- Author, Juliana Tiraboschi
- Role, De Ilhabela (SP) para a BBC News Brasil
A neuropsicopedagoga Fernanda Martins está acostumada a atender e acolher as dificuldades de crianças e adolescentes em seu cotidiano profissional em Cotia, no interior de São Paulo.
Mas foi dentro de casa que ela se deparou com um desafio: como lidar com o medo da sua filha de 9 anos de que sua escola fosse alvo de um ataque em 20 de abril?
Rumores falsos circulavam pelas redes sociais de que neste dia – que marca os 24 anos do massacre de Columbine, nos Estados Unidos e é também aniversário do ditador nazista Adolf Hitler – haveria ataques em todo o país.
Ao mesmo tempo, desde o final do ano passado, aconteceram pelo menos cinco ataques. No primeiro, em novembro, um adolescente matou a tiros quatro pessoas e deixou 12 feridas em duas escolas no Espírito Santo.
Em São Paulo, um adolescente esfaqueou três alunos e uma professora, que acabou morrendo, no final de março. Dias depois, um homem assassinou brutalmente quatro crianças e feriu outras cinco em uma creche em Santa Catarina.
No Amazonas, um menino feriu a faca uma professora e dois outros alunos. E, em Goiás, um estudante feriu duas colegas. Também com uma faca.
A filha de Fernanda escutou os boatos dentro da própria escola e, preocupada, procurou a mãe. Primeiro, ela tentou tranquilizar a menina mostrando que a escola e as famílias já estavam sabendo do problema.
“Falei para ela que os adultos, que são os responsáveis pela segurança das crianças, estavam cuidando disso”.
Além disso, Fernanda optou por trabalhar com a filha questões de segurança em geral e tirar um pouco o foco da escola.
“Falo que existem sim situações perigosas e que temos que tomar cuidado com pessoas desconhecidas.”
Ou seja, o medo é um sentimento que tem o seu papel, já que está relacionado com prudência.
“Criança sem medo sai correndo pela rua. O que não pode é travar e deixá-la em pânico”, explica.
A psicóloga Elaine Alves, pesquisadora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), acrescenta que é importante falar para a criança ou adolescente que esse tipo de ataque é raro e reforçar que a escola é um lugar seguro.
De acordo com a psicóloga, que é doutora em Psicologia do Desenvolvimento humano e coordenadora do Núcleo de Intervenções Psicológicas em Emergências e Desastres (NIPED), trazer informações concretas ajuda a colocar a situação em perspectiva nesta hora.
Por exemplo, ao mostrar que, dentro de um universo de dezenas de milhares de escolas, esse tipo de violência ocorreu poucas vezes ao longo do tempo.
Alves também aconselha a manter a rotina e não deixar que os alunos deixem de ir para a escola por causa do medo de ataques. “A rotina é o que nos organiza”, diz.
A psicóloga está atendendo famílias, alunos e funcionários da escola estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, onde a professora atacada por um aluno morreu.
Também fez esse trabalho na escola Primo Bitti, uma das escolas atacadas no Espírito Santo, e na escola estadual Raul Brasil, em Suzano, no interior de São Paulo, onde, há quatro anos, dois ex-alunos mataram sete pessoas, cinco adolescentes e duas funcionárias, e se suicidaram em seguida.
Alves diz que, apesar dos ataques serem chocantes, a preocupação dos pais e das escolas deveria ser com as violências do cotidiano, como abusos físicos e emocionais, racismo, misoginia e preconceito religioso, e que o foco deve ser trabalhar o respeito aos colegas e professores.
A psicóloga também afirma ser fundamental trabalhar a confiança dos estudantes nos pais desde sempre e não apenas em momentos de crise.
Por exemplo, não fazer ameaças como dizer que se o filho tiver certa atitude o pai ou a mãe vai largá-lo sozinho em algum lugar ou não vai mais gostar dele, porque isso mina a confiança da criança ou adolescente nos adultos, explica Alves.
Caso um filho demonstre estar com medo de ir à escola, a recomendação de especialistas é para os pais conversarem com a instituição.
O apoio de um “adulto de segurança” na escola, que não precisa necessariamente ser o professor principal, pode ajudar um aluno que esteja mais fragilizado.
“Pode ser uma coordenadora, um inspetor. Uma pessoa a quem a criança vai recorrer se perder um material, se for mal na prova ou se estiver triste, alguém para oferecer um abraço”, diz Fernanda Martins.
“Algumas crianças passam pela escola sem nenhum conflito, mas tem outras que vão precisar de mais apoio.”
Se a criança ou adolescente ainda não quiser ir para a aula, outro recurso é estabelecer objetos de segurança, como uma naninha, bicho de pelúcia, uma foto da família, um chaveiro na mochila ou um amuleto.
