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Cão de rua atropelado filosofa

Uma adolescente percebeu que o cão de rua ia ser atropelado. Por intuição previu que o motorista não acionaria os freios, já que vira o animal e continuara na mesma velocidade. Sem pensar na própria vida, nem hesitar, a jovem precipitou-se na frente do trânsito, ocasionando a frenagem de vários veículos, entre eles o que bateu no cão, não chegando a triturá-lo sob as rodas.

A garota, entre lágrimas, apanhou o animal vitimado, estreitando-o num abraço protetivo e piedoso, desarvorada como se ele fosse familiar seu. Uma senhora que a tudo assistira e parara seu veículo ao lado, abriu a porta e se dispôs a transportar a jovem com o socorrido, a uma clínica veterinária de Boa Viagem, onde a socorrente solicitou o atendimento necessário sem sequer perguntar preço, sabendo

que os pais cobririam a despesa.

O cãozinho morreu antes da cirurgia, poupado do temor da morte, porque sob anestesia, confuso e grato pela importância que a desconhecida lhe dera tão de repente, poder-se-ia dizer que fora vira latas sem dono, contudo a sensibilidade de um coração feminino adolescente, na hora da precisão derradeira, não o deixara finar-se como um desvalido.

Teria sido, é bem verdade, um cão livre, faminto mas feliz, diferentemente dos que comem só ração (dieta que se fosse boa e saborosa as pessoas adotariam para si). Quanta gostosura provara nas sobras do lixo, no sobejo abastado de uns poucos ricos.

A vida não era um mar de rosas. Rosas perfumam, são lindas, nutrem o romantismo humano, mas na ótica canina não enchem barriga. Também não fora um oceano de lixo, porque os bons sentimentos, o carinho, os afagos, os acenos de simpatia, não eram de jogar fora, constituíam um tesouro que ficaria na lembrança para a grande viagem. Morreria saudoso e agradecido por ter vivido. Chutes e pedradas esquecidos. Se pudesse, viveria de bom grado novamente. Um filósofo de quatro patas.

O mesmo não se diga do irresponsável que o atropelou. Cheio de pernas, mais de quatro, tipo centopeia, tarântula, escorpião, e vazio de juízo, portanto nem seria cão nem filósofo.

José de Siqueira Silva é Coronel da reserva da PMPE

Mestre em Direito pela UFPE e Professor de Direito Penal

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18/09/2023 às 16:50

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