- Author, Luke Mintz
- Role, BBC Future
Aconteceu pela primeira vez quando eu era adolescente. Foi no início da manhã, algumas horas antes de me levantar para ir para a escola.
Eu acordei e tentei me virar na cama, mas meu corpo não deixava.
Não conseguia me mover. Estava paralisado da cabeça aos pés.
Meu cérebro estava consciente, mas meus músculos ainda estavam dormindo.
O quarto parecia quente e limitador, como se as paredes estivessem se fechando.
Fiquei em pânico, até que, cerca de 15 segundos depois, consegui me mover.
Só mais tarde descobri o nome do que havia acontecido comigo: paralisia do sono.
É uma condição noturna surpreendentemente comum, na qual parte do seu cérebro acorda, enquanto o seu corpo permanece temporariamente paralisado.
Depois daquele primeiro e assustador episódio, a paralisia tornou-se frequente — um episódio a cada duas ou três noites.
Quanto mais acontecia, menos assustadora ela se tornava, até que passou a ser pouco mais do que um inconveniente.
Mas a paralisia do sono pode ser algo muito mais sério. E, para algumas pessoas, ela é acompanhada de terríveis alucinações.
Conversei com uma pessoa afetada pela condição, que pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome. Victoria tem 24 anos de idade e se lembra do que aconteceu com ela certa noite, quando tinha apenas 18 anos.
“Acordei e não conseguia me mover”, ela conta. “Vi essa figura parecida com um gremlin escondida atrás da minha cortina. Ela pulou sobre o meu peito. Achei que tivesse entrado em outra dimensão. E o mais assustador era que eu não conseguia gritar. Era tudo tão vívido, tão real.”
Outras pessoas têm alucinações com demônios, fantasmas, alienígenas, intrusos ameaçadores e até parentes mortos.
Elas veem partes dos seus próprios corpos flutuando no ar ou cópias clonadas de si próprias, em pé ao lado da cama. Alguns veem anjos e acreditam, mais tarde, que tiveram uma experiência religiosa.
Pesquisadores acreditam que essas alucinações possam ter alimentado a crença nas bruxas na Europa, no início da Idade Moderna, e talvez até expliquem alguns relatos atuais de abdução por alienígenas.
Os cientistas acreditam que a paralisia do sono provavelmente tenha existido desde o surgimento dos seres humanos.
Existem diversas descrições detalhadas de episódios ao longo da história da literatura. Mary Shelley, por exemplo, aparentemente se inspirou em uma pintura ilustrando um episódio de paralisia do sono para escrever uma cena no livro Frankenstein.
Mas a paralisia do sono só começou a ser estudada recentemente.
“Foi um fenômeno ignorado… mas, nos últimos 10 anos, o interesse vem aumentando”, afirma o pesquisador do sono Baland Jalal, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
Em 2020, Jalal conduziu o que pode ter sido o primeiro teste clínico sobre diferentes formas de tratamento da paralisia do sono.
Jalal é um dos poucos cientistas do sono que estão investindo tempo e energia na pesquisa dessa condição.
Eles esperam elaborar um quadro mais detalhado das suas causas e efeitos — e descobrir o que a condição pode nos contar sobre os mistérios do cérebro humano como um todo.
Até recentemente, havia pouco consenso sobre a experiência da paralisia do sono. Os estudos eram esporádicos e havia pouca consistência entre os métodos.
Até que, em 2011, o psicólogo clínico Brian Sharpless realizou a análise mais abrangente já realizada sobre a incidência da condição. Na época, ele trabalhava na Universidade Estadual da Pensilvânia e, atualmente, é professor visitante do St. Mary’s College de Maryland, ambos nos Estados Unidos.
O psicólogo também é um dos autores do livro Sleep Paralysis: Historical, Psychological and Medical Perspectives (“Paralisia do sono: perspectivas históricas, psicológicas e médicas”, em tradução livre).
