A imprensa internacional repercutiu a informação dada por autoridades brasileiras de que um pescador confessou ter assassinado o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips na Amazônia. Os dois estão desaparecidos desde o dia 5 de junho, e na quarta-feira (15/6) a Polícia Federal disse ter encontrado restos humanos — com “grandes chances” de que esse material seja os corpos da dupla.
O jornal americano New York Times afirmou que os desaparecimentos são “um capítulo escuro na recente história sangrenta da Amazônia”.
“Phillips dedicou grande parte de sua carreira a contar as histórias do conflito que devastou a floresta tropical, enquanto Pereira passou anos tentando proteger as tribos indígenas e o meio ambiente em meio a esse conflito. Agora parece que o trabalho se tornou mortal para eles, mostrando até que ponto as pessoas estão dispostas a explorar ilegalmente a floresta tropical”, escreveu o jornal americano.
O diário destacou a experiência e o profissionalismo do jornalista britânico.
“Phillips era um correspondente experiente que fazia reportagens no Brasil há 15 anos, incluindo um período como escritor freelancer para o Times em 2017. Sua especialidade eram histórias profundas sobre grupos vulneráveis em lugares de difícil acesso na Amazônia, tornando-o particularmente experiente com o tipo de viagem que se tornou a sua última.”
O jornal britânico The Guardian, para o qual Dom Phillips escrevia, disse que o “anúncio [da Polícia Federal] pôs um triste fim a uma busca de 10 dias que horrorizou a nação e destacou os crescentes perigos enfrentados por aqueles que ousam defender o meio ambiente e as comunidades indígenas do Brasil, que enfrentam um ataque histórico sob o presidente de extrema direita do país, Jair Bolsonaro”.
O diário também destacou que na coletiva de imprensa da PF em Manaus “militares e policiais se parabenizaram pelo trabalho realizado, antes de reconhecerem tardiamente o papel desempenhado pelos indígenas que ajudaram a liderar as buscas”.
O The Guardian publicou um perfil de Phillips e Pereira intitulado “O escritor e o ativista: como Dom Phillips e Bruno Pereira se uniram pela Amazônia”.
“Era para ser uma das últimas viagens de Dom Phillips à Amazônia, o pontapé inicial de um livro que revelaria toda a exuberante complexidade da maior floresta tropical do mundo. Em vez disso, parece ter sido um capítulo final para Phillips e seu amigo Bruno Pereira, especialista em indígenas e guia”, escreveu o jornal, que promove uma campanha de arrecadação de fundos para os familiares dos desaparecidos.
O britânico Financial Times, de notícias financeiras, também destacou as pressões que jornalistas e ambientalistas sofrem na Amazônia.
“Indígenas e funcionários de organizações não governamentais há muito suportam o peso da agressão de grupos que operam ilegalmente na área. Ambientalistas dizem que a situação se deteriorou dramaticamente desde a eleição em 2018 do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, cuja retórica em apoio a garimpeiros e madeireiros ilegais foi tomada como sinal verde para arrasar a floresta tropical”, escreveu o FT.
“As agências de fiscalização ambiental do Brasil também foram submetidas a cortes orçamentários, que resultaram em redução de mão de obra e uma crescente sensação de impunidade entre os operadores ilegais da região.”
O americano Washington Post destacou em sua reportagem declarações de Bolsonaro, em que o presidente fala que as reportagens de Phillips desagradavam muitos na Amazônia e sugerindo que o jornalista deveria ter tomado precauções maiores em sua viagem.
“Esse caso tem sido acompanhado de perto no Brasil, onde uma das das questões mais polêmicas é sobre se a floresta amazônica deve ser desenvolvida ou preservada. O presidente Jair Bolsonaro, um forte defensor do desenvolvimento, que já apoiou garimpeiros e desmatadores ilegais, culpou Phillips por seu desaparecimento. Em um comunicado na quarta-feira, ele disse que o jornalista era ‘mal-visto na região’.”
