- Leandro Prazeres – @PrazeresLeandro
- Da BBC News Brasil em Brasília
“Atenção CACs: precisamos de vocês. Estejam juntos com o povo nesse levante para proteger a população e os irmãos Patriotas em Brasília”. Foi assim que donos de armas de fogo de todo o país agrupados pela sigla CAC (colecionador, atirador desportivo e caçadores) foram convocados para atos como a invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.
Não há dados oficiais sobre a quantidade de CACs presos entre os invasores detidos pelas autoridades em Brasília, mas pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que esse tipo de convocação cria um risco em casos de atos semelhantes no futuro.
As investigações sobre a invasão em Brasília ainda estão em curso e são conduzidas pelas polícias Federal e Civil e pelo Ministério Público Federal (MPF). Pelo menos 1,3 mil pessoas estão presas.
Os investigadores já concluíram que boa parte dos invasores chegou à capital federal atendendo a convocações de para um protesto contra a vitória de Lula. Esses chamados circularam em redes sociais como o Telegram, WhatsApp, Facebook, entre outras.
Lideradas por militantes bolsonaristas, algumas dessas convocações tentaram mobilizar membros da base mais fiel de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Entre esses grupos, estavam os CACs.
Os professores e pesquisadores David Nemer (Universidade da Virgínia, nos EUA) e Leonardo Nascimento (Universidade Federal da Bahia) monitoram grupos bolsonaristas em aplicativos como o Telegram para diferentes projetos de pesquisa e apontam que houve uma série de mensagens convocando a participação dos CACs nos atos no período que antecedeu a invasão das sedes dos Três Poderes.
Em uma delas, há uma divisão de tarefas e indicações sobre que papel os CACs deveriam desempenhar: hackers e especialistas em TI deveriam derrubar sistemas do governo federal enquanto os CACs ficariam responsáveis por “proteger a população”.
Em outra, há um plano delineado sobre como funcionaria a sequência de atos organizados pelo grupo. Nesta, a função dos CACs seria “dar suporte” aos invasores.
Circulação e risco
David Nemer estuda grupos bolsonaristas há alguns anos e diz que, no “ecossistema” desse segmento, a função imaginada para os CACs sempre foi bem definida.
“Dentro desse ecossistema, os CACs seriam aqueles que trariam a força armada para forçar um eventual golpe de estado. Essa era a expectativa”, diz o pesquisador.
Leonardo Nascimento diz que, desde que iniciou os estudos sobre grupos bolsonaristas, os CACs sempre fizeram parte da base de apoio do ex-presidente.
“Os CACs viraram um dos pilares do bolsonarismo. Numericamente, eles não são tão representativos quanto evangélicos, por exemplo. Mas como eles têm acesso a armas, os CACs são um dos grupos que mais demanda atenção”, diz Nascimento.
Nemer afirma que, até o momento, não há elementos para afirmar que os CACs aderiram, em massa, ao protesto, mas que isso não significa que a situação esteja sob controle.
Ele diz que atos como o do início do mês têm dois efeitos colaterais diversos sobre os bolsonaristas. Um deles é que atos de vandalismo afastam elementos mais moderados do movimento.
Por outro lado, explica Nemer, integrantes mais radicais tendem a resistir e a radicalizar ainda mais.
“O que pode acontecer no futuro, em novas convocações, é vermos um grupo mais radical atendendo a esse pedido. Basta apenas uma pessoa armada para fazer um estrago irreversível”, explica.
Leonardo Nascimento afirma que algumas das mensagens com convocações a CACs podem ter chegado a dezenas de milhares de pessoas.
“Os canais no Telegram não têm limite de integrantes. Alguns grupos podem ter até 200 mil pessoas. Estamos falando de dezenas de milhares de pessoas que podem ter lido esse tipo de mensagem”, afirmou o pesquisador.
Um dos exemplos de como a retórica extremista pode afetar CACs, ainda segundo Leonardo Nascimento, é George Washington de Sousa. Ele é um dos três réus no processo que apura uma tentativa de explodir uma bomba no Aeroporto Internacional de Brasília, em dezembro do ano passado.
Em seu depoimento à Polícia Civil, o gerente de postos de gasolina que está preso em Brasília admitiu ter montado a bomba desarmada pelas autoridades do Distrito Federal e afirmou que virou um CAC motivado pelo discurso de Jair Bolsonaro. Com ele, a polícia apreendeu pistolas, um fuzil, cargas explosivas e munições.
Um outro exemplo de convocação de CACs levou à prisão do empresário Milton Baldin, que, segundo as investigações, usou as redes sociais para convocar atiradores para uma manifestação durante a posse de Lula, em Brasília.
“Gostaria de pedir ao agronegócio, aos empresários, que deem férias aos caminhoneiros e mandem os caminhoneiros para Brasília. São só 15 dias, não vai fazer diferença. Também pedir aos CACs, atiradores que têm armas legais… Somos 900 mil atiradores no Brasil hoje, venham aqui mostrar presença”, disse Baldin no vídeo que circulou pelas redes sociais nos dias anteriores à posse do presidente.
CAC é a sigla pela qual é conhecida a pessoa física que obteve o direito de comprar ou portar armas de forma legal. No Brasil, para que uma pessoa seja considerado um CAC, ela precisa preencher um requerimento junto ao governo federal e apresentar uma série de documentos.
Ao longo de seu governo, Bolsonaro assinou decretos que facilitaram a compra de armamentos e munições por civis. O presidente chegou a defender que todo cidadão tivesse um fuzil. Medidas e manifestações como essas consolidaram o apoio de parte dos CACs ao agora ex-presidente.
Um levantamento feito pela organização não-governamental Sou da Paz em junho de 2022 estimou que o número de CACs no Brasil aumentou 473% entre 2018 e 2022, saindo de 117,5 mil para 673,8 mil.
Após assumir o poder, Lula revogou alguns dos decretos que flexibilizaram as normas para aquisição de armas assinados por Bolsonaro.
Invasão
Na tarde do dia 8 de janeiro, milhares de bolsonaristas insatisfeitos com a eleição de Lula e defendendo pautas como o fechamento do Congresso Nacional invadiram as sedes dos três poderes da República.
Eles chegaram a Brasília em dezenas de ônibus e ocuparam a Esplanada dos Ministérios, na área central da cidade, ao longo do dia. Rapidamente, eles invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, Congresso Nacional e a sede do Supremo Tribunal Federal (STF). Móveis, vidraças e obras de arte foram destruídas ou danificadas.
Após a invasão, o presidente Lula anunciou uma intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal. O secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, foi nomeado interventor.
Horas mais tarde, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), foi afastado temporariamente pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes. No sábado (14), o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres foi preso preventivamente, por ordem de Moraes. Ele é investigado por ter sido supostamente omisso em relação ao planejamento da operação de segurança que deveria impedir a invasão do dia 8 de janeiro. Em suas redes sociais, Torres negou qualquer irregularidade e disse que irá se defender na Justiça.
Na semana passada, o ex-presidente Bolsonaro foi incluído em um dos inquéritos abertos pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para investigar os responsáveis por incitar as invasões.
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