Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, vários superiates ligados a oligarcas russos desapareceram dos sistemas internacionais de rastreamento marítimo. Mas imagens de satélite e fotografias postadas nas mídias sociais revelaram seus esconderijos.
Oligarcas russos foram atingidos por sanções internacionais após o início da guerra na Ucrânia. Desde então, seus iates sumiram “misteriosamente” dos sistemas de rastreamento.
Esse desaparecimento viola a convenção da ONU sobre Segurança da Vida no Mar, que diz que grandes embarcações devem ter seu Sistema de Identificação Automática (AIS, na sigla em inglês) ligado, a menos que haja risco para a embarcação e tripulação — como num caso de ataque de piratas, por exemplo.
O paradeiro de alguns dos superiates segue desconhecido, mas a BBC usou imagens de satélite publicamente disponíveis e mídias sociais para rastrear quatro deles.
“É incomum não ter sinais por tanto tempo, quando historicamente esses iates sempre emitiram sinais”, diz um analista do provedor de dados marítimos VesselsValue.
Três dos iates transmitiram dados de posição todos os dias este ano, inclusive no porto, até que pararam de repente. Dois iates navegaram mais de mil km sem serem rastreados pelo AIS.
Em março e abril, quando EUA, União Europeia e Reino Unido passaram a apreender superiates avaliados em milhões de dólares vinculados a magnatas russos (eles aparecem raramente como os proprietários registrados dessas embarcações), esses navios pareciam estar em segurança.
Saiba onde eles estão agora.
Galactica Super Nova, ligado ao bilionário do petróleo Vagit Alekperov
O superiate de 70 metros acomoda 12 pessoas em seis suítes luxuosas e possui uma piscina com fundo de vidro de seis metros, uma cascata e um heliporto.
O iate de US$ 80 milhões (R$ 420 milhões) registrou sua última posição em 2 de março, quando estava na costa de Montenegro. Sua jornada havia começado em 26 de fevereiro — dois dias após a invasão da Ucrânia — em Barcelona, norte da Espanha.
A essa altura, nem o superiate nem Alekperov, fundador da maior companhia petrolífera da Rússia, a Lukoil, estavam sob sanções internacionais. Mas as autoridades espanholas mais tarde apreenderam vários superiates russos à medida que a lista de oligarcas sancionados por conexões com o presidente Vladimir Putin crescia.
Alekperov foi alvo de sanções pelo Reino Unido e pela Austrália em abril e deixou o cargo de presidente da Lukoil logo depois. O Canadá também o incluiu em sua lista de pessoas sancionadas.
De Montenegro, o Galactica Super Nova navegou mais de 1,5 mil km a sudeste sem transmitir um sinal AIS. As postagens do Instagram mostram que agora ele está na marina Port Azure em Gocek, na Turquia, tendo chegado lá em 9 de maio.
Como a Turquia não está cooperando com sanções internacionais contra Moscou, o iate parece estar fora de perigo de apreensão.
“Em geral, a Turquia está com mais iates do que antes por causa das sanções contra os oligarcas russos”, disse uma fonte ligada ao mercado de iates de luxo da Turquia à BBC.
“Ambos os iates do [ex-proprietário do time de futebol Chelsea, Roman] Abramovich estão aqui há muito tempo. E provavelmente vão ficar mais tempo, já que eles não têm para onde ir.”
Quantum Blue, ligado ao oligarca do varejo Sergey Galitsky
O Quantum Blue é ainda maior que o Galactica Super Nova e percorreu uma distância também superior — mais de 1,7 mil km — desde que seu sistema AIS parou de emitir sinais.
Ele vale cerca de US$ 250 milhões (cerca de R$ 1,3 bilhão), tem 104 metros e possui uma tripulação de 40 pessoas, além de cinema, salão de beleza e heliponto.
Embora Galitsky não tenha sido alvo de sanções, o navio foi temporariamente impedido de deixar o porto de Mônaco em março. Quando foi liberado, navegou pelo Mediterrâneo e entrou no Canal de Suez em 16 de março.
Ao passar pela Península Arábica, seu sistema de rastreamento parou de enviar sinais em 22 de março, não muito longe da fronteira Iêmen-Omã.
Sua localização atual foi revelada por um colaborador da página Gibraltar Yachting no Facebook.
A fonte, que não quer ser identificada porque trabalha na indústria marítima, diz que estava de férias em Dubai e foi a Port Rashid para fotografar um superiate de propriedade do xeque Mohammed bin Rashid Al-Maktoum, primeiro-ministro dos Emirados Árabes.
A fonte diz que foi impedida de se aproximar do cais por um segurança.
