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Camilla Odilon: a mulher preta e pobre da periferia de Recife que hoje é referência em recolocação profissional na Irlanda

Pernambucana de 31 anos mantém em Dublin projeto social de apoio a brasileiros que desejam trabalhar com Marketing, sua área de atuação; três anos atrás, quando chegou na Europa sem falar uma única palavra em inglês, Camilla foi trabalhar como diarista (Foto: divulgação)

Nesta 3ª feira (25 de julho), quando se comemora o Dia da Mulher Negra Latina Americana e Caribenha, vale a pena destacar a história de Camilla Odilon. Preta e moradora de uma das periferias mais violentas de Recife, capital do estado de Pernambuco, a jovem, hoje com 31 anos, se tornou inspiração para demais brasileiros que tentam uma vida melhor na Irlanda.

A pernambucana chegou no país europeu em 2020, poucas semanas antes de a Covid-19 tomar o mundo. Sem dinheiro e visto definitivo, longe de casa e em meio à pandemia, a brasileira se viu obrigada a conciliar os estudos com alguma ocupação profissional. Sem falar uma única palavra em inglês, Camilla encontrou na faxina a garantia de seu sustento. Hoje, a palestrante e gerente de Marketing de uma empresa irlandesa mantém um projeto social de apoio a outros brasileiros que estão em Dublin e desejam trabalhar na área.

A trajetória de Camilla é indiscutivelmente de superação e começa com seus pais, Tânia Oliveira e Carlos Alberto da Silva (falecido), no Brasil. Moradores de Jordão Alto, periferia de Recife, o casal e os dois filhos, Camilla e Ramon Silva, foram na contramão da realidade que o entorno oferecia, incluindo pobreza, violência, discriminação e ausência de oportunidades. 

Enquanto Tânia vendia produtos na praia para sustentar a casa e a família, o marido estudava para concurso público e cuidava de Camilla. A possibilidade de reviravolta aconteceu anos depois, quando Silva foi admitido na Guarda Civil Municipal (GCM) de Recife, se formou em História e, empregado, teve condições de pagar os estudos da primogênita. Camilla se graduou e se pós-graduou em Marketing.

No Recife, a jovem conquistou chances interessantes de trabalho. Aos 28 anos, se tornou gerente de Marketing numa empresa e passou a lecionar em cursos de pós-graduação em universidades. No entanto, a vontade de tentar uma vida melhor fora do Brasil e de conhecer outro país se aliaram à indignação que nutria pelo sem-número de vezes que havia sido discriminada, diminuída, hipersexualizada e subestimada, sobretudo em recrutamentos dos quais participou.

Foi então que a pernambucana pediu demissão do emprego, terminou um relacionamento, se despediu da família e, com o diploma do ensino superior embaixo do braço, deixou o Brasil, em 2020:

“Ser mulher no Brasil é muito difícil, ainda mais sendo preta e pobre, moradora de periferia, filha de pais simples, e proveniente de uma família humilde. Hoje em dia, sou muito bem resolvida com tudo o que passei. Mas, não é algo que se esqueça. Quando vim para a Irlanda, eu queria viver onde eu tivesse oportunidades mais dignas e onde pobres e ricos frequentassem os mesmos lugares. Foi uma segunda chance para mim”, confidencia Camilla.

Ao chegar na Irlanda, a intercambista passou a se dedicar com afinco aos estudos. Poucas semanas depois, o Coronavírus provocou mudanças drásticas em sua rotina. As aulas presenciais se tornaram on-line, por força do lockdown, e o dinheiro começou a faltar com a alta do euro. Para economizar, restou à brasileira se mudar para uma casa onde viviam outras 16 pessoas. As roupas eram guardadas em potes plásticos dispostos próximos a uma parede mofada. Para dormir numa beliche, Camilla pagava, na época, pouco mais de 600 euros – o equivalente, hoje, a R$ 3 mil.  

Na fase aguda da Covid-19, somente cursar inglês já não era mais uma opção viável para a pernambucana. O jeito foi arrumar um emprego. Sem falar o idioma local, a brasileira foi fazer faxina. No aplicativo Helpling, que oferece serviços de diarista na Irlanda, a jovem enxergou a chance de dar a volta por cima:

“Sem fluência no inglês e sem visto permanente, eu não ia arrumar outro emprego. E, mesmo assim, na faxina, quando eu precisava me comunicar com meus superiores, usava o Google Tradutor. Mas, trabalhar como diarista foi a melhor coisa que fiz por mim, naquele momento. Quatro meses depois, eu já falava bem o inglês. Aprendi na marra, no dia a dia”.

Logo, Camilla começou a fazer faxina em empresas, até que caiu numa de Marketing. Um dia, decidiu montar um plano estratégico e apresentar para a Diretoria:

“Fiz isso na maior cara e coragem. E, ali, conquistei um novo emprego: o de assistente de Marketing – e este foi um dos dias mais felizes da minha nova vida. A brasileira, nordestina e pernambucana tinha dado mais um passo importante”, lembra.

Projeto social para brasileiros

Daquele momento em diante, a pernambucana não parou mais de avançar na Europa. Conquistou o visto definitivo (Critical Skills), se pós-graduou em Data Science Applied to Marketing, na Portuguese Institute of Marketing Administration, de Portugal, e abriu uma comunidade na Internet de apoio a outros brasileiros que estão na Irlanda e que não conseguem trabalho. A ajuda on-line, recentemente, ganhou novos contornos. Camilla instituiu o projeto social “Marketing na Irlanda”:

“Por meio da comunidade, eu e voluntários oferecemos cursos, palestras e workshops. Contamos nossas histórias de vida, compartilhamos desafios e experiências e indicamos caminhos para que os brasileiros que estão na Irlanda e que trabalham com Marketing também possam se organizar, arrumar um emprego e se manter. A falta de estrutura faz com que muitos entrem em depressão. A incerteza afeta a confiança, a autoestima. E eu sei que é possível mudar isso. Sou prova viva”.

Hoje em dia, o irmão de Camilla também trabalha na Europa e a mãe visita os filhos sempre que possível. A profissional de Marketing não pretende voltar ao Brasil e é enfática quando justifica sua decisão:

“Com estudo e trabalho duro, conquistei uma vida até que digna no Brasil. Contudo, a desigualdade e a falta de oportunidades para mulheres como eu, sempre me incomodou muito. Conviver com isso, aliás, para mim, era insuportável. Para se ter ideia, aos 16 anos, fui chamada de ‘macaca chita e nojenta’ por uma ‘ex-sogra’, que não aceitava que eu namorasse ‘o filho branco’ dela. No mundo corporativo, quando uma preta ocupa um cargo de liderança, sempre será comparada e terá de provar, constantemente, que é capaz. Além disso, vai receber um salário baixo e trabalhar muito mais do que deveria. O Brasil precisa progredir muito nestas questões. Ainda, e infelizmente, engatinha”.

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