- Author, Peter W Halligan e David A Oakley
- Role, The Conversation*
Por que a experiência da consciência evoluiu a partir da nossa fisiologia cerebral subjacente? Apesar de ser uma área empolgante da neurociência, as pesquisas atuais sobre a consciência são caracterizadas por divergências e controvérsias. Existe uma disputa entre uma série de teorias concorrentes.
Uma revisão de escopo recente de mais de mil artigos identificou mais de 20 posições teóricas diferentes. Filósofos como David Chalmers argumentam que nenhuma teoria científica pode explicar verdadeiramente a consciência.
Definimos consciência como percepção subjetiva incorporada, incluindo autoconsciência. Em um artigo recente publicado na revista Interalia (que não foi revisado por pares), argumentamos que uma das razões para esta situação é o poderoso papel desempenhado pela intuição.
Não estamos sozinhos. O cientista social Jacy Reese Anthis escreveu que “grande parte do debate sobre a natureza fundamental da consciência assume a forma de um duelo de intuições, no qual cada uma das diferentes partes relatam suas próprias intuições fortes, e elas duelam umas contra as outras”.
Perigos da intuição
As principais crenças intuitivas — por exemplo, que nossos processos mentais são distintos dos nossos corpos físicos (dualismo mente-corpo) e que os nossos processos mentais dão origem e controlam as nossas decisões e ações (causalidade mental) — são reforçadas por uma vida inteira de experiências subjetivas.
Estas crenças são encontradas em todas as culturas humanas. São importantes porque servem como crenças fundamentais para a maioria das democracias liberais e dos sistemas de justiça criminal. Elas são resistentes a contraprovas. Isto porque são fortemente validadas por conceitos sociais e culturais como o livre arbítrio, os direitos humanos, a democracia, a justiça e a responsabilidade moral. Todos esses conceitos pressupõem que a consciência desempenha uma influência controladora central.
A intuição, no entanto, é um processo cognitivo automático que evoluiu para fornecer explicações e previsões rápidas e confiáveis. Na verdade, ela faz isso sem a necessidade de sabermos como ou por que sabemos disso. Os resultados da intuição moldam, portanto, a forma como percebemos e explicamos nosso mundo cotidiano, sem a necessidade de uma reflexão extensa ou de explicações analíticas formais.
Embora úteis e cruciais para muitas atividades cotidianas, as crenças intuitivas podem estar erradas. E também podem interferir na alfabetização científica.
Os relatos intuitivos da consciência, em última análise, nos colocam no comando, como “capitães do nosso próprio barco”. Achamos que sabemos o que é a consciência e o que ela faz simplesmente por vivenciá-la. Pensamentos mentais, intenções e desejos são vistos como determinantes e controladores das nossas ações.
A ampla aceitação destas explicações intuitivas tácitas ajuda a explicar, em parte, por que é que o estudo formal da consciência foi relegado às margens da neurociência convencional até o final do século 20.
O problema para os modelos científicos de consciência continua a ser acomodar estas explicações intuitivas dentro de uma estrutura materialista consistente com as descobertas da neurociência. Embora não haja uma explicação científica atual sobre como o tecido cerebral gera ou mantém a experiência subjetiva, o consenso entre (a maioria) dos neurocientistas é que ela é um produto de processos cerebrais.
Se for esse o caso, por que a consciência, definida como percepção subjetiva, evoluiu?
A consciência provavelmente evoluiu como parte da evolução do sistema nervoso. De acordo com várias teorias, a principal função adaptativa (proporcionar ao organismo vantagens reprodutivas e de sobrevivência) da consciência é tornar possível o movimento volitivo. E a volição é algo que, em última análise, associamos à vontade, ao arbítrio e à individualidade. Portanto, é fácil pensar que a consciência evoluiu para nos beneficiar como indivíduos.
Mas argumentamos que a consciência pode ter evoluído para facilitar funções adaptativas sociais fundamentais. Em vez de ajudar os indivíduos a sobreviver, ela evoluiu para nos ajudar a transmitir as nossas ideias e sentimentos vivenciados para o resto do mundo. E isto pode beneficiar a sobrevivência e o bem-estar da espécie como um todo.
A ideia se encaixa no novo pensamento sobre genética. Embora a ciência evolucionista se concentre tradicionalmente nos genes individuais, há um reconhecimento cada vez maior de que a seleção natural entre os humanos opera em vários níveis. Por exemplo, a cultura e a sociedade influenciam características transmitidas entre gerações — valorizamos algumas mais do que outras.
No centro da nossa explicação, está a ideia de que a sociabilidade (a tendência de grupos e indivíduos desenvolverem relações sociais e viverem em comunidades) é uma estratégia de sobrevivência fundamental que influencia a forma como o cérebro e a cognição evoluem.
Adotando esta estrutura social evolutiva, nós propomos que a percepção subjetiva carece de qualquer capacidade independente de influenciar causalmente outros processos ou ações psicológicas. Um exemplo seria iniciar um plano de ação. A ideia de que a percepção subjetiva tem um propósito social foi descrita anteriormente por outros pesquisadores.
Mas afirmar que a percepção subjetiva não tem influência causal não significa negar a realidade da experiência subjetiva ou afirmar que a experiência é uma ilusão.
Embora nosso modelo retire a percepção subjetiva do comando tradicional da mente, isso não significa que não valorizamos experiências internas privadas. Na verdade, é justamente devido ao valor que damos a estas experiências que os relatos intuitivos permanecem convincentes e difundidos nos sistemas de organização social e jurídica e na psicologia.
Apesar de ser contraintuitivo atribuir arbítrio e responsabilidade pessoal a um conjunto biológico de células nervosas, faz sentido que construções sociais altamente valorizadas, como o livre arbítrio, a verdade, a honestidade e a justiça, possam ser atribuídas de forma significativa aos indivíduos como pessoas responsáveis numa comunidade social.
Pense nisso. Embora estejamos profundamente arraigados à nossa natureza biológica, a nossa natureza social é amplamente definida por nossos papéis e interações na sociedade. Desta forma, a arquitetura mental da mente deve estar fortemente adaptada para a troca e recepção de informações, ideias e sentimentos. Consequentemente, embora os cérebros, enquanto órgãos biológicos, sejam incapazes de responsabilidade e arbítrio, as tradições jurídicas e sociais há muito tempo responsabilizam os indivíduos pelo seu comportamento.
Para se chegar a uma explicação mais científica para a percepção subjetiva, é necessário aceitar que a biologia e a cultura trabalham coletivamente para moldar a forma como os cérebros evoluem. A percepção subjetiva compreende apenas uma parte da arquitetura mental muito mais ampla do cérebro, projetada para facilitar a sobrevivência e o bem-estar da espécie.
*Peter W Halligan é professor de neuropsicologia na Universidade de Cardiff , no País de Gales.
David A Oakley é professor de psicologia na University College London (UCL), na Inglaterra.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
Fonte: BBC
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