Sua análise incluiu dados de 35 estudos realizados ao longo de cinco décadas. Coletivamente, eles envolveram mais de 36 mil voluntários.
Sharpless concluiu que a paralisia do sono é mais comum do que se pensava anteriormente.
Quase 8% dos adultos afirmaram ter passado pela experiência em algum momento da vida. Este índice é muito maior entre estudantes universitários (28%) e pacientes psiquiátricos (32%).
“Realmente, não é tão incomum”, afirma Sharpless.
A explicação e o tratamento
Depois da experiência com a condição, algumas pessoas buscam explicações sobrenaturais ou até paranormais. Mas, na verdade, Jalal explica que a causa é muito mais simples.
À noite, o nosso corpo passa por quatro estágios de sono. O último estágio é o chamado movimento rápido dos olhos (REM, na sigla em inglês). É neste estágio que sonhamos.
Durante o sono REM, o cérebro paralisa os músculos, provavelmente para evitar que você atue fisicamente nos seus sonhos e acabe se machucando. Mas, às vezes (os cientistas ainda não sabem exatamente o motivo), a parte sensorial do cérebro sai prematuramente do sono REM.
Com isso, você acorda. Mas a parte inferior do cérebro ainda está em REM, explica Jalal, e continua enviando neurotransmissores para paralisar seus músculos.
“A parte sensorial do cérebro fica ativa”, segundo Jalal. “Você está acordando mental e sensorialmente — mas, fisicamente, você ainda está paralisado.”
Quando eu tinha pouco mais de 20 anos de idade, eu sofria de paralisia do sono a cada duas ou três noites, mas o impacto sobre a minha vida, mesmo naquela época, era pequeno.
Era apenas uma história interessante para contar para a família e os amigos. E, neste particular, minha experiência era comum.
“Para a maioria das pessoas, é algo peculiar que faz parte das suas vidas”, afirma Colin Espie, professor de medicina do sono da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
“É um pouco como o sonambulismo”, segundo ele. “A maioria das pessoas sonâmbulas nunca consulta um médico. É uma curiosidade familiar, um tema de conversa.”
Mas, para uma minoria infeliz, a condição é mais desafiadora. A pesquisa de Sharpless concluiu que 15% a 44% das pessoas que sofrem de paralisia do sono passam por “estresse clinicamente significativo”, devido à condição.
Os problemas costumam surgir como consequência da forma como reagimos à paralisia do sono, mais do que da condição em si. Os pacientes passam o dia obcecados para saber quando poderá surgir o próximo episódio.
“Ela pode gerar ansiedade no início e no final da noite”, explica Espie. “Você cultiva uma rede de preocupação em torno dela. Sua pior expressão é tornar-se uma espécie de ataque de pânico.”
Nos casos mais sérios, a paralisia do sono pode ser um sinal de narcolepsia latente — uma condição do sono mais séria, na qual o cérebro é incapaz de regular os padrões de sono e vigília, fazendo com que a pessoa adormeça em momentos inadequados.
Os médicos afirmam que a paralisia ocorre com mais frequência quando a pessoa dorme pouco, o que fragmenta a arquitetura do sono. Alguns pacientes também costumam sofrer mais quando dormem de barriga para cima, embora a explicação para este fenômeno seja desconhecida.
O tratamento mais comum da paralisia do sono é educacional. Os pacientes simplesmente aprendem a ciência por trás da condição e são tranquilizados, sabendo que não há perigo.
Às vezes, pode-se utilizar alguma forma de meditação. O objetivo é reduzir a ansiedade dos pacientes na hora de ir dormir e treiná-los a permanecer calmos quando surgir a paralisia do sono.
Em casos mais sérios, pode-se considerar o uso de medicamentos, incluindo inibidores seletivos da recaptação de serotonina (SSRIs, na sigla em inglês), normalmente empregados para o tratamento da depressão, mas que apresentam o efeito colateral de suprimir o sono REM.
