- Author, Lucy Sherriff
- Role, BBC Future
Uma massa esponjosa de tom marrom-esverdeado costuma se formar em grande quantidade ao longo da superfície dos pântanos rasos do Everglades, no sul da Flórida, nos Estados Unidos.
À primeira vista, pode parecer uma proliferação de algas, que sugam o oxigênio da água, liberando toxinas e sufocando o ecossistema da região.
Mas, na verdade, trata-se de uma bela e produtiva reunião de algas e fungos, além de outros parceiros improváveis, como detritos vegetais, micróbios e bactérias.
Essa comunidade de seres forma um relacionamento perfeitamente adaptado, conhecido como perifíton. Ele fornece a base do ecossistema altamente biodiverso do Everglades, segundo a cientista Meenakshi Chabba, da Fundação Everglades, uma organização sem fins lucrativos da Flórida.
Para ela, “é incrível porque você tem essa comunidade de organismos que se reúnem e formam esse material que é a base de toda a cadeia alimentar por aqui”.
O perifíton é um exemplo de mutualismo – um relacionamento entre espécies diferentes, mas inesperadamente próximas entre si.
Como ocorre com qualquer relacionamento, o mutualismo envolve complexas situações de codependência e benefícios mútuos.
Existem dois tipos de mutualismo: o que ocorre entre espécies altamente dependentes entre si, conhecido como mutualismo obrigatório; e aquele entre espécies que têm um relacionamento de “amigos com benefícios”, conhecido como mutualismo facultativo.
Ou seja, os participantes deste último tipo conseguem extrair algo do relacionamento, mas sobreviveriam normalmente sem a outra parte.
A mistura viscosa de algas e matéria fúngica do perifíton pode não ser a combinação mais glamourosa da natureza, mas ela resultou em um romance simbiótico que existe “provavelmente há centenas de milhões de anos”, segundo Chabba.
Enquanto muitos de nós refletimos sobre os ingredientes de um bom relacionamento, existem outros casamentos bastante incomuns, mas muito bem sucedidos, entre o reino animal e o vegetal. Essas relações talvez possam oferecer aos seres humanos alguma inspiração amorosa.
Morcegos-lanudos e plantas carnívoras
Não são todos os animais que conseguem enfrentar a planta carnívora Nepenthes hemsleyana. Mas esta beleza natural da ilha de Bornéu, no sudeste asiático, encontrou o seu par perfeito: o morcego-lanudo-de-hardwicke (Kerivoula hardwickii).
A planta normalmente sufoca suas vítimas com sua baba pegajosa. Mas, com o morcego, é diferente: ela o atrai com um refletor de ecos.
Na verdade, a planta não está atrás do morcego. O caçador tropical só procura uma coisa: as fezes do animal.
As plantas carnívoras crescem em solo com baixo teor de nutrientes. Por isso, elas precisam de fertilizante – e as fezes são um alimento perfeito.
Em troca, os morcegos encontram a cama dos seus sonhos. Eles passam o dia descansando dentro da planta, que oferece um refúgio seguro aos animais, sem transformá-los em comida.
Raízes de trevos e bactérias consumidoras de açúcar
Os legumes (como feijões, ervilhas, grãos-de-bico e trevos) formam uma relação simbiótica com as bactérias que fixam o nitrogênio do ar no solo e o transformam em amônia. As plantas transformam essa amônia em proteínas, que usam para crescer.
Este relacionamento mutuamente benéfico já dura cerca de 60 milhões de anos.
Em troca pela ajuda, a planta abriga as bactérias nos nódulos de suas raízes – minúsculas esferas rosadas – e fornece açúcares e oxigênio para que elas também possam crescer.
Por isso, na próxima vez em que você estiver limpando o jardim e arrancar um trevo, observe suas raízes para se maravilhar com essa parceria ancestral.
Crocodilos e aves
A curiosa associação entre um crocodilo e um pássaro pode parecer algo bastante improvável. Mas a aliança entre o crocodilo-do-nilo e a ave-do-crocodilo já era documentada na Antiguidade – pelo menos desde 440 a.C.
Pouco sabemos sobre o que mantém a parceria dessa dupla. Alguns especialistas chegam a defender que o relacionamento em que a ave limpa os dentes do crocodilo é apenas um mito.
Mas existem evidências de que crocodilos e aves pernaltas em outras partes do mundo mantêm um relacionamento sério.
Nos Estados Unidos, existem aves pernaltas que escolhem ativamente seus locais de nidificação em cima de aligátores-americanos. A intenção é aproveitar a proteção que esses répteis podem oferecer ao ninho, afastando outros predadores ladrões de ovos.
O benefício para os aligátores é o saboroso banquete fornecido pelos filhotes que caírem do ninho.
Avestruzes e zebras
As avestruzes têm visão fraca, mas ótimo olfato. Já as zebras enxergam bem, mas seu olfato é terrível. Elas formam um casamento celestial que vem sendo observado desde os primeiros registros de Charles Darwin (1809-1882).
Zebras e avestruzes são frequentemente observadas juntas nas savanas africanas. Elas se ajudam mutuamente combinando seus sentidos para alertar umas à outras quando surgem predadores.
E quando o parceiro desaparece?
O que acontece com esses mutualismos quando uma das espécies fica ameaçada ou se extingue?
O impacto do ser humano sobre o planeta, causando perda de habitat ou introduzindo espécies exógenas que podem afetar um dos parceiros, vem causando grandes alterações sobre esses relacionamentos e “divorciando” muitas parcerias.
No Havaí, por exemplo, existem plantas que evoluíram para se encaixarem perfeitamente no bico das aves que se alimentam delas.
Mas, quando essas aves são extintas, as plantas que dependiam delas para sua polinização devem se extinguir logo em seguida. Ou seja, as plantas ficaram “viúvas” e podem não conseguir sobreviver sem seus parceiros polinizadores.
O mutualismo pode “unir as espécies rumo a um destino comum”, como observou um estudo sobre parcerias entre espécies. A quebra do relacionamento traz consigo o potencial de expandir e acelerar os efeitos da perda da biodiversidade e perturbação do ecossistema.
Mas nem tudo são rompimentos e separações. A natureza é resiliente e essas espécies podem encontrar formas de sobreviver fora dos seus relacionamentos simbióticos.
“Existem casos evidentes em que o mutualismo exibe capacidade surpreendente de se adaptar às mudanças globais – e até casos de evolução de novas parcerias”, afirma a bióloga evolutiva Toby Kiers.
Kiers destaca que muitas dessas novas parcerias ocorrem com espécies invasoras. É o caso dos fungos que desenvolvem alianças com eucaliptos não nativos.
De forma que, para ela, “nem tudo é tristeza e desolação”.
Fonte: BBC
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