“Algo que torne mais concreta a sensação de que a criança está segura”, diz a neuropsicopedagoga.
Os pais também podem transmitir segurança sem ter de esconder seus próprios sentimentos.
Fernanda Martins diz que não há problema se os pais demonstram preocupação, mas reafirmando que confiam na escola e que as medidas necessárias estão sendo tomadas. Ao expor seus medos, os adultos validam os sentimentos dos filhos.
A psicóloga Elaine Alves concorda que os pais podem mostrar vulnerabilidade. Quando choram na frente dos filhos, por exemplo, é como se “autorizassem” que os filhos façam o mesmo.
O tipo de conversa varia com a idade
Mas o modo como os adultos lidam com os receios dos filhos deve variar de acordo com sua idade.
Fernanda Martins aconselha, por exemplo, que crianças de até 7 anos não tenham contato com informações a respeito de ataques e massacres, se for possível evitar.
Até esta idade, a criança se guia muito pela fantasia, e a ideia de atos violentos como esses se tornam um monstro ainda mais assustador dentro da mente delas.
A partir dos 8 anos, os medos se tornam mais concretos. “A criança pode demonstrar temor de morrer ou dos pais morrerem”, diz Martins.
Dessa idade em diante, os pais podem explicar melhor o que aconteceu nas escolas e as ameaças de novos ataques, caso a criança fique sabendo e traga essa preocupação para casa, mas sem dar detalhes sinistros.
Elaine Alves também indica ficar muito atento às coisas que as crianças falam e às brincadeiras.
“A criança pode escutar um burburinho na escola e sentir medo, mas nem saber exatamente do quê. É na conversa do cotidiano que ela vai dar sinais de que há algum problema”, diz a psicóloga.
A partir de 12 ou 13 anos, é mais provável que o adolescente tenha acesso às informações sobre o que ocorreu por redes sociais, sites de notícias ou em conversas com amigos.
Nessa fase, os pais podem puxar o assunto mais abertamente e perguntar se o filho soube dos ataques ou se teve acesso a algum rumor sobre ameaças de novos massacres, sempre reforçando a confiança na escola.
“Nesse caso, os pais é que têm que falar, se não parece um assunto proibido”, diz Alves.
A psicóloga também recomenda que os pais fiquem atentos a mudanças de comportamento nos filhos e a qual tipo de conteúdo eles acessam, para saber se estão sendo expostos ou até propagando conteúdos violentos ou relacionados a bullying ou assédio.
“Os pais é que determinam a qual nível de privacidade os filhos têm direito”, diz Alves.
“Os adultos podem até não ler mensagens particulares, mas entendo como uma obrigação dar uma olhada geral. Isso é cuidado, é papel dos pais, responsabilidade deles.”
O que os adultos não devem fazer nunca, segundo os especialistas, é desmerecer o medo, ao dizer, por exemplo, que a preocupação é uma bobagem.
“Os filhos vão perceber que os pais estão preocupados, sim. O que vai ajudar a saber lidar com o medo é conversar, dizer que vai enfrentar isso junto com a criança”, diz Fernanda Martins.
“A criança sofre, o adulto às vezes desmerece, mas, para ela, aquele problema que ela está vivendo é importante”, diz Elaine Alves.
Família e escola unidas
Um bom caminho para fortalecer a segurança e confiança nas escolas pode ser, além do acolhimento, fortalecer o vínculo das famílias com as escolas.
O Colégio Stocco, de Santo André, na região da Grande São Paulo, tem conversado com os pais e proposto discussões entre os alunos.
“Fomos fazendo um trabalho mais amplo desde que os ataques aconteceram e os boatos começaram e não tivemos faltas no dia 20”, diz o diretor da escola, Roberto Belmonte Júnior.
De acordo com o diretor, a escola fez rodas de conversas nas salas, e os alunos compartilharam seus medos e preocupações durante estes papos.
“A partir dessas percepções, bolamos estratégias, e daí veio a ideia de fazer uma árvore da paz”, diz.
O colégio já tinha como parte da programação reunir periodicamente alunos de diferentes séries no ginásio da escola para discutir temas relevantes.
Devido aos ataques recentes e à preocupação dos pais, a cultura da paz virou um dos temas destas discussões.
No dia 20 de abril, os alunos do quarto ano do ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio trouxeram bilhetes escritos por eles ou pelas famílias dizendo o que fazem para cultivar a paz e os penduraram em uma grande árvore montada com esse propósito.
“Apareceram muitas mensagens falando de união, amizade e respeito”, diz Belmonte Júnior.
Essas iniciativas têm, na visão do diretor, transmitido confiança e deixado os alunos mais tranquilos.
“É claro que a violência existe e precisamos estar atentos. Mas é importante demonstrar bom senso. Estarmos alertas, mas não apavorados”, afirma o diretor.
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