- Simone Machado
- De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
O amor pelos cabelos e a vaidade fizeram Yasmin Torquado Ribeiro escolher ser cabeleireira ainda na adolescência. Mas, por ironia do destino, em 2017, quando ela tinha 23 anos e já trabalhava há quase cinco cuidando do cabelo de dezenas de mulheres de Juiz de Fora (MG) ela começou a perder as suas madeixas. Seis meses mais tarde veio o diagnóstico: ela possuía alopecia areata.
A alopecia areata é uma condição rara que se caracteriza pela perda de cabelo em áreas arredondadas ou ovais do couro cabeludo. Ela acomete homens e mulheres, independentemente da idade, e atinge de 1% a 2% da população.
“Eu tinha um cabelo grande, bem cuidado e em bastante volume, jamais imaginei que um dia eu pudesse ter algum problema relacionado a eles. Até receber o diagnóstico corretamente passa mil coisas na nossa cabeça, eu achava que tinha alguma doença rara que os médicos não conseguiam descobrir e até mesmo que eu pudesse morrer”, recorda.
Desde que recebeu o diagnóstico de alopecia areata, Yasmin, hoje com 28 anos, passou por diversos médicos e especialistas. Todos os profissionais diziam que, apesar dos tratamentos e medicações, não dava para garantir que o problema seria resolvido e a queda diminuiria. Alguns chegavam a dar esperança, mas outros eram categóricos em dizer que os tratamentos não fariam efeito e ela perderia grande parte dos seus fios.
“No começo, a falta de fios atingia uma parte do meu coro cabeludo, formando um buraco do tamanho de um copo. Com o tempo ele foi aumento e a cada semana meu cabelo caia mais. Mesmo fazendo acompanhamento psiquiátrico e psicológico, entrei em depressão, principalmente por trabalhar na área da beleza e saber o que o cabelo representa. Aquela situação me assustou demais”, conta a cabeleireira.
Além dos olhares atravessados, a queda dos fios e a falta deles em algumas áreas do couro cabeludo também afetou os negócios da cabeleireira. Muitas clientes pararam de frequentar o salão que ela tem e até mesmo familiares se afastaram após o diagnóstico da condição rara.
“Receber o diagnóstico tão nova foi um baque muito grande. Minhas clientes foram se afastando, algumas achavam que era uma doença contagiosa, outras pensavam que eu pudesse ter usado produtos de má qualidade que causou a queda dos meus cabelos. Por mais que eu explicasse que não era nada disso, nada adiantou e minha situação financeira ficou bastante complicada”, recorda a cabeleireira.
“Não tive apoio, apenas duas pessoas ficaram ao meu lado desde o diagnóstico até quando eu decidi raspar meu cabelo”, acrescenta Yasmin.
Raspar os fios e assumir o visual careca
Sem tratamento que fizesse seus fios nascerem e crescerem novamente nos pontos de falha, Yasmin decidiu há dois anos raspar totalmente os cabelos, conviver com o visual careca e encarar o preconceito e olhares tortos das pessoas.
“Determinei que se até o dia 31 de dezembro [de 2020] os tratamentos não fizessem efeito eu iria raspar meu cabelo. A data já é um marco por determinar uma passagem para o novo ano e eu determinei que era a data que eu tomaria as rédeas da minha vida, porque até então a doença estava tomando conta de mim. Ali seria o prazo máximo do meu sofrimento”, conta Yasmin.
Desde então, Yasmin raspa seus fios e mantém um visual careca. Hoje, ela afirma que convive melhor com a sua condição e vê a reação das pessoas como falta de conhecimento sobre a alopecia e sua condição autoimune, que pode atingir qualquer pessoa independentemente dos cuidados que ela tem com os cabelos.
“Às vezes na rua uma pessoa me via com a cabeça raspada e perguntava o que eu fiz com o meu cabelo e aquilo me doía muito, porque não era o que eu fiz, mas o que aconteceu para eu perder o meu cabelo. Eu voltava para casa arrasada. Hoje sou muito bem resolvida quanto a isso. Eu não fico mais observando as pessoas ao meu redor e não olho quem está me olhando. Eu estar bem comigo, evita que as pessoas façam comentários maldosos, que me julguem pelo meu cabelo e aparência, ou me façam perguntas desconfortáveis”, conta.
