As catastróficas chuvas do Nordeste de maio e junho deste ano se tornaram os primeiros extremos climáticos no Brasil a serem comprovadamente associadas às emissões humanas de gases do efeito estufa, como desmatamento e queima de combustíveis fósseis. Se não fossem as mudanças climáticas, o Nordeste, principalmente Pernambuco, não teria sofrido uma das maiores tragédias de sua história.
Um estudo apresentado nesta terça (5) pelo World Weather Attribution (WWA), um grupo internacional de cientistas que investiga a relação das mudanças climáticas com eventos extremos, mostra que houve influência da atividade humana no aumento da intensidade da chuva.
Desenvolvido por 23 cientistas de instituições de Brasil, Holanda, Reino Unido, Estados Unidos e França, o novo estudo estima que o aquecimento do planeta – hoje 1,2C mais quente – aumentou em 20% a intensidade da chuva que matou 133 pessoas, deixou mais de 25 mil pessoas desabrigadas em 80 municípios.
Essa foi a primeira vez que um estudo do gênero analisou extremos climáticos no Brasil. Os cientistas usaram métodos matemáticos para investigar o comportamento do clima com e sem levar em conta as emissões derivadas de atividades humanas. A metodologia usada permite a revisão por pares, o que é essencial para a confiabilidade do estudo.
Com técnicas estatísticas, os pesquisadores conseguem distinguir eventos extremos que são resultado de variabilidade natural daqueles agravados pelos gases-estufa emitidos pelo homem. Recentemente, o WWA mostrou que as emissões humanas estão ligadas à onda de calor de 2021 no Noroeste Pacífico e às enchentes de 2021 de julho na Europa.
No Nordeste, começou a chover forte em 23 de maio nos estados de Pernambuco, Alagoas e Paraíba. Em 25 de maio, a chuva já castigava Rio Grande do Norte e Sergipe. O clímax ocorreu entre 27 e 28 de maio, quando em menos de 24 horas Pernambuco recebeu 70% da chuva estimada para todo o mês de maio.
As chuvas desencadearam uma sequência de deslizamentos de encostas e inundações, além do rompimento de uma barragem, na Paraíba. As tempestades continuaram no início de junho, nas piores chuvas da história de Pernambuco.
Para fazer o estudo, os pesquisadores alimentaram os modelos matemáticos com dados de 75 estações meteorológicas da área atingida com informações diárias completas desde a década de 70 do século XX.
O meteorologista Lincoln Muniz Alves, do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) e um dos autores do trabalho, destaca que eventos como esse são extremamente raros, porém, até mesmo os modelos climáticos mais otimistas indicam que se tornarão cada vez mais frequentes e intensos à medida que a Terra continua a esquentar.
Mesmo numa região marcada pela seca, a tendência é que eventos de chuva com potencial catastrófico se tornem mais comuns.
Também autor do estudo, Alexandre Koberle, do Imperial College London, acrescenta que a ação humana agravou a chuva de duas formas. A primeira, como mostrou a pesquisa, devido à intensificação da chuva extrema. A segunda foi a expansão urbana para áreas de risco associada à precariedade das construções e das redes de drenagem.
Koberle destaca que os sistemas de alerta ajudaram a salvar muitas vidas ao prever o risco de tempestades com antecedência. Porém, a população ainda não sabe sobre como agir uma vez alertada para o risco, por exemplo.
As mudanças climáticas já são realidade e não se trata só de prever, mas de se adaptar e mitigar, frisaram os cientistas.
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