Mesmo antes da descoberta dos corpos, a imprensa internacional já estava cobrindo intensamente o caso. Em uma carta aberta ao presidente Jair Bolsonaro e aos ministros da Defesa e Relações Exteriores, publicada na semana passada, editores do The Guardian, The New York Times, The Associated Press e vários outros veículos nacionais e estrangeiros haviam expressado “extrema preocupação com a segurança e o paradeiro” dos dois homens.
Os jornalistas pediram por mais esforços nas buscas, em um momento em que as autoridades eram acusadas de empregar poucos recursos.
“Como editores e colegas que trabalharam com Dom, estamos muito preocupados com relatos de que os esforços de busca e resgate até agora têm recursos mínimos, com as autoridades nacionais demorando a oferecer limitada assistência’, diz o texto.
Bruno da Cunha de Araújo Pereira é indigenista e servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio). Ele estava licenciado do cargo e trabalhando em um projeto das ONGs WWF-Brasil e União dos Povos Indígenas do Parque do Javari (Univaja) para ensinar indígenas a monitorar suas terras com o uso de tecnologias como drones.
Dom Phillips é jornalista e colaborador de diversos jornais no exterior, entre eles o britânico The Guardian. Phillips mora no Brasil há 15 anos e é casado com uma brasileira. Ele realizou diversas viagens para a Amazônia, onde fez reportagens sobre desmatamento e crimes.
Ele viajou para o extremo oeste da Amazônia acompanhado de Bruno para coletar dados para um livro que estava escrevendo sobre como salvar a floresta.
No domingo, dia 5 de junho, Bruno e Dom desapareceram a poucos quilômetros do Vale do Javari, que é a segunda maior reserva indígena do Brasil. Eles viajavam de barco pelos mais de 70 km que ligam o lago do Jaburu ao município de Atalaia do Norte. Na última vez que foram vistos, eles pararam na comunidade de São Rafael, às 6h, onde tinham uma reunião marcada com o líder pescador Manoel Vitor Sabino da Costa, conhecido como Churrasco.
Dali, eles seguiram seu caminho pelo rio. A dupla deveria ter chegado a Atalaia do Norte duas horas depois, mas desapareceu. Quem soou o alerta foram os indígenas da Univaja. Segundo a associação, Bruno e Dom viajavam em uma lancha em bom estado e com combustível suficiente para a viagem.
A Univaja disse que às 14h enviou uma equipe “formada por indígenas extremamente conhecedores da região”. A equipe teria percorrido inclusive os “furos” do rio Itaquaí, mas nenhum vestígio foi encontrado. Às 16h, dizem os órgãos, “outra equipe de busca saiu de Tabatinga, em uma embarcação maior, retornando ao mesmo local, mas novamente nenhum vestígio foi localizado”.
Há relatos de que Bruno Pereira era alvo constante de ameaças feitas por pescadores ilegais, garimpeiros e madeireiros. Além disso, a Univaja também relatou ameaças a seus integrantes — tendo registrado boletim de ocorrência na polícia poucas semanas antes do desaparecimento de Bruno.
Dois dias depois do desaparecimento, em 7 de junho, a polícia prendeu o pescador Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como “Pelado”, e o nomeou como suspeito no caso — mas não forneceu detalhes sobre qualquer relação entre ele e os desaparecidos. “Pelado” foi preso com drogas e munições de uso restrito de autoridades. Há relatos de que ele estaria ameaçando indígenas que trabalham nas buscas.
A sua lancha tinha rastros de sangue — e o material foi enviado para perícia em Manaus para determinar se o sangue é humano ou de animais. O resultado do exame deve sair em cerca de 30 dias. Em uma audiência de custódia, Amarildo acusou policiais de espanca-lo.
No domingo (12/6), foram encontrados objetos pessoais de Bruno e Dom em um trecho do rio. O material orgânico enviado para perícia foi encontrado na sexta-feira (10/6).
As buscas foram feitas pelas polícias Federal, Militar e Civil, além da Força Nacional, Exército, Marinha e grupos de indígenas. Duas aeronaves, três drones, 16 embarcações e 20 viaturas foram usados nas buscas.
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