Mesmo aceitando sua falta de cabelos e assumindo o visual careca, Yasmin afirma que possui quatro laces, as populares perucas, e as utiliza como acessório sempre que quer mudar o visual.
“Aproveito para ter vários visuais diferentes, amo essa versatilidade de poder ser loira e daqui a um segundo estar morena com o cabelo grande ou curto, essa é a parte legal de usar a lace, virou um acessório”, diz.
Além de fazer a manutenção das próprias laces – elas precisam ser lavadas e cuidadas como nosso cabelo – Yasmin, por ser cabeleireira, também faz esse tipo de serviço em seu salão, atraindo diversas mulheres com a mesma condição que a sua.
Ajudando outras pessoas
Hoje Yasmin fala abertamente sobre sua condição rara e busca, através do seu exemplo, ajudar outras mulheres que possuem alopecia e enfrentam situação semelhante.
Através de vídeos nas redes sociais e até mesmo conversas pessoalmente em seu salão, a cabeleireira busca acolher essas pessoas e mostrar que há muita vida apesar da condição que as fazem perder os cabelos.
“Muita gente me procura para pedir ajuda, como deixar a lace mais natural, cortar ou fazer mexas e dou esse suporte para essas pessoas. Ajudo até mesmo com uma palavra, recebo essas pessoas, converso com elas e passo um pouco da minha experiência. É uma forma de mostrar para que é possível ter uma vida normal após o diagnóstico da alopecia e não há nada de anormal em ser careca”, conta.
Quando buscar ajuda?
Toda pessoa perde, em média, 100 fios de cabelo por dia, mas quando os fios caem além desse padrão, isso é considerado queda e é importante buscar ajuda profissional, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
“Cada fio de cabelo cresce por média de 6 anos, quando ele cai deve ser substituído por um fio igual a ele e muitas dessas alopecias não permitem que esse novo fio substituía o que caiu interrompendo o ciclo natural do cabelo”, explica a dermatologista Fabiane Andrade Mulinari Brenner, coordenadora do Departamento de Cabelos e Unhas da SBD.
Os tratamentos variam conforme o tipo da doença e em alguns casos, como em situações de falta de determinadas vitaminas no corpo, o cabelo retoma o crescimento com a mudança na alimentação. Em outras situações, é indicado o uso de medicamentos e até mesmo terapias para estimulação da área.
Tipos de alopecia
Há basicamente três tipos de alopecias, sendo popularmente chamadas de queda de cabelo excessiva e cada uma possui características especificas. Elas afetam homens, mulheres e até mesmo criança, já que não tem relação direta com o sexo ou idade.
- Alopecia areata. É uma inflamação do couro cabeludo e considerada rara. O problema geralmente tem relação com um grande trauma emocional, alterações na tireoide ou com doenças autoimunes, como diabete, por exemplo.
- Alopecia androgenética. É a mais comum e é popularmente chamada de calvície. Apesar de ocorrer em mulheres, os homens são os mais afetados. Nela os fios vão caindo e ficando cada vez mais finos com o passar dos anos. Geralmente tem causa genética, mas também pode estar relacionada à sensibilidade a hormônios masculinos, como a testosterona.
- Eflúvio telógeno. É uma queda de cabelo acelerada e que normalmente acontece alguns três meses após o corpo receber um estímulo externo como parto, cirurgia e até mesmo infecção por covid-19. Normalmente, essa queda é controlada com o uso de vitaminas.
Encarar o diagnóstico de alopecia areata nem sempre é tarefa fácil; por isso, há 20 anos, foi fundado o AAGAP – Grupo de Apoio aos Paciente com Alopecia Areata, com parceria com a Sociedade Brasileira de Dermatologia.
O objetivo do grupo é dar orientações sobre como conviver com a condição e com mais qualidade de vida. Além dos pacientes, familiares e amigos também podem participar.
Uma vez por mês, aos sábados, acontecem encontros presenciais em São Paulo, onde os presentes recebem orientações de dermatologistas e psicólogos.
“Nós criamos o grupo onde fazemos reuniões informais para auxiliar essas pessoas e tirar dúvidas. Além disso, o ambiente com diversos pacientes que compartilham da mesma dor, ajuda com que eles se sintam acolhidos, dividam experiências e criem mais forças para seguir uma vida normal”, explica a dermatologista Enilde Borges Costa, que integra o AAGAP.
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