“Ele me disse: ‘Fotos não, fotos não.’ Eu não conseguia nem chegar perto.”
Mas indo para o convés superior do navio de cruzeiro QE2, nas proximidades — agora um hotel flutuante e atração turística — ele ficou surpreso ao ver não apenas o navio do xeque, mas também o Quantum Blue e outro superiate russo, Madame Gu, ligado ao magnata dos metais Andrey Skoch, também alvo de sanções.
Perguntada pela BBC se achava que o sistema de rastreamento AIS da Quantum Blue foi desligado deliberadamente, a fonte disse: “Definitivamente”.
“Quase todos esses iates russos têm o AIS desligado. Eles desligam o AIS pouco antes de entrar no porto basicamente para se esconder.”
Antes disso, o Quantum Blue estava transmitindo o sinal AIS mesmo enquanto estava parado.
Fotografias de satélite publicamente disponíveis, tiradas pela Agência Espacial Europeia, mostram que o Quantum Blue chegou a Dubai entre 14 e 29 de março e que permanece ali.
Mesmo que Galitsky seja alvo de sanções no futuro, Dubai não tem um acordo sobre apreensão de propriedades com os EUA, Reino Unido ou UE.
O oligarca foi mencionado como dono do superiate pelos sites RT, Forbes, Financial Times e outras publicações.
Clio, ligado ao industrial bilionário Oleg Deripaska
O superiate de US$ 65 milhões (R$ 340 milhões) e 73 metros viajou mais longe do que qualquer um dos navios russos que desapareceram dos radares.
O Clio deixou Galle, no Sri Lanka, em 10 de fevereiro e foi para as ilhas Maldivas. De lá, navegou para noroeste em direção ao Golfo antes de retornar ao arquipélago.
Depois disso, se deslocou para o Mar Vermelho, passou pelo Canal de Suez e seguiu para o norte. Seu sistema AIS interrompeu a transmissão em 18 de abril, depois de passar pelo Bósforo para o Mar Negro.
Em seguida, viajou cerca de 900 km até o porto russo de Adler. Imagens de satélite mostram que a embarcação chegou em 22 de abril e continua ali. Também apareceu em postagens no aplicativo Telegram.
Um porta-voz de Deripaska, um industrial com uma fortunada estimada em US$ 3,5 bilhões (R$ 18 bilhões), disse não ser dono do Clio. A Organização Marítima Internacional lista uma empresa chamada Waleforce como proprietária e uma empresa britânica de gerenciamento de iates como ponto de contato.
Essa empresa disse à BBC que não tinha ligação com o Clio no momento em que parou de transmitir seu sinal AIS.
Deripaska foi alvo de sanções por EUA, Reino Unido, UE e Austrália por seus supostos laços com o presidente Putin.
Seu porta-voz disse à BBC que as sanções foram “profundamente equivocadas, além de sustentadas por acusações infundadas e absurdas. Deripaska nunca esteve envolvido em política e não se beneficia deste ou de qualquer outro conflito militar”.
Graceful, ligado ao presidente russo Vladimir Putin
O Graceful, de 82 metros, deixou Hamburgo, onde estava sendo reparado, em 7 de fevereiro e navegou para o território russo de Kaliningrado.
Sob a convenção da ONU sobre a Segurança da Vida no Mar, os navios podem desligar seu sistema AIS enquanto estão no cais, mas os sinais da Graceful desapareceram durante sua aproximação final a Kaliningrado.
Fotos no site de mídia social russo Odnoklassniki e no aplicativo Telegram mostraram inicialmente o Graceful no rio Prególia.
Depois disso, a embarcação deslocou-se para uma doca seca pertencente ao estaleiro Yantar. Imagens de satélite da Agência Espacial Europeia mostram que o superiate fez esse movimento em 16 de março e ainda está lá agora.
Um porta-voz do presidente Putin disse à BBC: “Não sabemos nada sobre o iate mencionado. Podemos dizer enfaticamente que Putin não tem ligações com este ou qualquer outro iate”.
No entanto, o Graceful foi vinculado ao líder russo pelo Tesouro dos EUA em um comunicado que o coloca em uma lista de ativos sancionados. Segundo o governo americano, Putin “fez inúmeras viagens” no superiate.
O proprietário registrado do Graceful na Organização Marítima Internacional é uma empresa chamada JSC Argument, que, segundo uma investigação do serviço russo da BBC, está ligada a uma extensa propriedade rural na costa do Mar Negro, conhecida como “Palácio de Putin”.
A BBC procurou Vagit Alekperov e Sergey Galitsky para comentar, mas não recebeu resposta.
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