‘Máquina de contar histórias’
Os episódios mais dramáticos e memoráveis da paralisia do sono normalmente são acompanhados de alucinações vívidas. Normalmente, essas visões noturnas causam medo, mas os cientistas também acreditam que elas possam nos contar histórias fascinantes sobre o cérebro humano.
Quando entramos em paralisia do sono, o córtex motor do cérebro começa a enviar sinais para o corpo, dizendo para que ele se mova. Mas os músculos estão paralisados, de forma que o cérebro não recebe sinais de retorno.
“Existe uma incongruência… o indivíduo está partido, decomposto”, afirma Jalal.
Como resultado, o cérebro “preenche a lacuna” e cria sua própria explicação por que os músculos não conseguem se mover. É por isso que tantas alucinações incluem uma criatura sentada no peito ou segurando o corpo da pessoa.
Este processo reforça a ideia comum entre os cientistas evolucionistas de que o cérebro humano é uma “máquina de contar histórias”.
Nós lutamos para aceitar o fato de que grande parte do mundo é aleatória e, com isso, nosso cérebro imagina narrativas dramáticas, em um esforço para encontrar significado em algo corriqueiro.
Christopher French, chefe da unidade de pesquisa sobre psicologia anomalística da Universidade Goldsmiths, em Londres, passou mais de uma década conversando com pessoas de todo o mundo que sofreram essas alucinações e registrando o que elas diziam.
“Existem temas comuns, mas também há muitas idiossincrasias, muita variabilidade”, afirma French.
Algumas alucinações são de difícil explicação e até, simplesmente, bizarras.
Ao longo dos anos, French registrou visões de um gato preto com aparência sinistra e um homem sendo estrangulado por plantas. Mas outras alucinações são muito mais comuns e parecem ser fortemente influenciadas pela cultura local.
Na Terra Nova, no Canadá, é comum ver uma “bruxa velha” sentada sobre o peito. Já os mexicanos relatam um “homem morto” deitado sobre o peito e, em Santa Lúcia, no Caribe, as pessoas falam em kokma — as almas das crianças não batizadas — estrangulando-as durante o sono.
Os turcos descrevem o karabasan, uma criatura misteriosa e fantasmagórica, enquanto os italianos costumam ter alucinações com bruxas.
Tudo isso fortalece a ideia de que os seres humanos são animais predominantemente sociais e fortemente influenciados pela cultura e pelas expectativas.
De fato, em uma série de estudos, Baland Jalal comparou os sintomas da paralisia do sono na Dinamarca e no Egito, entre voluntários com idade e distribuição de gênero similares. Ele encontrou um abismo cultural nas formas de manifestação da paralisia do sono.
Os egípcios sofreram paralisia do sono com muito mais frequência do que os dinamarqueses (44% contra 25%) e apresentaram maior propensão a apresentar explicações sobrenaturais. Os voluntários egípcios que acreditavam em fantasmas e demônios também passaram mais tempo paralisados em cada episódio.
A teoria de Jalal é que o medo do sobrenatural aumenta o medo das pessoas em relação à paralisia do sono. E essa ansiedade torna o fenômeno mais comum — uma demonstração da relação íntima entre o nosso corpo e a nossa mente.
“Quando você tem estresse e ansiedade, a sua arquitetura do sono ficará mais fragmentada, de forma que você tem maior propensão a sofrer paralisia do sono”, afirma ele.
“Digamos que a sua avó diga, ‘a criatura tem esta aparência, ela vem à noite e ataca você'”, prossegue ele. “E, devido a esse medo, [você fica] hiperdesperto, os centros de medo do seu cérebro estão hiperalertas. E eis que, durante o sono REM, [você] sente, ‘oh, algo está errado, não consigo me mover, a criatura está aqui’.”
“Parece que a cultura realmente pode criar este efeito surpreendente”, conclui Jalal.
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