos prejudiciais.
Independentemente das ressalvas, esses estudos são incrivelmente promissores e podem ampliar as opções de tratamento disponíveis para pacientes com depressão. E os processos de pensamento negativo internalizados não são específicos da depressão. No devido tempo, outros distúrbios, como o vício e a ansiedade, podem também beneficiar-se da terapia assistida por psilocibina.
*Clare Tweedy é professora de neurociências da Universidade de Leeds, no Reino Unido.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
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